Valor 30/09
As commodities agrícolas tiveram em setembro, até o fechamento de ontem, o pior desempenho desde o ápice de crise financeira detonada pela quebra do banco Lehman Brothers, em 2008. Segundo o Valor Data, os contratos futuros de segunda posição - geralmente, os de maior liquidez - recuaram em sete dos dez mercados monitorados, considerando-se os preços médios praticados.
Na bolsa de Chicago, o trigo registrou a maior queda média mensal (-4,23%), seguido por milho (-2,54%), farelo (-2,10%) e soja (-0,94%). No mercado nova-iorquino, a maior queda foi a do cacau (-5,60%), acompanhada por açúcar (-4,23%) e suco de laranja (3,84%). Na contramão, tiveram ganhos os contratos de algodão (2,96%), café (0,99%) e óleo de soja (0,08%).
Mas as médias mensais não captaram o tamanho do estrago provocado pelo recrudescimento da crise nos países desenvolvidos. Quando considerada a variação acumulada no mês, as perdas foram generalizadas, sendo que a maioria dos mercados agrícolas amargou perdas de dois dígitos.
Mesmo com a recuperação de ontem, uma reação dos investidores à divulgação de notícias positivas na Europa e nos Estados Unidos, os contratos de milho acumulavam queda de 15,86%, os de soja, 14,84% e os de trigo, 13,36%. Em Nova York, o café registrava queda de 18,68%, acompanhada por açúcar e suco de laranja, que recuavam respectivamente 10,42% e 5,6% em setembro. O melhor desempenho foi o do algodão, que recuou apenas 3,39% desde o fechamento do dia 31 de agosto.
O grupo de commodities agrícolas do índice Dow Jones-UBS, que monitora uma cesta de produtos alimentícios negociados nas bolsas internacionais, registrou queda de 15,2% - a maior desde outubro de 2008. Os produtos agrícolas caíram mais que a média das commodities. Em setembro, o índice CRB, que acompanha também matérias-primas metálicas e energéticas, caiu 10,69% - também neste caso, o maior recuo desde outubro de 2008.
As commodities, como um todo, sofreram com a piora dos indicadores econômicos globais. Os sinais de recessão nas economias maduras e os temores de um calote soberano por parte da Grécia fizeram crescer a aversão dos investidores a ativos de risco. De acordo com o analista do Jefferies Bache, em Nova York, Vinícius Ito, fundos liquidaram quase 100 mil contratos futuros de soja, 50 mil de milho e 17 mil de trigo ao longo do mês.
Segundo Ito, fatores sazonais também influenciaram a aposta contra os mercados agrícolas. "A colheita da safra de grãos nos Estados Unidos exerce uma pressão natural nesta época do ano. Além disso, o mercado havia exagerado na precificação dos problemas climáticos americanos e da demanda chinesa", avalia.
A desvalorização do real frente o dólar também influenciou diretamente as commodities agrícolas. "O 'crash' da moeda brasileira mudou dramaticamente a estrutura de preços necessária para uma equação adequada de oferta e demanda para a maioria das commodities agrícolas nos Estados Unidos", afirma Shawn Hacket, presidente da Hackett Financial Advisors em um relatório enviado por e-mail. Ele lembra que o real é uma das moedas mais correlacionadas aos preços agrícolas internacionais. "Ainda há espaço para mais correções até que o novo regime de preços encontre um equilíbrio", alerta.
Contudo, analistas ainda rejeitam uma comparação com o cenário observado em 2008, após a quebra do Lehman Brothers. "Tudo ainda é muito incerto, mas a situação, embora muito grave, é melhor do que a de 2008. Havia então a expectativa real de um colapso do sistema financeiro, o que parece não haver agora", afirma Ito.
Rodrigo Costa, analista de mercado da Caturra Coffee Corporation, em Nova York, observa que o nível de alavancagem é muito menor do que nos meses que precederam a crise americana, razão pela qual não vê muito espaço para um grande volume de liquidações nos próximos meses. "Tudo vai depender do quão grave vai ser a recessão, de que forma vai atingir os Estados Unidos e se vamos ter a quebra de bancos nos países desenvolvidos. Mas é claro que, se tivermos novos surtos de aversão a risco, as commodities serão afetadas, principalmente pela via do câmbio".
Ito acredita que os preços podem experimentar uma retomada no início de outubro, encerrado o período de ajuste nos portólios dos fundos de investimento. "No mercado da soja, os compradores veem a queda dos preços como uma oportunidade. Os fundamentos são positivos. Os estoques estão em níveis historicamente baixos, e há uma procura muito grande por parte da China e da União Europeia por soja e derivados", conta.
