segunda-feira, 8 de agosto de 2011

Arminio Fraga - Clima de medo


Valor 08/08
A situação na Europa "é um tanto precária", pode gerar um "pânico financeiro" e conduzir as economias para uma "recessão global". O rebaixamento da nota de crédito dos Estados Unidos pela agência de rating Standard and Poor's "só reforça o clima de medo". Essa é, em síntese, a avaliação que o ex-presidente do Banco Central Armínio Fraga, da Gávea Investimentos, faz do tumultuado cenário internacional, que na semana passada deu mostras do potencial de destruição ao varrer riquezas em todas as bolsas de valores do mundo.

Apesar do rebaixamento do crédito americano de AAA para AA+, Armínio lembra que a economia dos EUA é mais dinâmica e, portanto, lá a crise é mais administrável do que na Europa e no Japão. Mesmo antes da decisão da agência de rating, o mercado estava cobrando e o governo americano já estava pagando taxas de juros por seus títulos acima do que paga um país triplo A. "É um sinal dos tempos", disse. Ainda assim, ele não acredita que os Estados Unidos vão entrar numa espiral de rebaixamento. Medidas concretas para colocar o país de volta aos eixos só podem ser esperadas para depois das eleições presidenciais, em novembro de 2012. "Em alguns anos eles revertem isso", acredita.

"Quando você tem uma economia que está se desacelerando e lideranças políticas que não estão conseguindo agir de maneira proativa, você está lidando com um material real frágil. Isso não é um problema psicológico dos mercados. Existem problemas reais que não estão sendo resolvidos nem sequer abordados", disse Armínio, referindo-se à crise na Europa, para ele mais preocupante do que a americana. Na sexta-feira o governo da Itália acenou com a antecipação de medidas fiscais (cortes de benefícios sociais e reformas no mercado de trabalho) para obter apoio do Banco Central Europeu.

O BCE, em contrapartida, indicou que pode vir a comprar títulos da dívida dos países em dificuldades, para dar sustentação aos mercados. Mas são apenas intenções, sem nada de concreto por enquanto. "Os Estados Unidos deram uma empurrada com a barriga mais razoável. Na Europa, eles estão sistematicamente chegando atrasados na bola e a coisa está apertando", disse Armínio.

Nesse ambiente de tantas incertezas, olhando para o Brasil, "parece razoável o Banco Central pelo menos fazer uma pausa (na política de elevação dos juros) para ver o que vem por aí e, se as coisas piorarem, eventualmente até cortar a taxa Selic. O BC tem a flexibilidade para fazer isso. As expectativas de inflação não estão 100% onde se gostaria que estivessem, mas estão apontando para baixo. Se houver um problema maior o BC pode naturalmente cortar a taxa", observou.

Ele não conta com a possibilidade de um "calote" iminente da Espanha e da Itália. "Não se pode falar que isso vai acontecer assim tão rápido." Mas também não considera factível esses países arcarem com um custo de captação de 400 pontos base acima do que paga a Alemanha, como está ocorrendo e que vai gradualmente apertando o cerco. "Há uma sensação muito ruim de que isso possa piorar e virar uma corrida."

Os bancos da zona do euro estão carregados de dívidas dos governos. Não são instituições muito transparentes, "mas há uma percepção de que eles não se capitalizaram de 2008 para cá, pelo menos não tanto quanto os bancos americanos", comentou.

Quando se olha a Europa como um todo, os indicativos de solvência não são espetaculares, assim como não o são os dos Estados Unidos e menos ainda os do Japão, "mas são razoáveis", considerou. A relação dívida/PIB na Europa é de cerca de 90%, e o déficit fiscal corresponde a uns 4% do PIB. A dívida pública americana caminha para 100% do PIB e o déficit é maior, mas lá a economia cresce mais e a carga tributária é mais baixa do que na Europa, o que dá margem para um ajuste. O caso do Japão, segundo Armínio, "é o pior deles", pois além da dívida ser elevada - na casa dos 220% do PIB -, embora predominantemente em mãos domésticas, a economia não cresce desde os anos 90. A Europa, porém, hoje tem vários elos frágeis - a Grécia e Portugal e, agora, numa situação de aperto, a Espanha e a Itália, "o que torna o risco de um acidente lá bem maior".

A gravidade da situação demandaria respostas tanto estruturais quanto de reforço financeiro por parte dos líderes europeus. No caso dos países menores, como Portugal e Grécia, seria mais fácil reagir à crise, mas quando entram nações do porte da Espanha e da Itália, as saídas são mais estruturais.

"A solução de mais longo prazo seria aprofundar a união, caminhar para uma união fiscal pelo menos parcial", sugeriu. Ele se refere a algo na linha do que foi feito no Brasil nos anos 90, quando a União teve que patrocinar uma reestruturação por 30 anos das dívidas dos Estados, que estavam praticamente falidos. "Não precisaria unificar tudo, mas talvez ter um imposto compartilhado e caminhar nessa direção seria a solução mais natural do ponto de vista econômico, embora do ponto de vista político seja mais complicado."

