terça-feira, 20 de setembro de 2011

Real perde a realeza em vários bolsões mais pobres


Por PAULO PRADA de Silva Jardim - Wall Street Journal 19/09

Depois da escola e nos fins de semana, Carlos Leandro Peixoto de Abril vende sorvete feito por sua avó na varanda ao lado da casa da família.

Mas em vez de reais, o garoto de 11 anos prefere que seus clientes paguem em capivaris — uma moeda local estampada com a imagem de um roedor, o maior do planeta. Com o dinheiro em mãos, Carlos vai a um supermercado local e compra, com um desconto especial, os ingredientes para o próximo lote dos sorvetes feitos pela avó.

O Capivari circula apenas neste pequeno município agrícola a 104 quilômetros da cidade do Rio de Janeiro. A moeda é uma iniciativa do município, um dos mais pobres da região Sudeste, para incentivar seus 23.000 residentes a gastar localmente.

Dez meses após o lançamento do Capivari — cujo nome é inspirado no Rio Capivari, onde, claro, há muitas capivaras —, a moeda está dando novo ânimo aos comerciantes do município e costurando buracos nos bolsos dos consumidores. Os capivaris podem ser usados para pagar tudo, desde cortes de cabelo às contas de restaurante e os dízimos das igrejas. O prefeito ainda tem planos para abrir uma "Capivari Megastore", onde artesãos e produtores locais poderão exibir seus produtos.

O Capivari é uma das 63 moedas locais — incluindo notas batizadas com nomes inspirados no sol, em cactos e na castanha do Pará — que hoje circulam em regiões pobres da maior economia da América Latina. A idéia tem ganhado força à medida que mais municípios procuram obter uma parcela do crescimento econômico atual do País. Este mês, uma nova moeda local começou a circular nas ruas da Cidade de Deus, a favela carioca que foi tema de um filme de sucesso mundial e uma parada durante a visita do presidente Barack Obama pela América do Sul este ano.

Embora tenham o mesmo valor que o real, as moedas locais ganharam tração porque os comerciantes podem oferecer descontos quando são usadas. Ninguém é forçado a abandonar o real, mas os comerciantes dizem que os volumes maiores das vendas fazem os descontos valerem a pena.

"Eles levam o cliente a entrar na loja", diz Roseanne Augusto, gerente de uma loja de ferragens de Silva Jardim, onde um construtor em uma tarde recente reservou 2.700 reais em materiais, dizendo que voltaria em breve para efetuar a compra. Ele foi trocar reais e quando voltou, pagou a conta com capivaris, economizando 5% do preço final.

Os capivaris são geridos por um novo banco, o Banco Capivari, que é administrado pela comunidade. Em sua única agência, um espaço pequeno pintado de verde, amarelo, azul e branco, trabalham as três funcionárias do banco, jovens com cerca de 20 anos.

Para cada um dos 50.000 capivaris que circularam pela primeira vez, o Banco Capivari mantém um número igual de reais em depósito em um banco tradicional. Tatiana da Costa Pereira, gerente do banco, diz que atende a cerca de 60 clientes por dia. Uma patrulha da polícia local cuida da segurança e um policial militar visita o escritório regularmente.

A moeda tem sido tão bem-sucedida que o município encomendou um segundo lote das notas, que têm números de série, marca d'água, e um holograma ao lado da ilustração da capivara.

Celma de Almeida, vendedora de confecções, diz que no princípio não gostava do Capivari. "Achava horrível", diz ela. "Mas acabei gostando. Agora é o real que parece feio."

A primeira dessas moedas regionais foi a palma, que contribuiu para fomentar a economia local no Conjunto Palmeiras, na região de Fortaleza.

A idéia foi concebida por Joaquim Melo, um ex-seminarista que trabalhava como ativista social no conjunto na década de 1990. Ele viu na moeda uma alternativa lógica a um experimento falido com cartões de crédito de bairro, que se mostrou demasiado burocrático para os comerciantes locais.

"Eles gostaram da idéia do dinheiro, mesmo que fosse um tipo diferente de dinheiro", diz Melo. Um grupo de quatro pequenos varejistas que aceitou a palma rapidamente se expandiu para mais de 200.

No início, as autoridades brasileiras rejeitaram a idéia.

Em 1998, quando o Banco Palmas estava nascendo, policiais com metralhadoras invadiram seu pequeno escritório, com base em uma denúncia do Banco Central. As notas de palmas ainda não haviam sido impressas, mas a polícia apreendeu um livro de registros escrito à mão e R$ 100.

Melo convenceu o governo de que o dinheiro não representava uma ameaça ao real. Como a palma estava atrelada à moeda soberana, argumentou, era tão legítima como qualquer cupom ou dinheiro de curso legal.

O projeto atraiu o interesse de outras comunidades pobres. Em 2005, o governo federal aderiu à causa, convocando Melo para ajudar no lançamento de bancos comunitários em todo o Brasil.

O prefeito de Silva Jardim, Marcello Zelão, queria que moradores gastassem mais em sua própria comunidade. Porque muitos residentes trabalham em cidades maiores e mais ricas, o prefeito diz que os varejistas locais muitas vezes perdiam clientes para concorrentes dessas cidades.

"Era como se até nossas bancas de jornal fossem inferiores", diz ele. "Como se os mesmos jornais tivessem melhores notícias se fossem comprados em outro lugar."

Com a ajuda de Melo, o prefeito organizou reuniões com a comunidade e lançou a proposta. Os residentes votaram na escolha do nome da moeda e contrataram um designer local para elaborar as notas.

Em novembro, com uma injeção inicial de recursos dos cofres municipais, os capivaris foram impressos. "Grandes notas são acumuladas", diz Zelão. "As pequenas circulam."

Os residentes de Silva Jardim usam o capivari para tudo.

Rogério Simplício Costa, padre da Igreja Católica da cidade, diz que os paroquianos colocaram cerca de 30 capivaris na caixa de coleta em uma missa recente. Nelcimar Fonseca, gerente de um supermercado, diz que cerca de 12% das vendas têm sido feitas em capivaris. Margareth Vieira Xavier, dona de uma loja de lajes, paga parte dos salários em capivaris.

"No começo, eles não gostavam ", diz Fonseca, "mas depois perceberam que poupam dinheiro no supermercado."

Na Cidade de Deus, onde a nova moeda local é chamada de CDD, os moradores começam a se acostumar com a idéia. "Já vi um monte de dinheiro ir e vir", diz Benta Neves do Nascimento, de 78 anos, que se lembra dos vários precursores do real.

Mas sua resistência ao CDD tem pouco a ver com a economia.

"Não gosto da aparência da ilustração", diz ela. Isso é surpreendente: A imagem da nota de 5 CDDs é uma homenagem a ela, por seu papel como ativista comunitária de longa data e curandeira espiritual. "Se o dinheiro durar mais que eu, as pessoas vão pensar que eu era feia."

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