sexta-feira, 26 de agosto de 2011
A fama marxista em Wall Street
Por Samuel Brittan - FT
Em meio a quase todas crises periódicas que afetam as economias mercantis, erguem-se vozes dizendo que "No fim das contas, Marx estava certo". Alguns anos atrás, Nicolas Sarkozy foi visto empunhando uma cópia de "Das Capital", enquanto nas últimas semanas gurus financeiros, entre eles Nouriel Roubini e George Magnus, escreveram artigos com referências ao pensador comunista.
Quando a recuperação acontece, a grita se dissipa, apenas para ressurgir na vez seguinte em que ocorre uma contração brusca. A primeira coisa errada no slogan é que ele tem pouco a ver com Karl Marx. Lembro-me de uma senhora, sob outros aspectos uma profissional extremamente inteligente que, quando indagada sobre por que era marxista, respondeu: "Eu fiquei entediada com os amigos de meu pai".
Marx sofreu nas mãos não apenas dos que distorceram interesseiramente seu pensamento, mas de críticos que o identificaram com a ditadura de Stalin ou mesmo com o regime de Mao Tsetung. É, evidentemente, absurdo culpar Marx, que viveu de 1818 a 1883, pelos crimes cometidos décadas após sua morte. Na verdade, o grande homem disse certa vez: "Seja lá que outra coisa eu possa ser, não sou um marxista". Muitos analistas sérios têm escrito sobre o que Marx quis dizer ou deve ter desejado dizer. Não sou um deles e minha desculpa principal para dar minha própria opinião extremamente seletiva é que nunca demonizei nem adorei esse homem.
O aspecto de Marx que originalmente me intrigou foi sua divisão da história após o fim da Idade das Trevas: feudalismo, capitalismo, socialismo e comunismo. Por socialismo, Marx entendia algo semelhante a uma versão extrema da antiga quarta cláusula do Partido Trabalhista britânico, que contemplava a propriedade pública de todos os meios de produção, de distribuição e de trocas. Mas comunismo não implicava nada semelhante a seu significado posterior. Era uma utopia na qual um dia de trabalho curto proveria todas as necessidades da sociedade e as pessoas ficariam livres para "caçar de manhã, pescar à tarde e discutir filosofia à noite". A visão de uma sociedade assim reteve no campo marxista alguns idealistas que, do contrário, poderiam ter abandonado a causa.
Eu considerei essa visão mais interessante do que a abordagem típica de historiadores ingleses, segundo a qual o objeto de seu estudo era apenas uma coisa após outra.
Entretanto, há muitos problemas na versão marxista. Será que o capitalismo começou nas repúblicas da Itália no século XV ou ainda não tivera início em muitas regiões da Europa onde a Revolução Industrial não se firmou efetivamente até um momento bem avançado do século XIX? E o que dizer sobre a Rússia, que ainda não tivera uma revolução capitalista, mas onde Marx tinha um número surpreendente de discípulos? Isso começou a preocupá-lo no fim de sua vida, quando ponderou se a Rússia poderia passar diretamente ao socialismo.
A importância de Marx para muitos socialistas está no fato de que ele lhes disponibilizou, a um só tempo, uma análise moral devastadora sobre o capitalismo e a profecia de que o capitalismo estava fadado a perecer. Em sua análise, o trabalhador passava, digamos, 10 horas por dia produzindo para si e as outras duas horas para seu empregador. A diferença entre o custo do trabalho (inclusive o dispendido com insumos) e o preço final ficou conhecida como "mais-valia" e caracterizada como uma medida de "exploração". Isso é, de longe, excessivamente simplista. Em toda sociedade, o preço dos produtos deve exceder os custos do trabalho em diferentes montantes para assegurar uma margem para cobrir investimentos, impostos e muito mais. O verdadeiro argumento ético não é contra a existência de um retorno sobre o capital, mas de que a propriedade do capital seja tão altamente concentrada.
O que Marx quer dizer com "as contradições do capitalismo"? Basicamente, que o sistema produz um fluxo cada vez maior de bens e serviços que uma população empobrecida proletarizada não tinha condições de adquirir. Uns 20 anos atrás, após o desmoronamento do sistema soviético, isso teria soado fora de moda. Mas o argumento convida um outro olhar, na esteira do aumento da concentração de riqueza e de renda. Com efeito, um ex-economista-chefe do Fundo Monetário Internacional, Raghuram Rajan, atribuiu a recente explosão do crédito, em parte, à estagnação dos salários reais, o que estimulou as pessoas a tomar empréstimos.
Mas, mesmo que a análise esteja correta, o remédio está errado. A justificativa para uma redistribuição é ética. Se a única coisa de errado no capitalismo é insuficiente poder generalizado de compra, então, com certeza, o remédio é lançar dinheiro de helicópteros, conforme Milton Friedman. Para isso, não necessitamos tanto uma revolução política, mas sim intelectual, ou seja, a derrubada do fetiche do orçamento equilibrado.
Como sugere A J P Taylor em sua introdução do "Manifesto Comunista" (editora Penguin), o marxismo foi uma peculiaridade do mundo de língua alemã. Sua elaboração mais interessante veio de Rudolf Hilferding, um social-democrata austríaco cuja contribuição duradoura foi formulada em seu livro "Das Finanzkapital". Nele, Hilferding chamou a atenção para uma nova faceta sinistra, a ascensão de banqueiros e financistas por trás da crescente cartelização do sistema produtivo. Ele não previu a importância bem maior da massa de dinheiro artificial cruzando fronteiras, o que certamente é extremamente relevante, num momento em que os banqueiros centrais estão quebrando a cabeça sobre como reanimar a economia mundial.
Samuel Brittan é articulista do FT
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