sexta-feira, 12 de agosto de 2011

SELIC, IMPORTADOS, CHINA E RESERVAS



Claudia Safatle - Valor 12/08
Os sinais de desaceleração da economia começam a ficar evidentes. Os grandes bancos funcionam em bases sólidas. Não há notícias de que empresas brasileiras estejam altamente alavancadas em derivativos, como ocorreu no segundo semestre de 2008. E, além dessas diferenças entre as condições brasileiras para o enfrentamento da crise de 2008 e hoje, há informações até então desconhecidas sobre os efeitos de políticas anticíclicas no país, sejam fiscais ou monetárias. O quadro em 2011 é mais claro.

Em 2008, o que se sabia da experiência histórica do país era que, ao menor sinal de turbulências no mercado internacional, a resposta da política econômica no Brasil era sempre a mesma: aumentar a taxa de juros para atrair capitais e fechar as contas do balanço de pagamentos. E, quando possível, apertar as condições fiscais para garantir a solvência do governo. Era a reação clássica de um país acostumado com crises cambiais. O Brasil nunca havia feito política monetária contracíclica e as autoridades temiam seus efeitos, avaliam fontes que estavam no governo em 2008.

Por outro lado, descobriu-se no início das turbulências daquele ano que empresas brasileiras estavam com elevadíssima alavancagem em derivativos cambiais, expostas em cerca de US$ 40 bilhões, com contratos recheados de truques e gatilhos. Uma redução precipitada dos juros e a desvalorização mais acentuada da moeda doméstica poderiam agravar a situação.

Além do mais, a toda desvalorização do câmbio no país seguia-se a elevação da inflação. No segundo semestre de 2008, a economia ainda estava com crescimento acelerado e as expectativas de inflação esbarravam no teto da meta (6,5%). Foi nesse ambiente que o Copom fez a reunião de outubro, após a quebra do Lehman Brothers em setembro, quando os créditos externos para o Brasil já haviam secado e a liquidez bancária estava empoçada, com grandes dificuldades para instituições de pequeno e médio porte. Em 29 de outubro, o comitê decidiu manter a Selic em 13,75% - após a alta de agosto. Em dezembro, ao contrário do esperado, o Copom manteve os juros inalterados, sinalizando com redução só a partir de janeiro de 2009.

Esse foi um dos momentos em que o Copom recebeu mais críticas por parte de economistas e analistas de mercado. E, também, de políticos como o ex-governador José Serra, que considerou aquela foi uma oportunidade perdida para o país ousar em busca de taxas mais módicas de juros. O BC poderia ter reduzido a Selic em quatro pontos percentuais durante o ciclo recessivo que se iniciou então, argumentava o governador de São Paulo.

Revisitando a história recente, é possível descobrir alguns fatos não divulgados à época. Poucos dias após a quebra do Lehman Brothers, em 15 de setembro, os diretores do BC tiveram uma conversa em São Paulo. Alexandre Tombini, então diretor de Normas, foi o único a opinar a favor da redução dos juros naquele momento. O que foi ouvido com certa perplexidade pelos demais presentes.

Na reunião de dezembro, Tombini foi mais incisivo e posicionou-se totalmente a favor da redução da Selic. Outros diretores foram contra e ele chegou a dizer que não estava convencido dos argumentos contrários, mas votou com os demais pelo adiamento da decisão para janeiro. Naquela reunião, o Copom foi unânime, mas a ata trouxe um malabarismo verbal que deu o que falar.

Ela dizia que as restrições financeiras em curso poderiam esfriar a demanda e, portanto, conter a inflação. Nessas circunstâncias, a maioria dos membros do Copom discutiu a redução de 0,25 ponto percentual da Selic. Mas prevaleceu o entendimento pela manutenção da taxa inalterada até o mês seguinte, janeiro, quando o corte foi de um ponto. A direção do BC em 2008 se preocupou mais em fornecer liquidez para o sistema bancário e suprir o crédito em moeda estrangeira, que havia desaparecido, centrando todas suas atenções para evitar uma crise financeira no país.

À parte os engenheiros de obra feita, o fato é que ficou marcado na história da política monetária que o BC perdeu ocasião de ouro para reduzir os juros, como, aliás, fizeram os demais países. A experiência daquele período passou a pautar as análises do atual governo. Tudo o que não se quer nessa crise, dizem fontes oficiais, é repetir o "erro" de 2008. Ao contrário, a avaliação que se faz no governo - em meio às preocupações quanto às dívidas soberanas dos países da zona do euro e o temor de uma recessão global - é que há boas possibilidades para o Brasil aproveitar a maré e, finalmente, reduzir os juros.

