quarta-feira, 28 de setembro de 2011

Derivados puxam déficit do petróleo


Valor 28/09

A autossuficiência brasileira em petróleo não tem conseguido se traduzir em oferta de derivados. A falta de investimento no parque de refino impediu que o volume de derivados disponível no mercado interno acompanhasse o crescimento da produção de óleo bruto.

Um quadro de abastecimento delicado, marcado pelo aquecimento da economia doméstica, aumento da venda de veículos e escassez de álcool combustível, tem agravado a situação. Por falta de capacidade de refino, o país descalibrou a balança comercial no setor. Até agosto, o déficit aumentou 10% e foi US$ 5,4 bilhões, resultado do saldo positivo de US$ 5,1 bilhões nas vendas de óleo bruto e do déficit de US$ 10,5 bilhões nas importações de derivados. Para o ano, a diferença pode chegar a 23%, com saldo negativo de US$ 8,6 bilhões, projeta o economista Fábio Silveira, da RC Consultores, com base nos dados da Secretaria de Comércio Exterior (Secex), do Ministério do Desenvolvimento.




Tradicional importador de óleo diesel, óleo combustível e nafta petroquímica, o Brasil acentuou suas compras nos últimos anos, em virtude do aquecimento econômico. No caso do diesel, por exemplo, o aumento da produção agrícola empurrou o consumo para cima tanto na lavoura - pelo uso intensivo de máquinas - quanto no transporte, basicamente rodoviário. Mas o que mais preocupa é a retomada das importações de gasolina em 2010, que o país praticamente havia abandonado. O motivo é simples: aumento do consumo doméstico, motivado pela melhoria da renda e aumento nas vendas de veículos. Enquanto a economia brasileira cresceu 7,5% em 2010, o consumo de gasolina aumentou mais de 18% no ano, segundo a Petrobras.

Embora mais de 85% dos carros produzidos hoje no país sejam bicombustíveis (a etanol e gasolina), segundo a Anfavea (associação das montadoras), a redução da produção de etanol (perto de 11% no ano-safra 2011/2012) e o consequente aumento de preço retiraram o álcool do cardápio de vários consumidores, especialmente nos Estados mais distantes dos principais centros produtores. Como o preço da gasolina nas refinarias da Petrobras encontra-se sem alteração desde abril de 2009, o aumento do combustível de cana o torna desvantajoso, aumentando a demanda pela gasolina - e pressionando as importações.

No primeiro semestre deste ano, o consumo de derivados de petróleo líquidos aumentou 7%, afirma Paulo Roberto Costa, diretor de abastecimento da Petrobras. A gasolina destoou da média, crescendo mais que o dobro no mesmo período: 15%.

As refinarias têm recebido melhorias e obtido ganhos de produtividade, mas estão com a capacidade no limite, confirma Costa. A demanda de gasolina no país é de 2 milhões de barris por dia, segundo a Petrobras, mas a estatal hoje só tem capacidade para refinar 1,85 milhão de barris equivalentes por dia. O executivo acredita que o problema só será resolvido na segunda metade da década, quando as novas refinarias em projeto e construção pela estatal começarem a operar.

A Petrobras tem seis unidades em construção ou projeto, das quais apenas uma, em Pernambuco, entra em operação no curto prazo (2012). Outra, a ampliação da unidade do Rio Grande do Norte, já está em funcionamento. As demais só começam a funcionar depois de 2014 (primeira etapa da nova unidade do Rio de Janeiro), 2016 (Maranhão) e 2018 (Ceará e, provavelmente, segunda etapa do Rio). Com os investimentos, a estatal espera estar apta a atender a demanda projeta para 2020, de 3,2 milhões de barris diários de derivados.

Importações devem se manter por até três anos


A retomada do investimento em refinarias ocorre depois de mais de 30 anos de inércia, comenta Adriano Pires, fundador do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE) e ex-diretor da Agência Nacional do Petróleo (ANP). Enquanto esses investimentos não estiverem em pé a tendência é "acentuar essa característica de exportar petróleo e importar derivados", afirma. Pires projeta que essa situação vai perdurar por mais "três ou quatro anos".

"Por enquanto vamos conviver com déficits dessa natureza", diz Fábio Silveira, da RC Consultores. "Temos uma capacidade de refino limitada e, portanto, uma necessidade de importação que vai persistir nos próximos dois, três anos, tendo em vista o cenário de crescimento da economia."

Para o economista, o principal responsável pelo aumento do déficit é a elevação do preço do petróleo no mercado global. Com base na balança comercial do setor apurada junto à Secex, Silveira calcula que apenas "uns 2% ou 3%" do aumento das exportações de petróleo bruto e das importações de derivados decorrem do ganho de volume. O crescimento de 44% nas vendas e de 36,5% nas compras deriva principalmente da elevação das cotações da commodity. O preço médio do petróleo subiu cerca de 40% este ano em relação a 2010.

As projeções para o mercado internacional indicam que os preços do petróleo podem oferecer um pequeno alívio na conta de importações, mas dificilmente vão mudar a tendência. De acordo com o diretor de abastecimento da Petrobras, Paulo Roberto Costa, a estatal projeta manutenção das cotações internacionais do óleo bruto nos patamares atuais, em torno de US$ 110 por barril, ao longo dos próximos meses. "Não existe nenhum indicador mundial que mostre que o petróleo terá preços abaixo de US$ 100 por barril", afirma Costa. Segundo ele, apesar da recessão nos Estados Unidos e Europa, "o mundo está conseguindo pagar esse preço".

Adriano Pires trabalha com projeções de preços entre US$ 80 e US$ 100 por barril. A queda para o valor mais baixo ocorreria em caso de agravamento da crise internacional e retração do consumo nos países ricos. Mesmo assim, esse cenário ainda não está inteiramente desenhado, diz o executivo do CBIE. "Essa crise está mal resolvida. Não se sabe se vai ser intensa ou não."

Para Pires, a queda dos preços internacionais está muito condicionada ao comportamento das economias em desenvolvimento. "Quem dá a dinâmica hoje do crescimento do consumo de petróleo são os países emergentes, como China, Brasil, Índia, embora os EUA ainda sejam os maiores consumidores mundiais", diz. Principalmente porque, enquanto os países ricos reajustam os preços dos derivados em seus mercados internos quando o preço do petróleo sobe, os emergentes seguram a alta ou não repassam o reajuste inteiro, estimulando o consumo.

As projeções internacionais indicam crescimento menor, mas não retração no uso do petróleo. A Agência Internacional de Energia (em inglês, IEA) prevê para 2011 redução de 0,2% a 0,5% na previsão inicial de consumo. Ainda assim, o consumo projetado para este ano, 89,6 milhões de barris/dia, ainda é 2% maior que o de 2010. Mas os principais compradores, os países da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico, já reduziram o consumo em 0,8%. Para 2012, a IEA projeta consumo de 90,7 milhões de barris diários - na média, um crescimento apenas vegetativo de 1,2%, puxado por países emergentes, como Brasil e China.

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