Clóvis Rossi
É espantosa a histeria desatada pela decisão do Banco Central de reduzir a taxa de juros.
Histeria não pela redução em si, que, a esse respeito, as opiniões se dividem. Lembra até velha piada sobre econometria, mas que vale para a economia em geral. É assim: dois econometristas saem para caçar patos. O primeiro atira e erra por meio metro à direita. O segundo atira, erra por meio metro à esquerda e grita: acertamos.
Pois é, palpite de economista é assim, quase sempre e com exceções que apenas confirmam a regra.
No caso dos juros, a histeria se deu porque grande número de economistas e colunistas de economia decretaram que a decisão do BC equivale a sepultar a independência do Banco Central, o que seria, na opinião dessa turma, uma tragédia de proporções bíblicas. Bobagem.
Cito o editorial da Folha a respeito: "Tomá-la [a redução dos juros] como sintoma de revés na autonomia do BC diante das pressões políticas do Planalto seria precipitado".
Aliás, defender a independência como regra de ouro me parece total equívoco. Quem tem legitimidade para decidir a política econômica é quem foi eleito ou eleita para defini-la, no caso, a presidente Dilma Rousseff. O BC não é uma instância eleita. Recebe apenas a delegação do Executivo, o que implica, por elementar bom senso, que deva estar sintonizado com a política de quem lhe delega poderes.
A "rationale" por trás da tese da independência é a de que políticos são incapazes de fazer uma política econômica séria, porque gostam de gastar demais, e, portanto, precisam de uma babá severa, que seria o BC. É um raciocínio torpe porque despreza a hipótese de que o BC também faça barbeiragens. A crise de 2008/09 demonstrou à sociedade que o BC norte-americano foi em boa medida irresponsável o suficiente para facilitar a eclosão da crise.
(Diga-se que, no Brasil, aconteceu o contrário).
Sempre que critico a teologia em torno da independência do BC vem alguém --em geral economista-- para lembrar o exemplo dos Estados Unidos e, por extensão, da arqui-louvada independência do Federal Reserve, o banco central dos Estados Unidos.
Minha resposta: como o Fed errou na crise, prefiro erros praticados pelos políticos, que são eleitos para fixar políticas e podem ser cobrados, nas urnas, pelos erros que eventualmente cometerem, ao passo que o presidente do Fed não é facilmente demissível.
Segunda resposta: é lenda a independência total que se atribui ao Fed. Quem duvida que leia "Maestro", a biografia de Alan Greenspan, ex-presidente do Fed. Nela, verifica-se que o então presidente George H. Bush (pai de George W.) chamava à Casa Branca o então presidente do BC, Paul Volcker, hoje aliás assessor de Obama, para ponderar que a economia estava desacelerando, o que implicava a necessidade de reduzir juros.
Bush pai não dizia diretamente que era preciso baixar os juros, em respeito à autonomia do BC, mas, curiosamente, o juro baixava pouco depois. E ninguém via na coincidência o fim da independência do BC. Apenas uma manifestação de bom senso.
Aqui no Brasil, um monte de gente mostra todos os dentes porque Dilma Rousseff teve comportamento idêntico ao de George H., com resultado também idêntico. Pura histeria tropical.
Que o BC tenha autonomia relativa é até bom porque introduz uma instância menos sujeita às tensões da política no xadrez das decisões sobre economia. Mas daí a pretender que possa tomar decisões que colidam com a linha geral da política econômica de um governo legitimamente eleito para isso é um delírio.
Histeria não pela redução em si, que, a esse respeito, as opiniões se dividem. Lembra até velha piada sobre econometria, mas que vale para a economia em geral. É assim: dois econometristas saem para caçar patos. O primeiro atira e erra por meio metro à direita. O segundo atira, erra por meio metro à esquerda e grita: acertamos.
Pois é, palpite de economista é assim, quase sempre e com exceções que apenas confirmam a regra.
No caso dos juros, a histeria se deu porque grande número de economistas e colunistas de economia decretaram que a decisão do BC equivale a sepultar a independência do Banco Central, o que seria, na opinião dessa turma, uma tragédia de proporções bíblicas. Bobagem.
Cito o editorial da Folha a respeito: "Tomá-la [a redução dos juros] como sintoma de revés na autonomia do BC diante das pressões políticas do Planalto seria precipitado".
Aliás, defender a independência como regra de ouro me parece total equívoco. Quem tem legitimidade para decidir a política econômica é quem foi eleito ou eleita para defini-la, no caso, a presidente Dilma Rousseff. O BC não é uma instância eleita. Recebe apenas a delegação do Executivo, o que implica, por elementar bom senso, que deva estar sintonizado com a política de quem lhe delega poderes.
A "rationale" por trás da tese da independência é a de que políticos são incapazes de fazer uma política econômica séria, porque gostam de gastar demais, e, portanto, precisam de uma babá severa, que seria o BC. É um raciocínio torpe porque despreza a hipótese de que o BC também faça barbeiragens. A crise de 2008/09 demonstrou à sociedade que o BC norte-americano foi em boa medida irresponsável o suficiente para facilitar a eclosão da crise.
(Diga-se que, no Brasil, aconteceu o contrário).
Sempre que critico a teologia em torno da independência do BC vem alguém --em geral economista-- para lembrar o exemplo dos Estados Unidos e, por extensão, da arqui-louvada independência do Federal Reserve, o banco central dos Estados Unidos.
Minha resposta: como o Fed errou na crise, prefiro erros praticados pelos políticos, que são eleitos para fixar políticas e podem ser cobrados, nas urnas, pelos erros que eventualmente cometerem, ao passo que o presidente do Fed não é facilmente demissível.
Segunda resposta: é lenda a independência total que se atribui ao Fed. Quem duvida que leia "Maestro", a biografia de Alan Greenspan, ex-presidente do Fed. Nela, verifica-se que o então presidente George H. Bush (pai de George W.) chamava à Casa Branca o então presidente do BC, Paul Volcker, hoje aliás assessor de Obama, para ponderar que a economia estava desacelerando, o que implicava a necessidade de reduzir juros.
Bush pai não dizia diretamente que era preciso baixar os juros, em respeito à autonomia do BC, mas, curiosamente, o juro baixava pouco depois. E ninguém via na coincidência o fim da independência do BC. Apenas uma manifestação de bom senso.
Aqui no Brasil, um monte de gente mostra todos os dentes porque Dilma Rousseff teve comportamento idêntico ao de George H., com resultado também idêntico. Pura histeria tropical.
Que o BC tenha autonomia relativa é até bom porque introduz uma instância menos sujeita às tensões da política no xadrez das decisões sobre economia. Mas daí a pretender que possa tomar decisões que colidam com a linha geral da política econômica de um governo legitimamente eleito para isso é um delírio.
Clóvis Rossi é repórter especial e membro do Conselho Editorial da Folha, ganhador dos prêmios Maria Moors Cabot (EUA) e da Fundación por un Nuevo Periodismo Iberoamericano. Assina coluna às terças, quintas e domingos no caderno Mundo. É autor, entre outras obras, de "Enviado Especial: 25 Anos ao Redor do Mundo e "O Que é Jornalismo"
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