Com a queda deste mês, praticamente todas as mercadorias estão no vermelho em 2011. A exceção fica por conta do milho, que até ontem acumulava valorização de 1,18%. Nos 12 meses, porém, a maioria ainda contabiliza ganhos - destaque para o milho, com valorização de 26,71%, e o café, com 28,31%.
sexta-feira, 30 de setembro de 2011
O mercado está condenado
'Em 12 meses, milhões vão sumir.
Isso é só o começo.
O pior risco é não fazer nada. Proteja seus ativos'
Por BARBARA GANCIA FSP 30/09
REPERCUTIU ATÉ no dogão da dona Maria o show que um operador de mercado deu na BBC nesta semana. Chamado a opinar sobre a crise, ele foi tão contundente que fez a entrevistadora admitir:
"O senhor acaba de derrubar o queixo de todos no estúdio".
De fato, o quadro pintado pelo zé-mané foi aterrorizante, um desalento para quem tem ainda alguma ilusão quanto a democracia e o capitalismo. O seu emprego, meu dileto leitor, sua poupança, sua reles existência, aparentemente, nada disso interessa ao sistema financeiro globalizado. Ninguém quer saber, inclusive, do seu voto ou impostos.
Estamos cansados de ouvir essa verdade ser contada pela boca de filósofos como Slavoj Zizek, que vivem de detonar o sistema. Mas quando a crítica vem de dentro apavora um tico a mais.
O operador independente Alessio Rastani (apelido "Ratfuck") foi tão rústico em sua análise sobre a crise na Europa que lembrou Roberto Jefferson quando o deputado apontou o dedo para o então ministro José Dirceu.
O vídeo está aqui, mas não precisa sair correndo para assistir que eu conto tudo. Antes, porém, algumas considerações sobre a motivação do senhor Rastani.
A mim realmente não importa se o operador é ex-funcionário de algum grande fundo, se tomou um chute no fiofó da Goldman Sachs, se agiu movido por ressentimento ou se expôs os fatos em toda a crueza porque a mulher passou a noite com dor de cabeça.
Tem gente dizendo que se trata de mercenário ou impostor. Ora, será que é tão difícil assim aceitar que até um "trader" possa ter alma? Em vez de insultá-lo, eu lhe daria um troféu. Nunca vi usar de tamanha objetividade para descrever situação tão complexa.
Se você também consegue pressentir que os pacotes foram insuficientes, que falta regulamentação, que nada do que estava errado foi corrigido e que poucos controlam toda a flutuação, também saberá apreciar o que ele disse.
Ele abre sentenciando que "O mercado está condenado". A entrevistadora pergunta o que se deve fazer. "Veja, não tenho esse tipo de preocupação", diz. "Sou um operador de mercado, se enxergo uma oportunidade de ganhar dinheiro, corro atrás. Não é problema meu como vão sanear a economia. Pessoalmente, venho sonhando com esta crise há três anos. Vou confessar uma coisa: eu vou para a cama toda noite sonhando com uma nova recessão, com um momento como este".
Não é de morder uma pessoa capaz desta candura elevada? Rastani continua: "Muita gente ganhou com a crise de 29 e isso não é só para uma pequena elite, é para todos. Quando o mercado despenca, quem planejou pode ganhar com estratégias de 'hedging' e investindo em títulos do governo. Daqui a 12 meses, a poupança de milhões de pessoas irá desaparecer. E isso é só o começo. O pior risco que você pode correr hoje é não tomar providências. Proteja seus ativos. Esta crise é como um câncer. Não se deve esperar que o governo resolva. Prepare-se.
Governos não mandam no mundo, quem manda é a Goldman Sachs". E viva a volatilidade! Amigo meu, mestre do universo em pé de igualdade com Gordon Gekko e Sherman McCoy, só ficou decepcionado com essa última parte da fala.
"Teria preferido vê-lo desprezar a Goldman Sachs, não é tudo isso, não", disse-me. "De resto, porém, o camarada não errou". Bora andar de montanha-russa, então!
barbara@uol.com.br
Pesquisa indica expectativa de uma freada forte da China
Valor 30/09
A maioria dos investidores pelo mundo prevê que o crescimento da China vai desacelerar para menos de metade do ritmo mantido desde que o governo começou a desmantelar a economia comunista de Mao Tsé-tung, três décadas atrás. É o que revela uma pesquisa da agência de notícias Bloomberg.
