segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Em busca do Tesouro


Bernanke prolonga a agonia do mercado
Por Daniele Camba Valor 29/08

Setembro se aproxima e promete ser mais um mês de alta volatilidade e falta de tendência. O principal responsável por esse prolongamento da indefinição é o presidente do banco central americano (Federal Reserve, o Fed) e atende pelo nome de Ben Bernanke.

O mercado passou a semana passada inteira de olho no que Bernanke falaria na reunião em Jackson Hole, na sexta-feira. A grande expectativa era que fosse anunciada a terceira versão do pacote de recompra de títulos - o "Quantitative Easing 3".

Com toda sua habilidade, Bernanke não entregou nada de concreto à plateia presente na pacata cidade americana. Mas de alguma forma satisfez os investidores ou, no mínimo, não os decepcionou, o que já é alguma coisa.

Em seu discurso, o presidente do Fed não anunciou um novo pacote de recompra de títulos, mas também não disse que ele não virá. Simplesmente não disse nada a respeito. Bernanke deixou claro que vai avaliar as ferramentas de estímulo à economia na próxima reunião do Fed, que acontecerá nos dias 20 e 21 de setembro, e não apenas em um dia, como é de praxe.

A interpretação dos investidores foi de que Bernanke deu o recado que o pacote de recompra de títulos foi apenas adiado e deve vir antes que setembro chegue ao fim. Ainda na visão dos investidores, até por esse motivo o presidente do BC americano estendeu a reunião para dois dias.

Como ninguém sabe se Bernanke vai mesmo anunciar um novo pacote na próxima reunião do Fed, o mercado deve oscilar muito, mas sem direção alguma, pelo menos até a chegada desse encontro do BC dos Estados Unidos.

"O mercado deve continuar funcionando um dia de cada vez, oscilando muito mais ao sabor dos indicadores econômicos do dia, do que seguindo uma tendência de mais longo prazo", diz o chefe da área de renda variável da Fundação Cesp, Paulo de Sá Pereira. Para ele, mais até do que o cenário econômico, a parte política tanto nos Estados Unidos quanto na Europa torna a situação indefinida. "O lado político aumenta o grau de imprevisibilidade dos mercados", afirma Sá Pereira.

Não por acaso, em seu discurso, Bernanke fez questão de criticar a atuação do Congresso americano, lembrando que o crescimento econômico de longo prazo depende muito mais de políticas públicas do que de medidas pontuais do xerife da economia.


A despeito de qualquer torcida a favor, o executivo da Fundação Cesp está no grupo dos que acreditam que não haverá um novo "Quantitative Easing". "Do jeito que a economia e a inflação estão me parece bem pouco provável o Fed voltar a fazer uso desse instrumento de estímulo econômico", argumenta Sá Pereira, que não acredita numa recessão americana.

Se ele estiver certo, existem grandes chances de o mercado assumir um lado mais negativo, à medida que for ficando claro que não haverá um novo pacote.


Em busca do Tesouro

Por Luciana Monteiro De São Paulo Valor 29/08

Os juros em níveis altos neste ano enquanto a bolsa patina estão favorecendo as aplicações em renda fixa. E o investidor descobre cada vez mais a aplicação direta em títulos públicos. Os números mostram que os cadastros no Tesouro Direto - sistema de compra e venda de papéis do governo via internet - superaram a marca de 38 mil novos investidores nos sete primeiros meses do ano.

Só para se ter ideia, o total de cadastros recém-abertos acumulado entre janeiro e julho deste ano é o maior no período desde o início do programa, em 2002. É também 70% superior aos 22.486 registrados no mesmo período de 2010. O aumento no número de aplicadores turbinou também o volume de papéis vendidos via Tesouro Direto no mesmo período. No ano, até julho, as vendas de papéis públicos somaram R$ 2,137 bilhões. O valor é 68,7% superior ao R$ 1,266 bilhão registrado nos sete primeiros meses do ano passado.

Diante do rame-rame da bolsa neste ano, muitas corretoras estão buscando formas alternativas de atrair os investidores e, dentro dessa estratégia, o Tesouro Direto tem ganhando lugar de destaque. Depois dos tradicionais incentivos - como taxas mais baixas de corretagem -, agora as instituições distribuem até brindes para quem se tornar aplicador.

A Mirae Asset Securities, por exemplo, pretende competir fortemente no mercado de renda fixa e lança hoje uma promoção para atrair mais investidores para o Tesouro Direto. Até o dia 30 de setembro, os novos clientes que adquirirem a partir de dez títulos públicos pelo sistema - valor próximo a R$ 10 mil - ganharão um vale-presente da Saraiva no valor de R$ 100,00. Com a promoção, a corretora espera dobrar sua carteira de clientes em Tesouro Direto, passando dos atuais 3,5 mil para 7 mil clientes.

