sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Uma dor de cabeça de US$ 3,2 trilhões


Yao Yang
19/08/2011 Valor 19/08

Embora o rebaixamento dos títulos de dívidas do governo dos Estados Unidos pela Standard & Poor's (S&P) tenha chocado os mercados financeiros em todo o mundo, a China tem mais razões do que a maioria para preocupar-se: a maior parte - mais de 60% - de suas reservas internacionais oficiais, de US$ 3,2 trilhões, é denominada em dólares, incluindo US$ 1,1 trilhão em bônus do Tesouro dos EUA.

Desde que os EUA não entre em moratória, qualquer perda que a China possa ter com o rebaixamento será pequena. Naturalmente, o valor do dólar recuará, impondo perdas no balanço do Banco do Povo da China (BPC, o banco central chinês). A queda do dólar, no entanto, tornaria mais barata a compra de bens americanos pelos consumidores e empresas da China. Se os preços ficarem estáveis nos EUA, como é o caso agora, os ganhos com a compra de bens americanos deverão compensar as perdas no balanço do BPC.

O rebaixamento poderia, além disso, obrigar o Tesouro dos EUA a elevar os juros nos novos bônus, caso em que a China sairia beneficiada. O rebaixamento promovido pela S&P, no entanto, foi uma decisão ruim, tomada no momento errado. Se as dívidas dos Estados Unidos realmente se tornaram menos confiáveis, eram ainda menos confiáveis antes do acordo para elevar o teto de endividamento do governo, alcançado em 2 de agosto pelo Congresso e o presidente do país, Barack Obama.

O acordo permitiu que o mundo tivesse esperança de que a economia dos EUA embarcaria em um caminho mais previsível em direção à recuperação. O rebaixamento corroeu essa esperança. Algumas pessoas até preveem uma recaída recessiva. Se isso acontecer, a chance de inadimplência dos EUA seria muito maior do que é hoje.

Essas novas preocupações vêm fazendo soar alarmes na China. Diversificar-se, afastando-se dos ativos em dólar, é o conselho do dia. A tarefa, contudo, não é fácil, particularmente no curto prazo. Se o BPC começasse a comprar ativos não denominados em dólar em grandes volumes, precisaria invariavelmente converter alguns dos atuais ativos em dólar em outras moedas, o que empurraria o valor do dólar para baixo, aumentando, portanto, os custos do BPC.

Outra ideia em discussão nos círculos políticos chineses é permitir a valorização do yuan em relação ao dólar. Grande parte das reservas oficiais da China foi acumulada porque o BPC tenta controlar a taxa de câmbio do yuan, mantendo sua valorização dentro de uma faixa razoável e em ritmo moderado. Caso permitisse uma maior valorização do yuan, o BPC não precisaria comprar grandes volumes de moedas estrangeiras.

Para a valorização do yuan funcionar, no entanto, seria preciso reduzir os influxos líquidos de capital, assim como o superávit em conta corrente. A experiência internacional sugere que, no curto prazo, quando uma moeda se valoriza, mais capital entra no país; e a maioria dos estudos empíricos mostra que valorizações graduais têm impacto apenas limitado na posição de conta corrente dos países.

Se a valorização não reduzir o superávit em conta corrente e a entrada de capitais, a taxa de câmbio do yuan está destinada a enfrentar mais pressões de alta. É por isso que algumas pessoas defendem que a China promova uma grande valorização de uma só vez - grande o suficiente para neutralizar as expectativas de mais valorização e dissuadir a entrada de dinheiro "quente", especulativo. Tal revalorização também desencorajaria as exportações e encorajaria as importações, reduzindo o superávit comercial crônico da China.

Uma medida como essa, entretanto, seria quase suicida para a economia da China. Entre 2001 e 2008, o crescimento das exportações representou mais de 40% da expansão total da economia chinesa. Ou seja, o crescimento anual do Produto Interno Bruto (PIB) da China seria 4 pontos percentuais menor, se as exportações não crescessem. Além disso, um estudo do Centro de Análises Econômicas da China mostrou que uma valorização de 20% em relação ao dólar traria queda de 3% no emprego - mais de 20 milhões de empregos.

Não há cura de curto prazo para o problema chinês de US$ 3,2 trilhões. O governo precisa recorrer a medidas de longo prazo para mitigar o problema, entre os quais a internacionalização do yuan. A possibilidade de usar o yuan na liquidação das contas de comércio internacional da China ajudaria o país a escapar da política dos EUA de "empobrecer o vizinho" ao permitir a drástica queda do valor do dólar em relação às moedas dos rivais comerciais.

O problema de US$ 3,2 trilhões da China, no entanto, se tornaria um problema de 20 trilhões de yuans, se a China não conseguisse reduzir seu superávit em conta corrente e evitar a entrada de capital. Não existe escapatória da necessidade de ajustes domésticos estruturais.

Para conseguir isso a China precisa elevar a participação do consumo doméstico em seu PIB. Isso já está, por escrito, no 12º Plano Quinquenal do governo. Infelizmente, como a inflação está elevada, o ajuste estrutural foi adiado, com os esforços para controlar a expansão do crédito tornando-se a prioridade do governo. Essa desaceleração forçada nos investimentos, por si só, vem aumentando a poupança líquida da China, ou seja, o superávit em conta corrente, enquanto restringe a expansão do consumo doméstico.

A valorização real do yuan é inevitável enquanto o padrão de vida da China estiver correndo atrás do verificado nos EUA. De fato, o governo chinês não pode conter a inflação enquanto mantém o valor do yuan estável. O BPC deveria almejar uma valorização real da taxa de câmbio do yuan, em vez de tentar controlar o índice de inflação com um yuan estável. E, depois, o governo precisa dar mais atenção ao ajuste estrutural - a única cura eficiente para a dor de cabeça de US$ 3,2 trilhões da China.

Yao Yang é diretor do Centro para a Reforma Econômica da China, da Universidade de Pequim. Copyright: Project Syndicate, 2011.

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