segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Procura-se plano para salvar a Europa


Por Philip Stephens - Valor 26/09

Tornou-se uma espécie de mantra, entre os líderes europeus, a afirmação de que podemos ter certeza de que eles vão salvar o euro, porque eles têm de salvar a União Europeia. O leitor pode ver de onde eles estão vindo. A integração europeia teria dificuldades para sobreviver à extinção do projeto que é seu carro-chefe.

À afirmação, porém, falta algo muito importante em termos de causalidade. A razão pela qual a moeda única está em apuros tão terríveis é que os governos em toda a Europa não conseguiram convencer o eleitorado de que vale a pena salvar a própria União Europeia (UE).

Eu desisti de contar os comentários eruditos que li sobre o futuro da união monetária - ou a ausência de uma união. Alguns dizem que a crise poderia ser resolvida de uma só vez mediante uma emissão de títulos da zona do euro. Tim Geithner, secretário do Tesouro dos EUA, concebeu uma abordagem que permitiria aos governos alavancarem seu poder de fogo financeiro.

Outros insistem nas leis de ferro da demanda econômica: exigem que a Grécia seja lançada ao mar. Isso é rotulado de calote controlado. Não tenho certeza de que banqueiros franceses e alemães estejam tão otimistas diante dessa perspectiva. Meus amigos em Bruxelas esperam (ou melhor, torcem para que haja) um salto rumo a uma união política. Profetas inclinados à descrença dizem que tudo isso é inútil, porque eles sempre souberam que a moeda única estava condenada.

Os comentários que me intrigam são os que dizem que a UE não pode sobreviver e emendam a afirmação de que um rompimento é impossível por causa dos custos resultantes. Para os leitores, talvez o melhor seja que cada um tire sua própria conclusão.

De minha parte, fico maravilhado diante das certezas daqueles que oferecem ousadas previsões e prescrições. Certamente, se aprendemos alguma coisa durante a década passada é que precisamos nos acautelar diante de asserções simplistas. Ainda ontem, todos concordavam em que o futuro seria escrito pelo casamento da hegemonia americana com a marcha inexorável do capitalismo liberal.

De conversas recentes que tive com os ministros e autoridades europeias, concluo que um passageiro do U Bahn berlinense ou do metrô de Atenas têm a mesma probabilidade de acerto que a multidão de especialistas e analistas e especialistas.

Em eloquente ensaio no FT, nesta semana, Larry Summers observou que, ao fazerem hoje apenas o suficiente para tocar o barco, os líderes europeus poderão muito bem vê-lo encalhar amanhã; é difícil discordar. Arriscar mais que isso tem tanta chance de acerto quanto no lançamento de uma moeda.

Crises podem muito bem ter um desenlace. Empurrar com a barriga pode, bem, resultar em apenas continuar empurrando com a barriga. Meu palpite é que até mesmo Angela Merkel, a chanceler alemã, ainda não sabe se ficará na história como algoz ou salvadora do euro. Seja como for, as perspectivas econômicas são bastante sombrias.

Esta é fundamentalmente uma crise política. Os cálculos sobre déficits, sustentabilidade de endividamento e calote são bastante interessantes. Mas as correntes organizadoras são políticas: o entrechoque da ideia de que os governos da zona do euro precisam sair juntos dessa crise e a tentação de pensar que ficarão em melhor situação cada um por si.

Se o problema europeu era simplesmente um sistema monetário em colapso, deveríamos estar nos perguntando o porquê de todo esse alarido. Tão grandes quanto parecem os números, as dívidas dos países periféricos são uma pequena fração do PIB da zona do euro. O obstáculo a uma resolução da crise não é a ausência de uma correção técnica ou econômica plausível, mas o renascimento dos nacionalismos no Continente.

Não é difícil ver como o populismo individualista é sedutor. Com marcos em seus bolsos, os alemães poderiam voltar a ser alemães, poupando e investindo as recompensas de sua prudência e trabalho duro. Os gregos poderiam libertar-se dos grilhões da austeridade teutônica e voltar às praias, repudiando suas dívidas.

Não seria assim, é claro. A Alemanha não prosperaria numa Europa falida. Por um lado, seus bancos estão repletos de dívida soberana de quitação incerta. Por outro lado, um default é uma rota de fuga estritamente temporária. As economias devedoras não podem evitar indefinidamente duras opções. Mas essa é justamente a atração superficial do nacionalismo: ele remove as irritante realidades da interdependência para fazer de conta de que tudo estaria bem se os estrangeiros fossem mantidos à distância.

O esgarçamento do que antiquados europeus de uma certa idade denominam solidariedade começou bem antes do início da atual crise. A reaproximação franco-alemã que inspirou os pais fundadores é tida como assegurada. O colapso da União Soviética removeu a ameaça existencial compartilhada. Paz e prosperidade são agora assumidas como ordem natural das coisas. Quando líderes políticos alegam estarem tolhidos por seus eleitorados, o que querem dizer é que não articularam o discurso de seus interesses nacionais na integração europeia.

Isso não é tão difícil. Se o Ocidente enfrenta declínio relativo inevitável, a Europa parece estar em queda livre. O tema das conversas em Pequim, na Índia e em Ankara é a irrelevância europeia. Ao agirem em concerto, os governos da UE podem ter um papel, e até mesmo significativo, no estabelecimento de regras do jogo mundial. Individualmente, eles têm pouco poder a exibir. Mesmo a Alemanha, como já disse alguém, é muito pequena diante do mundo.

Os europeus já souberam disso. A marcha da globalização e o deslocamento do poder para o Oriente sublinham o argumento. Os países europeus prosperam num sistema baseado em regras. Uma Europa que fizesse diferença em um mundo multipolar exportaria seu modelo de multilateralismo.

Cooperação, integração - seja que nome atribuamos -, não exime governos de responsabilidade. Os Estados meridonais não podem manter-se indefinidamente em declínio de competitividade. Se a concepção da moeda única foi falha, Itália, Espanha, Portugal e Irlanda, assim como a Grécia, estão colhendo as consequências das decisões tomadas em suas capitais.

Mas tanto países devedores como credores precisam também concordar em que vale a pena salvar a UE. Na última vez em que escrevi sobre o retorno a uma ordem westfaliana, alguns leitores responderam perguntando o que haveria de errado nisso. Eu julgava que a contagem de mortos na primeira metade do Século XX falaria por si. Mas talvez valha a pena também notar que em 1648 a Europa era um continente em ascensão.

Manter a união monetária exige que os líderes da zona do euro em ambos os lados do atual divisor de águas econômico argumentem o mérito do euro. Para fazer isso, porém, eles precisam, primeiro, argumentar o mérito da Europa.

Philip Stephens é editor e comentarista político do FT

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