segunda-feira, 5 de setembro de 2011
O Reino Unido e sua longa depressão
Por Martin Wolf
Valor 05/09
A atual depressão do Reino Unido será a mais longa desde, pelo menos, o fim da Primeira Guerra Mundial. A não ser que haja um aumento drástico no crescimento, também é bem provável que resulte em uma perda acumulada de produção ainda maior que a da "grande depressão". Só isso já seria perturbador. O que é ainda mais perturbador é a opinião quase universal de que quase nada pode ser feito para mudar isso.
Uma recessão é um período de declínio econômico. Uma depressão pode ser definida como o período durante o qual a produção fica abaixo do patamar em que começou. Recentemente, três analistas avaliaram as depressões do Reino Unido, valendo-se de um conjunto de estimativas mensais do PIB *. Isso permitiu aos autores, entre eles Martin Weale, agora no comitê de política monetária do Banco da Inglaterra, analisar o tamanho e a duração das depressões, começando pela de 1920-1924 e concluindo com a atual.
Até agora, as depressões mais duradouras dos últimos cem anos haviam sido a de junho de 1979, a junho de 1983 (sob o governo de Margaret Thatcher) e a de janeiro de 1930 a dezembro de 1933 (a grande depressão). Para que a atual depressão seja mais curta que a antecessora mais longa, precisaria acabar até abril de 2012. Faltando oito meses, no entanto, a produção está cerca de 4% abaixo de seu ponto de partida. Mesmo se o crescimento pulasse agora para um índice anual de 4%, a depressão levaria mais 12 meses para acabar. Se o crescimento fosse de 1,5% ao ano, a depressão duraria 72 meses, o que a tornaria cerca de 50% mais longa que a depressão anterior mais duradoura em cem anos.
É possível avaliar a gravidade de uma depressão pela profundidade do declínio ou pelas perdas acumuladas em relação ao ponto de início. A depressão de 1920-1924 foi a mais profunda, seguida pela grande depressão, cuja maior redução no PIB foi de 7,1%. A atual depressão, contudo, está só um pouco atrás, com 6,5%. A perda acumulada do PIB desta vez deverá ser ainda pior do que a dos anos 30. Na época, foi de 17,7% do PIB, em comparação aos 14,5% verificados na atual depressão, até agora. Esta depressão, contudo, não acabou. Se o crescimento for de 2% por ano, a perda acumulada seria superior a 18% do PIB.
Esta é, então, uma depressão imensa, pelos padrões britânicos. A resposta, contudo, são gestos de indiferença. Parece que essa calamidade é vista como inevitável, ou merecida, ou ambas. Certamente, os amortecedores do Estado de bem-estar social moderno tornaram o choque menos traumático do que as depressões anteriores. O melhor desempenho do emprego em comparação ao início dos anos 80 também tornou esta depressão menos dolorosa. Ainda assim, sua escala e duração são alarmantes.
Pior, o que quase ninguém previu de início agora é visto como quase irremediável. Muitos analistas avaliam que o produto potencial caiu quase tanto quanto a própria produção, que agora está bem mais de 10% abaixo da tendência anterior a 2008. Em importante estudo, Bill Martin, do Centre for Business Research, de Cambridge, ataca energicamente esse pessimismo **. Sua conclusão é que o problema foi o colapso na demanda, não na oferta potencial. Pior, destaca Martin, quanto mais tempo a produção continuar reprimida, mais provavelmente a oferta potencial será prejudicada.
Martin ressalta o consenso existente de que uma boa parte, de quase 70%, da perda de produção em relação à tendência, deve-se ao colapso do produto potencial. Ele vê outra explicação, mais plausível: "Uma economia deficiente em demanda, na qual os salários reais caem o suficiente para conter o aumento no desemprego e deixam a lucratividade total em um nível aceitável, pode manifestar baixos níveis de produtividade que também são característicos de uma economia fraca estruturalmente. Incapaz de vender mais, pela falta de demanda, a indústria pode se dar por satisfeita em viver com baixa produtividade, que, sendo persistente, é interpretada equivocadamente pelas autoridades monetárias como uma redução de marcha no potencial produtivo da economia."
O perigo decorre do que Martin chama de "batalha dos poupadores". O setor privado busca melhorar seus balanços patrimoniais, pagando suas dívidas. Assustados com os déficits, o governo tenta fazer o mesmo. Isso pode fazer sentido, sem que exista uma queda prolongada na atividade, se, e apenas se, a economia passar a ter um imenso superávit externo. Nada, no entanto, parece ser menos provável, tendo em vista a fragilidade dos parceiros comerciais do Reino Unido.
O Reino Unido está em meio ao que caminha para ser a mais duradora - e mais custosa - depressão dos últimos cem anos. A característica desta depressão, em relação com as anteriores, é a fragilidade assustadora da recuperação. É muito mais plausível imaginar que isso se deve à fraqueza na demanda do que ao colapso na oferta potencial. A noção predominante, no entanto, é que há pouco a ser feito. Cuidado com as profecias de catástrofe. Elas podem facilmente tornar-se autorrealizáveis.
* Monthly GDP estimates for inter-war Britain" (algo como, estimativas mensais do PIB na Grã-Bretanha entreguerras, em inglês, www.niesr.ac.uk.
** Is the British economy supply constrained? (será que a oferta da economia britânica está limitada?, em inglês) www.cbr.cam.ac.uk.
Martin Wolf é editorialista e principal comentarista econômico do FT
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