quarta-feira, 31 de agosto de 2011

Às voltas com uma grande contração


Por Martin Wolf - Valor 31/08

O que a desordem dos mercados em agosto nos mostrou? A resposta consiste em três grandes pontos: primeiro, as economias dos países de alta renda, sobrecarregadas de dívidas, continuam extremamente frágeis; segundo, os investidores praticamente não confiam mais na capacidade das autoridades monetárias e políticas para resolver as dificuldades; e, terceiro, em tempos de alta ansiedade, os investidores preferem os ativos considerados como de menor risco, a saber, bônus de governos com melhores classificações de risco, independente de seus defeitos, e ouro. Os que temem deflação, compram bônus; os que temem inflação, compram ouro; os que não conseguem se decidir, compram ambos. Poucos investidores estão dispostos a assumir qualquer risco em investimentos de longo prazo.

Bem-vindos, então, ao que Carmen Reinhart, pesquisadora do Peterson Institute for International Economics, em Washington, e Kenneth Rogoff, de Harvard, chamam de "a segunda grande contração" (a Grande Depressão, dos anos 30, seria a primeira). Os menos apocalípticos poderiam chamá-la de a "doença japonesa".

Muitos perguntam se os países de alta renda correm risco de uma recaída recessiva, o chamado "duplo mergulho". Minha resposta é: não, porque a primeira recessão não acabou. A questão é outra, é saber quão mais profunda e longa esta recessão ou "contração" pode ser. O ponto central é que, até o segundo trimestre de 2011, nenhuma das seis maiores economias de alta renda havia superado os patamares de produção verificados antes da crise em 2008. Os Estados Unidos e Alemanha estão próximos dos pontos de partida, enquanto a França vem um pouco atrás. Reino Unido, Itália e Japão arrastam-se muito mais atrás.

O confiável Gabinete Nacional de Análises Econômicas dos EUA define recessão como "um declínio significativo na atividade econômica disseminado por toda a economia, que dure mais do que alguns meses". Define assim para concentrar-se mais nas variações da produção, do que em seu patamar. Normalmente isso faz sentido. Esta recessão, entretanto, não é normal. Quando as economias sofrem colapsos tão acentuados, como durante a pior fase da crise (os declínios nos Produtos Internos Brutos, entre o pico e o ponto mais baixo, variaram entre 3,9% na França e 9,9% no Japão), uma expansão que não leve a produção de volta ao patamar do ponto de partida não traz a sensação de recuperação. Isso é especialmente verdadeiro se o desemprego continua elevado, o emprego, baixo e a capacidade ociosa, alta. Nos EUA, o desemprego ainda é o dobro do registrado antes da crise.

A profundidade da contração e a debilidade da recuperação são, ambas, resultado e causa da atual fragilidade econômica. São resultado porque o endividamento excessivo do setor privado interage com os baixos preços dos ativos, particularmente do setor residencial, para deprimir a demanda. São causa porque quanto mais baixas as projeções de aumento na demanda, menor é o desejo das empresas de investir e mais sóbrios são os impulsos de conceder empréstimos. É uma economia, então, que não consegue atingir a "velocidade de fuga" e, portanto, corre o risco de não sair da atmosfera e cair de volta ao solo.

Vejamos agora, em meio a esse pano de fundo de continuidade da fragilidade, como as pessoas avaliam a cena política. Nem nos EUA nem na região do euro os políticos supostamente no comando - o presidente dos EUA, Barack Obama, e a primeira-ministra da Alemanha, Angela Merkel - parecem ser algo mais do que espectadores do desenrolar dos eventos, como recentemente destacou meu colega Philip Stephens. Ambos estão excluídos da situação. Obama quer ser presidente de um país que não existe. Em seus Estados Unidos de fantasia, os políticos esquecem suas diferenças em nome da harmonia bipartidária. Na realidade, ele enfrenta uma oposição que preferiria a quebra do país a ver o presidente se sair bem-sucedido. Merkel busca uma solução inexistente, intermediária entre o desejo alemão de que seus parceiros adotem a mesma disciplina do país, e a incapacidade deles em conseguir adotá-la. A tomada de consciência de que nem os EUA nem a região do euro podem criar condições para uma rápida recuperação do crescimento - ou pior, da paralisante divergência sobre quais seriam essas condições - é assustadora.

Isso nos leva ao terceiro grande ponto: as consequências terríveis do aumento na aversão ao risco nesse contexto de tanta fragilidade econômica. Na longa jornada para ficarem cada vez mais parecidos com os juros no Japão, os rendimentos dos bônus governamentais de dez anos dos EUA e Alemanha caíram agora para o nível em que estavam os japoneses em outubro de 1997, próximos a 2%. Será que uma deflação aguarda esses países? Certamente, uma grande recessão poderia resultar exatamente nisso. Parece, para mim, um perigo mais plausível do que a hiperinflação que as pessoas preocupadas com déficits fiscais e balanços de bancos centrais acham tão aterradora.

O choque causado pela gigantesca batalha sobre a política fiscal - o debate sobre os termos para elevação do teto da dívida - provocou uma corrida em busca, e não para fugir, dos bônus do governo dos EUA. Isso não foi surpreendente por dois motivos: primeiro, esses papéis sempre são o primeiro porto a buscar-se em caso de tempestades; segundo, o resultado será uma forte aperto da política fiscal. Os investidores acham que o resultado será uma economia ainda mais fraca, tendo em vista a situação debilitada do setor privado. Da mesma forma, em uma região do euro ainda mais frágil, os investidores correram para a segurança dos bônus governamentais alemães.

Nesse meio tempo, os mercados acionários foram espancados. Ainda assim, seria complicado argumentar que chegaram ao ponto de capitulação. De acordo com Robert Shiller, de Yale, a razão (com base no índice Standard & Poor's 500) entre cotação e lucro das empresas nos EUA, ajustada ciclicamente, está quase 25% acima de sua média de longo prazo. Em 1982, o quociente do preço sobre lucro estava em cerca de 30% do que se vê hoje. Será que os mercados conseguirão evitar esse desmoronamento? Isso vai depender de quando e como a contração vai acabar.

Nouriel Roubini, também conhecido como "doutor Catástrofe", prevê retração. "Um relógio parado", murmurariam alguns. Ele está certo, no entanto, de que as ferramentas de proteção se esgotaram: as taxas de juros estão baixas, os déficits fiscais, imensos e a região do euro, pressionada. Os riscos de um círculo vicioso, saindo dos fundamentos econômicos ruins aos erros de política, passando pelo pânico e depois voltando aos maus fundamentos, são grandes, no caso de mais retração econômica no futuro.

Nem tudo está perdido, no entanto. Os governos dos EUA e Alemanha, em particular, mantêm espaço de manobra fiscal substancial - e deveriam usá-lo. Infelizmente, contudo, os governos que podem gastar mais não o farão; e os que querem gastar mais não podem fazê-lo. Da mesma forma, os bancos centrais não usaram toda sua munição. Também deveriam ousar usá-la. Muito mais também poderia ser feito para acelerar a desalavancagem do setor financeiro e o fortalecimento do sistema financeiro. Outra reversão da economia agora certamente seria um desastre. A chave, certamente, é não lidar com uma situação tão perigosa como esta dentro dos limites do pensamento convencional. O que significa ser mais ousado e o que deveria ser feito serão temas da coluna da próxima semana.

Martin Wolf é editorialista e principal comentarista econômico do FT

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