sexta-feira, 16 de setembro de 2011

A hora da virada cambial



Por Roberto Giannetti da Fonseca - Valor 16/09

Dias atrás em reunião do Conselho Superior de Economia da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) realizamos uma discussão extremamente esclarecedora acerca do mercado de derivativos cambiais. Muitos leitores talvez não compreendam a importância ímpar deste tema para o país e para suas próprias vidas, uma vez que a indústria brasileira há tempos sofre os efeitos deletérios de um câmbio sobrevalorizado, tendo os derivativos cambiais um papel predominante na formação da taxa de câmbio do real. Por conta dessa situação, mercados para produtos brasileiros foram perdidos, muitas fábricas foram fechadas e milhões de empregos desapareceram. A atual conjuntura econômica é propícia para discutir o papel dos derivativos cambiais na economia, de forma a entender a formação da taxa de câmbio brasileira, mas também para evitar que novas rodadas de apreciação da moeda brasileira prejudiquem ainda mais os setores industriais e a geração de empregos.

Primeiramente, o tema dos derivativos de câmbio não deve ser tratado de forma estigmatizada. Esses instrumentos financeiros não são de natureza inerentemente especulativa, muito pelo contrário, eles são fundamentais para a atividade econômica na medida em que reduzem incertezas associadas ao processo produtivo. Tampouco se deve minorar a importância da BM&F como principal centro de negociação de derivativos e de oferta de hedge para os agentes econômicos no Brasil. Essa instituição é símbolo da sofisticação do sistema financeiro brasileiro e faz do mercado de derivativos no Brasil um dos mais transparentes do mundo.

Contudo, deve-se reconhecer o caráter dual e muitas vezes ambíguo do mercado de derivativos; ao mesmo tempo em que ele reduz incertezas microeconômicas dos agentes que buscam hedge, ele potencialmente aumenta as instabilidades macroeconômicas. Nos derivativos de câmbio, esse problema ocorre quando um excesso de posições especulativas formam tendências na taxa de câmbio e uma excessiva volatilidade da moeda. Quando a especulação é dominante e, sobretudo, quando as apostas são feitas todas na mesma direção, abre-se espaço para distorções da taxa de câmbio e para uma arbitragem de agentes que ganham sempre, sem correr riscos. Dessa forma, pode haver mercados de derivativos, onde a participação dos agentes de hedge seja muito pequena e as transações sejam dominadas por agentes que tem como propósito apenas a especulação e a arbitragem.

No Brasil, o processo de apreciação cambial recente foi em parte conduzido por uma especulação sistemática, conhecida como "carry trade", que no mercado de derivativos se expressa na venda de contratos futuros de dólar para auferir o diferencial de juros e apostar na apreciação do câmbio. A pressão vendedora dos especuladores abre espaço para oportunidades de arbitragem contínuas de agentes que compram dólar futuro para arbitrar entre as taxa de juros externas e o cupom cambial. Com isso, os arbitradores são responsáveis por transmitir as tendências do mercado futuro para o mercado à vista. Nesse contexto, diferentemente da máxima que estabelece que "especulação boa é aquela que se anula por ser bidirecional, e a arbitragem boa é aquela que termina no tempo como consequência do próprio processo de arbitragem", no Brasil há longos períodos de especulação unidirecional e arbitragem ininterrupta no tempo, por conta da rigidez de suas variáveis, no caso, a elevada taxa de juros reais. Essa forma de especulação e arbitragem permanente é anômala e insustentável a médio e longo prazo

Nesses termos, a nova regulamentação sobre o mercado de derivativos de câmbio tem a difícil tarefa de corrigir os excessos e desvios do mercado, atentando para seu caráter desestabilizador. Ao taxar os aumentos de posições vendidas dos agentes, o governo acertou em cheio a engrenagem especulativa que influi na dinâmica da apreciação cambial. No entanto, essas medidas devem ser aperfeiçoadas de forma a preservar ao máximo as características benignas do mercado de derivativos de câmbio, quais sejam: de oferta de hedge para o setor produtivo e para atividades financeiras.

Para tal, é preciso criar instrumentos para identificar os diferentes agentes no mercado de derivativos, de forma a segregar os agentes que fazem hedge daqueles que especulam. Uma vez identificados, a intervenção do governo no mercado de derivativos de câmbio deve isentar do pagamento do tributo os agentes que utilizam o mercado para operações de hedge. Em especial, as empresas não financeiras que fazem cobertura de suas atividades comerciais e produtivas. Além disso, deve-se atentar para o papel dos bancos comerciais no mercado de derivativos que, por muitas vezes, operam para fazer hedge de suas operações de crédito, como por exemplo, ao fazer cobertura cambial das operações de ACC, ou de passivos em moeda estrangeira junto a seus clientes.

No decorrer do processo de implementação das novas regras sobre os derivativos de câmbio, é natural que haja reações contrárias de alguns setores da sociedade, afinal, há agentes financeiros que são diretamente prejudicados. Da mesma forma, se o objetivo for de reduzir a especulação com o câmbio, é inevitável que haja uma redução do volume financeiro da BM&F. Porém, o benefício de uma taxa de câmbio isenta de distorções financeiras supera os pontuais efeitos negativos das medidas. Ademais, o debate acerca do tema deve superar velhos dogmas, como a visão de um mercado financeiro harmônico onde a especulação é estabilizadora, cenário este que há tempos já foi abandonado por economistas de diversas escolas de pensamento e que hoje reconhecem o potencial desestabilizador de mercados excessivamente desregulados e especulativos.

Recentemente afirmei num outro artigo que o especulador é um covarde, e que ao pressentir um aumento de risco, desfaz sua aposta e sai do mercado. Neste caso dos derivativos cambiais, bastou o anúncio das medidas de intervenção e de regulação no mercado em fins de julho passado, para que as operações de "carry trade" fossem drasticamente reduzidas e a tendência de desvalorização do real se acentuasse a partir da segunda quinzena de agosto. Podemos concluir que a covardia superou a ganância, e que a indústria brasileira respira aliviada pela mudança de ventos na tendência da taxa de câmbio e de juros praticados na economia brasileira.

Roberto Giannetti da Fonseca é economista e empresário, presidente da Kaduna Consultoria, e diretor titular de Relações Internacionais e Comércio Exterior da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo.

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