A favor dessa ideia há vários argumentos. Diferentemente de 2008, o agravamento da turbulência externa coincide com a desaceleração da economia brasileira. Ontem saíram dados do IBGE sobre o varejo, que mostram desaquecimento moderado. As vendas cresceram 0,2% em junho sobre maio.

As empresas que não quebraram aprenderam com o susto dos derivativos e hoje estão mais comportadas. Os efeitos de uma desvalorização do câmbio sobre a inflação podem ser neutralizados pela queda nos preços das commodities que o Brasil exporta, atenuando, assim, as pressões sobre preços domésticos. Em 2008, isso não era claro, explicam fontes da época.

Há, portanto, melhores condições, estruturais e conjunturais, para se administrar uma política monetária contracíclica e forma-se um consenso, no mercado e no governo, de que a crise na Europa, EUA e Japão pode ajudar o país a começar a remover sua maior aberração: a de campeão de juros.

Importados já abastecem 23% do mercado interno

O coeficiente de importação, que mede a participação dos produtos importados no consumo interno do país, alcançou 22,9% no segundo trimestre do ano e atingiu seu maior nível histórico, com alta de 2,2 pontos percentuais sobre mesmo período de 2010, informou ontem a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp). Em relação ao primeiro trimestre, sem ajuste sazonal, o avanço foi de 1,3 ponto percentual. O coeficiente é calculado pela entidade desde 1997.

O coeficiente de exportação, que mede a fatia das exportações sobre o total produzido no país, também subiu 2,2 pontos percentuais no segundo trimestre, em relação ao mesmo período do ano passado, chegando a 19,9%, ainda abaixo do nível pré-crise, de 20,8%, no segundo trimestre de 2007. Em comparação aos primeiros três meses do ano, a alta é de 2,4 pontos percentuais.

A Fiesp alerta, no entanto, que 45% do crescimento do coeficiente de exportação se deve ao desempenho de apenas dois setores: as indústrias extrativas, como minério de ferro e petróleo, e a de equipamentos de transporte, devido às plataformas de petróleo - que não são exportações efetivas, já que são considerados exportados do ponto de vista fiscal para ter isenção de impostos, mas fisicamente operam no país.

Dos 33 setores analisados, 18 tiveram aumento do coeficiente de exportação e 15, queda. As maiores altas foram em outros equipamentos de transporte (19,7%), máquinas e equipamentos para indústria extrativa mineral e construção (9,3%), ferro-gusa e ferroligas (6%) e metalurgia (5,3%). Os maiores decréscimos ocorreram em aeronaves (-11,7%), preparação de couro e seus artefatos (-3,3%), material eletrônico e aparelhos de comunicação (-3,1%) e produtos diversos (-2,8%).

Nas importações, 28 dos 33 setores tiveram alta e apenas cinco, queda - equipamentos de instrução médico-hospitalar (-10,4%), aeronaves (-3,9%), siderurgia (-3,4%), produtos farmacêuticos (-2,3%) e fundição e tubos de ferro e aço (1%). Os avanços mais expressivos foram em máquinas e equipamentos para indústria extrativa mineral e construção (11%), tratores e máquinas para agricultura (8,8%), máquinas e equipamentos para fins industriais e comerciais (7,5%) e outros equipamentos de transporte (6,5%).

Segundo o diretor do Departamento de Relações Internacionais e Comércio Exterior da Fiesp, Roberto Giannetti, o crescimento do consumo de bens no mercado brasileiro tem sido em grande parte apropriado pelas importações, que estão ganhando a preferência do consumidor. Para ele, apenas parte do problema da competitividade da indústria está no câmbio. "Temos uma estrutura tributária também perversa."

Brasileiros vão à China para comprar

Mesmo com a crise financeira mundial, um número inesperado de empresários do Brasil mostrou grande interesse pela Feira de Cantão, a maior da China, que ocorre em outubro. O interesse, porém, é como compradoras. Apenas duas companhias, uma fabricante de máquinas de lavar e outra de ferramentas metálicas, vão à China para vender produtos, relatou ontem o secretário-geral da China Import and Export Fair, Wang Zhiping. Se o Brasil quer ampliar suas vendas aproveitando oportunidades na China, tem de fazer um esforço para enviar produtos de maior tecnologia, advertiu o executivo.

"Se querem vender mais produtos brasileiros à China, os empresários têm de trazer produtos em que tenham competitividade, como tecnologia espacial, automóveis, produtos em que há vantagem sobre outros países", disse Wang, dando a entender que não considera as mercadorias a serem promovidas pelos brasileiros muito competitivas. Ele esteve em Manaus, onde esperava pouco mais de 50 representantes de empresas e se surpreendeu com 150 interessados na oferta de mercadorias chinesas que haverá na feira.