Não é razoável achar que qualquer movimento nessa direção possa ocorrer da noite para o dia, mas uma ação imediata possível seria os líderes políticos da zona do euro sinalizarem com um aumento do Fundo Europeu de Estabilização Financeira. Hoje o fundo dispõe de apenas € 440 bilhões, recursos insuficientes para fazer frente à dimensão dos problemas. "Poderiam triplicar o tamanho do fundo, mas parece que isso é difícil", comentou Armínio. "Não está nada claro para onde exatamente isso vai. Tudo está muito no ar."

O Brasil queimou algumas gorduras depois da crise de 2008, mas ainda tem capacidade de reação a uma eventual recessão global. Hoje a inflação é mais alta, há déficit nas transações do balanço de pagamentos e o gasto público subiu muito. A expansão do crédito foi muito acelerada e houve alguma corrosão na base de clientes dos bancos. Mas a situação, aqui, é administrável e ainda há espaço para uma política anticíclica se esse for o caso, na visão de Armínio.

"Eu diria que a fotografia é boa, mas o filme mostrou um desgaste nos ultimos tempos." Para ele, "as preocupações maiores, aqui, são de médio e longo prazo", relacionadas aos caminhos que o país deve tomar para investir mais e melhor e a como se pretende educar a população. "Essas são coisas que precisam acontecer."

FSP 09/08/2011

VINICIUS TORRES FREIRE

Armínio Fraga e a Bolsa


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Economista comenta as últimas da Bolsa no Brasil e a influência de ações do governo sobre os mercados
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A BOVESPA sangra faz tempo. Desde o último pico, em novembro, o Ibovespa caiu cerca de 33%. Das Bolsas de ações mais importantes do mundo, é a campeã do tombo.
Investidores daqui e de fora apontam vários fatores para a avaria do mercado de ações brasileiro.
Inflação e, pois, juros em alta reduziram as expectativas de crescimento, dizem -mas a perspectiva de crescimento econômico aqui é muito maior que no mundo rico.
Outra hipótese seria a intervenção do governo em grandes empresas, como Petrobras e Vale, que têm grande peso na Bolsa. Enfim, note-se que os investimentos estrangeiros em ações foram taxados.
Ontem, o Ibovespa caiu mais de 8% -chegou a mergulhar 9,7%.
Algum problema especial e pontual com o Brasil? Armínio Fraga, ex-presidente do Banco Central, da Gávea Investimentos, duvida de explicações simples, a quente. "Foi tudo junto [as Bolsas daqui e de fora]. Não dá para explicar tudo", diz.
Numa conversa que começou no final da semana passada, a coluna perguntou a Fraga qual a interpretação para o massacre que vinha acontecendo na Bovespa.
"Sempre difícil dizer. Alguns fatores: problemas recentes de governança [em relação a empresas como Petrobras, Vale e Pão de Açúcar], percepção de problemas nos bancos, impostos sobre investimentos e a natural reação de um mercado que é um dos favoritos e [ainda] líquido", diz o economista.
Fraga também é presidente do Conselho de Administração (conselheiro independente) da BM&F, que tenta lidar com o recente pacote do governo sobre câmbio, que taxou operações com derivativos, negociados na casa. Especialistas no assunto veem grande dificuldade em tornar operacional a taxação.
A BM&F acha que vai chegar a algum acordo com o governo sobre o pacotaço dos derivativos?
"Não estamos buscando acordo. Governo não faz acordo. Sugestões foram apresentadas para melhorar aspectos operacionais e minimizar distorções", diz Fraga.
Dá para implementar o pacote? O que mais está pegando?
Fraga: "Problemas operacionais no curto prazo e sinais antimercado e pró-business (sugiro a leitura do artigo de Zingales: "Capitalism After the Crisis")".
Fraga se refere ao economista e professor da Universidade de Chicago Luigi Zingales, que advoga reformas que reforcem princípios como meritocracia e liberdade; a rejeição das "socializações de prejuízos" e da ideia de que certas firmas sejam "grandes demais para quebrar". Zingales critica o "capitalismo de compadres", a influência indevida de grandes empresas sobre o governo: é isso que o economista de Chicago chama de "abordagem pró-mercado, e não pró-empresas.
E os negócios com derivativos? Vão mesmo migrar para fora?
"Não acontece instantaneamente, mas já está ocorrendo [volume local na Bolsa versos ADR, por exemplo]", diz Fraga.
Qual o maior dano ao mercado que vocês [BM&F] já notaram?
Cedo para dizer, mas a médio prazo a oferta de capital para empresas brasileiras pode se reduzir. Para um país que precisa investir e empreender mais, seria muito ruim. O Brasil ficará mais na mão de grandes grupos locais e multinacionais, como no passado", conclui.

vinit@uol.com.br

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