sexta-feira, 30 de setembro de 2011

O euro, de novo. Ainda?


Por José Francisco de Lima Gonçalves - Valor 30/09

Em julho de 2010, o Cenário Fator manifestava preocupação com a "solução" dada pelo G-20 e pela zona do euro aos problemas visíveis da Grécia, Portugal e Irlanda: "O pacote da zona do euro parte de uma série de pesquisas a respeito de 'consolidações fiscais' mais ou menos duráveis... tal proposta decorre da seguinte avaliação: a austeridade fiscal acalma os mercados de títulos (públicos) e reduz os prêmios pagos; ademais, cortes de gastos hoje acalmam os pagadores de impostos por reduzir a necessidade de ajustes fiscais (impostos?) no futuro. É uma aplicação das expectativas racionais que envolve, dentre outras, eficiência do mercado financeiro".

À época, cabia considerar as fragilidades teóricas do argumento e que a evidência empírica citada pelos partidários de tal formulação não guardava qualquer semelhança com a situação concreta de então. Uma coisa é tomar ajustes fiscais isolados e idiossincráticos, outra em um contexto de pós-crise global em um mercado em que o grosso do comércio é feito dentro do euro. O sofisma da composição atacava novamente, sob o olhar cínico dos proponentes.

A dificuldade era tratar de uma política que se aplica a países em situações diferentes: um país com déficits fiscais e/ou em conta corrente pode "contaminar" a qualidade da dívida soberana de um país saudável que tenha que emitir títulos soberanos para aportar no Fundo de Estabilização.

Assim, uma dura trajetória se desenhava diante de todos os países do euro. "Aumentos de impostos e cortes de gastos em países equilibrados ou superavitários em conta corrente já é doído. Já para países com déficit em conta corrente, a questão da 'competitividade' dada a taxa de câmbio nominal persiste: como reduzir os salários do setor privado? Com deflação, o que exige recessão em algum grau."

O efeito sobre o crescimento econômico da área era fácil de antever: "Muito fraco e heterogêneo... Não há como manter as projeções de crescimento das economias do G-20 para 2010, 2011 e 2012. Ou elas são revistas para baixo nesse horizonte, ou ninguém levou a sério o plano. Primeiro e fatal problema: prometer e não entregar."

Mais de um ano depois, a opinião generalizada oscila nas probabilidades atribuídas à continuidade do programa de financiamento pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) e pelo Fundo Europeu de Estabilização Financeira (EFSF, em inglês), à implementação de uma "saída organizada" e a um calote puro e simples. Mesmo quem vê chance na manutenção do programa de estabilização da Grécia não tem muita coragem de dizer que o mesmo não envolveria mais uma dúzia de rodadas de revisão das inatingíveis metas.

A começar do efeito prejudicial das políticas fiscais "críveis" sobre o crescimento econômico, mais do mesmo foi prometido: sob recessão, a Grécia vai fazer mais esforço fiscal e, pasmem, privatizações.

De um ponto de vista formal, as sugestões oscilam entre mais união fiscal e a exclusão dos ineficientes. Os dois extremos são politicamente inviáveis, ao menos no plano explícito. Tão úteis quanto buscar os responsáveis pelo "erro histórico" denunciado agora pelos oportunistas usuais.

A união fiscal é projeto de gerações e não de semanas ou meses. A criação do primeiro marco alemão demorou 35 anos. A França liderou o bloco da prata com câmbio fixo até 1935 (quatro anos depois de a libra flutuar e dois anos e meio depois de o dólar dos Estados Unidos fazer o mesmo). Deixar sair - ou expulsar - o ineficiente é penalizar também os que ficam.

Se fosse possível excluir apenas a Grécia, a hiperinflação lá provavelmente seria acompanhada de rupturas no mercado bancário e no financiamento de Portugal e Irlanda, para dizer o mínimo. A saída de massa suficiente causaria uma valorização no euro remanescente que levaria os ortodoxos a pedir mais produtividade aos alemães. Já não o fazem com a Suíça?

Em 26/03/2008, o Economia Online do Banco Fator trazia os cinco passos para o "moral hazard". Os passos são "denial, anger, bargaining, depression, acceptance". Naquela altura, antes do resgate do Bear Sterns, já ficava claro que a destruição de riqueza recairia sobre os governos. É onde estamos, novamente. Desde o fim de 2009 as partes relevantes negam a seriedade da situação grega e, com isso, ajudam a criar dúvidas sobre Portugal, Irlanda, Espanha e Itália.

Formalmente disseram que a Grécia era extraordinária em maio passado, mas nada fizeram para que a dúvida geral não se instalasse. E não se escuta nenhuma parte relevante argumentar que a destruição causada pela saída da Grécia e/ou de outro país do euro é o fundamento da aceitação de que é impossível separar os agentes privados solventes dos insolventes, embora seja possível fazê-lo com os países.

De um ponto de vista prático, a solução já está em andamento: o Banco Central Europeu (BCE) e o EFSF já estão no jogo, um agindo informalmente, o outro sendo objeto de constantes sugestões: aumenta, amplia, estica, puxa; usa assim, usa assado. Momentos de raiva e depressão mostram como a crise se instalou dentro dos órgãos responsáveis pela superação da crise.

A comparação com o Plano Brady já não é tão utilizada, embora a reestruturação "voluntária" da dívida faça parte de qualquer pacote que não seja o da suave realização do plano "à la" FMI, que já falhou e vai falhar novamente.

O recurso a eurobonds seria um atalho para a integração fiscal, razão pela qual não são aceitos. Fala-se da falta de liderança política. Na impossibilidade de chegar-se a uma solução negociada, a solução já está dada. Trata-se de deixar a crise se instalar, pelo calote puro e simples ou usar o BCE para assumir todo o "moral hazard" possível, isto é, limitado ao possível.

José Francisco de Lima Gonçalves é professor do departamento de economia da FEA/USP e economista-chefe do Banco Fator

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