Neste ano, os chineses reservaram um espaço especial para a América Latina, até com espetáculos musicais, para o qual convidaram ministros da região - um deles, o ministro do Desenvolvimento, Fernando Pimentel. A viagem ao Brasil é um desdobramento dos encontros entre autoridades dos dois países, nos quais os brasileiros pediram maior abertura da China aos manufaturados vendidos pelo Brasil. "Levar produtos competitivos à feira é uma chance de vender não só à China, mas a outros países", disse Wang.

Os organizadores da feira chinesa, que terá 24 mil empresas chinesas e 860 estrangeiras, não creem que a crise atual e a retração dos grandes mercados da Europa e Estados Unidos afete significativamente os negócios neste ano. Os mercados emergentes pouco a pouco estão ocupando o espaço dos países desenvolvidos como mercado, especialmente a própria China, segundo argumenta Wang.

"Em três anos, a China importará US$ 5 trilhões em produtos estrangeiros", lembra ele (em 2010, a cifra passou de US$ 1,3 trilhão). "É um mercado grande, espaçoso, mas também muito competitivo." Apesar dos números e valores envolvidos, o interesse de vendedores brasileiros caiu neste ano, lamentou o executivo. No ano passado, três empresas foram a Cantão.

Além dos empresários, a Agência de Promoção de Exportações (Apex) reservou um pequeno estande na feira, mas para participação meramente institucional.

Custo das reservas atinge R$ 19 bilhões no 1º tri

A opção do governo brasileiro de manter elevado nível de reservas cambiais produziu custo fiscal de R$ 19,158 bilhões no primeiro trimestre deste ano. O valor corresponde a cerca de 40% do registrado no ano passado inteiro, que foi de R$ 48,529 bilhões. Vistas como um seguro anticrise, no entanto, as reservas internacionais seguem crescendo e atingiram US$ 350,88 bilhões no último dia 10, informou ontem o Banco Central (BC).

O custo de carregamento das reservas decorre principalmente da diferença entre as taxas de juro interna e externa. O BC paga taxa Selic sobre os recursos captados internamente, que é bem maior do que a remuneração recebida pelas aplicações das reservas no exterior. No primeiro trimestre de 2011, essa diferença representou R$ 11,108 bilhões.

A rentabilidade obtida lá fora foi de apenas 0,06% no período, ante um custo médio de captação interna de 2,24%, segundo informa o balancete do BC no trimestre. A incorporação de juro sobre as reservas foi positiva em 0,54%. Mas a remuneração total foi mais baixa porque houve queda no preço dos títulos e de outros ativos sujeitos à contabilização pelo valor de mercado (marcação a mercado).

O balancete não especifica que papéis se desvalorizaram. Apenas informa que, no fim de março, 85,18% das reservas estavam em títulos de dívida. Mas sabe-se que o Brasil aplica pesadamente em títulos do Tesouro americano, que recentemente tiveram o grau de classificação de risco rebaixado pela agência Standard & Poor's. No último relatório disponível, referente a dezembro de 2009, o BC informou que 74% do saldo, então de US$ 238,52 bilhões, estava aplicado em ativos nos Estados Unidos.

A parte restante do custo total de carregamento no trimestre (US$ 8,05 bilhão) refere-se ao efeito da taxa de câmbio sobre o valor das reservas em reais. Quedas do dólar resultam em variação negativa do saldo, neutralizando os ganhos com aplicações. Incluindo esse efeito, a rentabilidade foi negativa em 1,52%, ao invés de positiva.

Seja positivo ou negativo, o resultado do balanço do BC é sempre repassado ao Tesouro Nacional, que cobre o prejuízos ou recebe os lucros do ano anterior no início de cada ano. Daí a atenção de muitos economistas com o custo das reservas cambiais, que afeta negativamente o balanço da instituição.

Por outro lado, a acumulação de reservas dá à autoridade monetária capacidade de intervenção em momentos de baixa liquidez. Foi assim em 2008, quando as linhas para financiamento às exportações sumiram e o BC emprestou aos bancos US$ 13 bilhões.

Quando estourou a crise, em setembro de 2008, as reservas estavam em US$ 206 bilhões. Com as linhas de socorro e as vendas de dólares no mercado interbancário à vista para suprir escassez de recursos externos para financiar o balanço de pagamentos do país, caíram para US$ 193,78 bilhões.

Desde então, o BC aproveitou todos os momentos de fluxo líquido positivo de capitais estrangeiro para recomprar divisas. Graças sobretudo a essas aquisições, as reservas cambiais brasileiras já subiram 81% desde fim de 2008 e 21,6% só em 2011.

O presidente do BC, Alexandre Tombini, não vê nova falta de liquidez. Mas já deixou claro que, se isso ocorrer, o BC não hesitará em usar suas reservas para enfrentá-la.

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