quinta-feira, 22 de setembro de 2011
Brasil vai à OMC com uma delirante proposta cambial
Valor Econômico editorial 22/09/2011
Depois de tomar uma equivocada medida protecionista ao elevar o IPI para automóveis, o governo lançou ao mundo a ideia do antidumping cambial, slogan com o qual pretende levar a Organização Mundial do Comércio a aceitar retaliações extraordinárias para proteger a produção nacional em caso de importações de países que fizerem desarmonizações competitivas no mercado global. A última iniciativa não deve provocar tantos estragos como a primeira, não porque esta não seja ruim - é péssima -, mas porque não será aplicada e naufragará sob o peso de sua inconsistência.
A equipe econômica do governo acha a coisa mais natural do mundo fixar uma banda de flutuação para as grandes moedas do comércio internacional que, uma vez ultrapassada, deslancharia redentoras medidas defensivas pelos países. O Brasil já apresentou à OMC sua "proposta de discussão", mas vários argumentos das autoridades brasileiras não têm pé nem cabeça. Um deles é que quando os países se comprometeram com as atuais tarifas de importação, em 1994, prevaleciam taxas de câmbio fixas. Isso não é verdadeiro. Quem de fato estava ingressando no câmbio quase fixo era o Brasil, uma decisão que, levada além de seus limites, se revelou um desastre para o país e que depois, aplicado de forma ainda mais férrea, quebraria a Argentina.
A questão cambial é extremamente complexa e quase intratável para os economistas até hoje. Determinar uma banda de flutuação não é fácil para um país, quanto mais para um conjunto deles. A banda brasileira, por exemplo, foi para o espaço em 1999 em meio a uma aguda crise cambial. Além disso, seria necessário estabelecer o que seria o câmbio de equilíbrio aproximado para várias moedas e delimitar o ponto exato em que uma desvalorização exigida pelos fundamentos se transformaria em uma manipulação cambial intencional - algo delirante. Mais: o governo tem se vangloriado da independência que mantém em relação aos organismos multilaterais e, com sua proposta, estaria convidando um ou mais deles a colocar limites à política cambial brasileira. Não faz sentido.
O avanço da economia brasileira provocou a valorização do real, mas dela não decorre diretamente, e fatalmente, a perda de competitividade dos bens produzidos no país. Há instrumentos de política econômica para detê-la, todos conhecidos, como redução de impostos, investimentos na infraestrutura e educação, contenção dos gastos públicos, uma estrutura de defesa comercial eficiente etc. O Brasil avançou pouco nisso e coroou suas deficiências com a maior taxa de juros do mundo - herdada por Lula e da mesma forma transmitida por ele a Dilma Rousseff.
Economistas do governo, porém, estão revelando um roteiro que pode levar o país de volta a uma economia pré-globalizada. O subtexto, já pinçado em declarações de ministros, é que os EUA, com sua política de afrouxamento monetário, são os responsáveis pelo real forte, e causaram uma enxurrada de dólares no Brasil. Mas boa parte da história está no conservadorismo com os juros no governo Lula, que, certo ou errado, abriu um vasto diferencial entre juros domésticos e externos - um convite ao lucro sem risco.
A política monetária americana não é responsável pela perda de competitividade brasileira. O vilão mais provável, se há que escolher um, é a grande manipuladora cambial, a China. Mas além de simpatias ideológicas que o dirigismo chinês levanta em membros do governo brasileiro, a China é tratada com deferência por ser a maior compradora de nossas commodities, além de um dos mais agressivos competidores do Brasil no mercado internacional.
Com os chineses não se fala duro. Não está nos planos do governo aplicar salvaguardas autorizadas na OMC contra a China, uma arma tão eficaz que os chineses ameaçam explicitamente retaliar os países que lançarem mão dela. "O assunto não é individual, um país contra o outro", diz o ministro Fernando Pimentel (Valor, 20 de setembro). Há um enorme desequilíbrio global entre países superavitários (China e Alemanha) e deficitários (EUA) que precisa ser resolvido. Discutir uma banda cambial planetária não é solução. A solução, se vier, não virá tão cedo. Em todos os casos, seria importante ter um sistema de proteção comercial eficaz, aparelhado e ágil para utilizar os instrumentos já existentes para se defender, como fazem os países desenvolvidos. Por aqui, ele não existe.
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