quarta-feira, 3 de agosto de 2011

GAME OVER


Valor 03/08/2011
A derrocada das bolsas e a queda nas taxas de juros em âmbito global no pregão de ontem são um sinal claro de "game over" (fim de jogo): as esperanças quanto a um crescimento mais firme da economia mundial foram abandonadas.

E boa parte dessa percepção, que culminou na movimentação de ontem, pode ser creditada ao circo político americano envolvendo o teto do endividamento federal. Assunto banal que ganhou repercussão inimaginável (pensamos em "default" e rebaixamento de nota soberana americana!) dentro de uma dissociação política há tempos não vista nos Estados Unidos.

Conforme notou o vice-presidente de tesouraria do Banco WestLB, Ures Folchini, toda essa discussão sobre o endividamento americano tirou da sombra o fato de que os EUA serão obrigados a fazer um ajuste em suas contas.

"Os políticos americanos trouxeram luz para um problema que não estava no foco. As atenções até então estavam voltadas à crise na Europa. Agora, cai a ficha de que a situação fiscal dos EUA não pode ficar como está 'ad eternum'", diz Folchini.

E essa necessidade de corte de gastos, como bem evidenciada pelas discussões e pelo projeto final sobre o teto da dívida, vai limitar as chances de crescimento da economia americana no curto prazo (curto prazo aqui são alguns anos).

O problema, segundo Folchini, é que esse ajuste fiscal se processará em cima de uma economia que já está bastante fragilizada. O Produto Interno Bruto (PIB) do primeiro semestre, bem como a atividade industrial e os gastos do consumidor confirmaram isso.

E essa mesma necessidade de ajuste limita o raio de ação do governo americano para tentar estimular a atividade. O lado fiscal está fora do baralho, sobra o Federal Reserve (Fed), banco central americano, com a emissão de mais dinheiro ainda. Embora a efetividade de tal estratégia seja questionável.

Segundo um estrategista que prefere não se identificar, o Fed sabe que se injetar ainda mais liquidez nos mercados pode ver o preço das commodities, em especial do petróleo, voltar a disparar. "O Fed já viu isso acontecer e corroer o crescimento que se desenhava no começo do ano", disse.

Soma-se ao fator americano, a crise na Europa, onde a necessidade de se equalizar dívida também representa uma barreira ao crescimento.

Para esse mesmo estrategista é questão de dias até a dívida da Itália explodir. Já foi dito, mas não custa repetir: o país tem de rolar € 115 bilhões em agosto e setembro. No quarto final do ano vencem outros € 67,5 bilhões.

Temperando todo esse noticiário triste sobre as economias dos EUA e Europa estão anúncios e mais anúncios de demissões. Recentemente, mais de 20 grandes empresas, como HSBC, Merck e Lockheed Martin anunciaram cortes. Por cima, mais de 80 mil postos de trabalho foram eliminados.

Como os pacotes de estímulo tentados até agora não tem mostrado eficiência, esse estrategista aponta que os mercados estão "à deriva".

Para esse especialista, estamos assistindo a uma ruptura, uma mudança estrutural.

"Talvez tenhamos de aceitar esse ajuste e entrar em uma nova situação econômica. Os EUA terão de reinventar sua economia. Eles terão de crescer sem consumo e alavancagem", diz.

Essa percepção de menor crescimento e, consequentemente, juros baixos "para sempre" apareceu primeiro no mercado de juros. A taxa de retorno do papel de 10 anos da dívida americana caiu a 2,61%, menor leitura desde meados de novembro do ano passado. As taxas dos títulos de dois e 30 anos também afundaram.

Por aqui, os juros futuro seguiram tal movimento, como bem mostra o gráfico abaixo, que traz o contrato para janeiro de 2013.

A propósito, tudo isso reforça a ideia de que a Selic deve mesmo ficar em 12,50% ao ano.

Eduardo Campos é repórter

E-mail eduardo.campos@valor.com.br

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