As corretoras são sempre lembradas por suas operações com ações, mas a ideia é divulgar que também há a possibilidade de aplicar em renda fixa nelas, explica Luciana Pazos, chefe da divisão de gestão de fortunas da Mirae Asset Securities. "E o momento é também bastante propício para as aplicações no Tesouro Direto, diante das preocupações com o cenário internacional e com as taxas de juros ainda altas por aqui", avalia a executiva, que ainda vê oportunidades nos papéis atrelados à alta de preços, já que a inflação deve continuar pressionada. "A crise precisaria ser muito mais severa para conseguir retrair o crescimento do país", diz.

Na Ágora, o número de novos investidores que aplicam em Tesouro Direto cresceu 30% nos últimos 12 meses, afirma Helio Pio, gerente-comercial da corretora. Com o Índice Bovespa em queda de 23,02% no ano até sexta-feira, muitos investidores optaram por reduzir parte das aplicações em ações e elevar as em renda fixa, conta o executivo. "A bolsa não compete com o Tesouro Direto, pois os investidores não têm 100% em ações", afirma Pio. "Eles costumam ter uma parte em renda variável e outra em renda fixa e o Tesouro Direto fica justamente com a parcela mais conservadora dos recursos." Diante do maior interesse dos investidores, a Ágora lançou há um ano um relatório com recomendações de papéis aos investidores.

Além da popularização do sistema de compra e venda de títulos públicos, a expansão no número de investidores está ligada ao programa da BM&FBovespa de oferecer um incentivo financeiro aos agentes de custódia. Ele é dado às corretoras conforme a evolução da base de investidores com saldo em conta no Tesouro Direto. Colocado em prática no início deste ano, o programa distribuiu R$ 2,7 milhões em junho, pagos proporcionalmente às instituições de acordo com o crescimento do número de aplicadores com saldo no primeiro semestre do ano. O crédito é feito em forma de incentivo nos pacotes de serviços que os agentes de custódia pagam para a bolsa.

A integração entre os sistemas de negociação eletrônica de ações (home broker) com o de títulos públicos também é responsável por uma parte desse crescimento, lembra Eric Cardoso, gerente do home broker da corretora Renascença. A integração de sistemas é resultado de um projeto da bolsa de 2009, que fechou acordo com o Tesouro Direto para a junção. Isso significa que o investidor que já aplica em bolsa via home broker não precisa deixar o sistema para comprar títulos públicos, facilitando a vida do cliente, explica o executivo.

O ranking dos agentes de custódia no site do Tesouro Direto mostra que há corretoras que reduziram, ou mesmo eliminaram, os custos dos investidores. Hoje já são cinco que não cobram taxa de corretagem dos investidores do sistema. Uma dela é a Socopa, que há anos utiliza o Tesouro Direto como um chamariz aos investidores. "Muitos chegam à corretora para operar renda fixa e, mais tarde, acabam aplicando também em ações", afirma Rogério Manente, gerente de home broker da corretora. Segundo ele, a taxa de conversão dos clientes ativos que foram para a instituição atraídos pelo Tesouro Direto também começaram a negociar ações.

No prazo de um ano, a Socopa dobrou o número de clientes em Tesouro Direto e elevou em 40% seu volume negociado no sistema. "Além do cenário pior para a bolsa, muitos clientes estão migrando de outras aplicações, como caderneta de poupança ou CDBs, para o Tesouro Direto", afirma Manente.

Hoje são três as taxas cobradas pelo sistema. Uma, no momento da compra, que é a taxa de negociação, de 0,10% sobre o valor da operação. Há ainda a taxa de custódia da BM&FBovespa, de 0,30% ao ano sobre o valor dos títulos, referente aos serviços de guarda dos papéis e às informações e movimentações dos saldos, cobrada semestralmente. E os agentes de custódia cobram taxas de serviços, e são justamente esses custos que estão cada vez menores.

Iniciativas para elevar as aplicações no Tesouro Direto, entretanto, justamente num momento de tanta volatilidade como o atual, podem influenciar a decisão do investidor, ressalta Paulo Levy, diretor do home broker MyCAP, da Icap. "Isso pode, indiretamente, fazer com que os clientes sejam levados a sair de ações e migrar para o Tesouro justamente quando eles deveriam estar entrando na bolsa", afirma. "E quem sai de bolsa em momentos de crise perde dinheiro."

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