sexta-feira, 5 de agosto de 2011

A "posição" em derivativos




Por Gustavo Franco - Valor 05/08



A principal inovação conceitual do novo "pacote cambial" consiste na tentativa de transpor o conceito de "posição de câmbio", que há décadas constitui o principal instrumento de controle cambial no país, para o novo mundo dos derivativos.

O assunto aqui é meio técnico: a "posição de câmbio" corresponde às compras acumuladas líquidas de vendas das instituições autorizadas a operar em câmbio, compreendendo o "à vista" e o "para entrega futura" ("forward"), em ambos os casos com entrega física de moeda estrangeira, o que só pode ser feito no âmbito do interbancário de câmbio nos sistemas do Banco Central (BC).

Quando, tipicamente, um banco, ou o conjunto deles, aumenta sua "posição comprada", o efeito é semelhante ao do BC adquirir reservas. Quando os bancos aumentam sua "posição comprada" em excesso do fluxo cambial, o câmbio "spot" fica pressionado, mas o BC pode sempre atuar de forma compensatória dispondo de suas reservas. Desde os anos 1930 a autoridade cambial aprendeu, todavia, que podia regular e limitar as posições compradas e vendidas dos bancos, pois possui autoridade sobre eles, e assim introduz algum viés no mercado "spot" ao tratar desigualmente quem compra e quem vende.

O mecanismo perde sua centralidade nos anos 90 com o crescimento dos derivativos, e a determinação do preço migra para um "meio caminho" entre o "spot" e os derivativos, aqui e no exterior, como ocorre com diversos outros mercados de câmbio e de commodities mundo afora.

Pois bem, o transporte do conceito de "posição de câmbio" - algo que fazia sentido no câmbio centralizado, em contexto de semirracionamento de divisas escassas de outros tempos - para o mundo dos derivativos encontra dificuldades operacionais imensas, talvez insuperáveis. A começar pelo fato de que nesses mercados há enorme participação de instituições não financeiras, para os quais o BC não pode determinar coisa alguma sobre suas posições cambiais consolidadas. Foi preciso uma lei para criar a tributação, e um decreto presidencial para estabelecer a sua incidência. Contudo, sem definições operacionais muito precisas, sobretudo a especificação do que vem a ser "exposição líquida vendida" em derivativos cambiais, há risco de que as medidas criem mais problemas que soluções.

Como não é possível estabelecer "limites de posição" nesse ambiente, inclusive pela heterogeneidade de contratos e contratantes, as autoridades optaram por introduzir um IOF de 1% sobre a variação para cima da "exposição líquida vendida" de agentes que operam em derivativos - bancos, fundos, exportadores, empresas, especuladores, "hedgers". Mas como se define a "exposição líquida vendida"? Se a isto compreender apenas a posição visível para a BM&F e à Cetip, entidades responsáveis pelo recolhimento do imposto, a conclusão é muito simples: foi criado um imposto sobre a exportação.

O caso mais frequente de titular de uma posição vendida é o do exportador que quer travar a cotação de hoje por meio de uma "venda futura" ou de uma opção. No novo cenário, o exportador seria punido ao tomar essa providência prudencial, e se a intenção não era essa, as autoridades estão em maus lençóis. Ou vão redefinir a incidência de forma a preservar a retórica do "ataque ao especulador", com a ressalva de que, nesse caso, o especulador especula "a favor" da moeda brasileira, ou vamos entrar num labirinto, talvez sem saída, ao lidar com a definição operacional de "exposição líquida vendida".

Ambas as opções são ruins; é o preço que se paga por anunciar medidas sem as devidas definições operacionais e todas as explicações sobre as novas regras.

No primeiro caso, as possibilidades são as de restringir o IOF aos não residentes que atuam em derivativos, direta ou indiretamente, pela janela da resolução do Conselho Monetário Nacional (CMN) 2.689. Com isso a culpa fica nos estrangeiros, sempre eles, e ficamos assim para não ficar pior. Na segunda alternativa, o esforço de não punir o exportador resultaria em se definir "exposição líquida vendida" incluindo as exportações contratadas ou embarcadas, e outros recebíveis em dólares que não caibam na definição de capital especulativo ou nos casos de incidência do IOF. Os aspectos operacionais dessa solução rapidamente se tornam complexos demais.

Portanto, para que a medida não seja um fiasco, vai ser necessário elevar em várias oitavas o controle sobre todos que têm envolvimento com operações com o exterior de uma maneira que faria reviver os velhos tempos do controle cambial. A sensação é que a chance de haver excessos e abusos, para não falar de burocracia, dúvidas e "red tape", e toda sorte de operações mirabolantes para contornar o imposto, é imensa. Melhor seria haver um recuo.

Independente da solução, duas conclusões já parecem claras: regulação mal feita é pior que ausência de regulação e o esgotamento das possibilidades em se tratando de medidas restritivas à entrada de recursos do exterior.

Gustavo H. B. Franco economista, é sócio fundador da Rio Bravo Investimentos e ex-presidente do Banco Central

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