Entre os entrevistados, 59% disseram que o Produto Interno Bruto (PIB) da China, que cresceu 9,5% no trimestre passado, estará avançando menos de 5% em torno de 2016. Para 42% dos consultados, essa desaceleração ocorrerá dentro de um ano; já 47% afirmaram que esse esfriamento da economia chinesa acontecerá em dois a cinco anos, segundo a sondagem trimestral Bloomberg Global Poll com investidores, analistas e traders em todo o mundo que são assinantes da Bloomberg.
A China, que em meio à crise mundial em 2008-09 registrou a maior queda em suas exportações desde pelo menos 1979, pode não ser capaz de contar com seu comércio exterior em meio a um queda prolongado da demanda na Europa e nos EUA, que agora estão lutando para evitar uma recaída recessiva. O gerenciamento de um declínio econômico deverá recair sobre os próximos líderes do Partido Comunista, pois o presidente, Hu Jintao, e o premiê, Wen Jiabao, iniciarão no ano que vem a transição para a transferência do poder no país.
Se não estivermos comprando coisas, eles não as estarão produzindo", disse Charles Doraine, executivo-chefe da Doraine Wealth Management, do Texas, um dos entrevistados na pesquisa que ouviu 1.031 investidores, analistas e traders em 26 de setembro. A margem de erro de pesquisa é de 3,1 pontos, para mais ou para menos.
Jerome Selle, diretor de investimentos da MW Gestion, de Paris, citou uma potencial bolha imobiliária chinesa e inflação elevada, juntamente com o enfraquecimento das economias americana e europeia, como sinais de alerta para os chineses.
Mesmo assim, para muitos investidores, a perspectiva de curto prazo permanece positiva. Instados a identificar o mercado que oferece os melhores retornos nos próximos 12 meses, 23% escolheram a China, que perdeu apenas para os 30% que escolheram os EUA. O índice Shanghai Composite de ações está em baixa de 16%, neste ano, em comparação com quedas de 8,5% no índice Standard & Poors 500 e de 12,2% no índice MSCI World. O Shanghai Composite recuou 1,1%, hoje.
Desde que Deng Xiaoping iniciou a transição para políticas de livre mercado, em 1979, a China vem crescendo a uma taxa média anual de 10%. Essa transformação econômica tirou mais de 600 milhões de pessoas da pobreza, fez da China o maior exportador do mundo e consolidou a hegemonia do Partido Comunista no poder.
Agora, quatro anos após o início de uma crise financeira desencadeada pelo colapso de títulos lastreados no mercado habitacional americano, alguns investidores estão começando a duvidar da capacidade de resistência da China. Investidores disseram que a economia chinesa está se "deteriorando", em vez de "melhorando", segundo uma proporção de quase três para um: 38% contra 13%. Mas 47% dos entrevistados consideraram a economia chinesa como "estável".
As expectativas dos investidores para a segunda maior economia do mundo divergem da visão de economistas chineses, inclusive de profissionais da HSBC Holdings, Nomura Holdings, Capital Economics e do Conselho de Estado, equivalente a um gabinete ministerial. Lu Zhongyuan, vice-diretor do Centro de Pesquisas de Desenvolvimento do Conselho de Estado, disse em entrevista coletiva ontem, em Pequim que o crescimento nos próximos cinco anos provavelmente superará 8%.
Os estatísticos chineses publicam dados trimestrais de PIB antes das agências correspondentes em outros países, como EUA, Alemanha e Japão, e alguns analistas têm questionado sua precisão. Um candidato à sucessão de Wen, o vice-premiê Li Keqiang, considera que os números do PIB não são confiáveis, segundo um despacho diplomático americano de 2007 vazado pelo site Wikileaks.
"Tentar avaliar a China é muito semelhante a tentar compreender o balanço de um grande banco, como o Citigroup", afirmou Andrew Paolillo, gerente de portfólio da Rocky Hill Advisors, de Massachusetts, nos EUA. "É uma caixa tão preta que, de fora, não existe maneira possível de você poder ver o que há realmente lá dentro".
O setor minerador de carvão chinês é um barômetro do acúmulo de sinais de esfriamento econômico, disse Michael Shamosh, diretor de investimentos da Capital Markets Corby, de Boston. As ações da Yanzhou Coal Mining, quarta maior produtora de combustíveis chinesa, caíram cerca de 46% desde o pico em 31 de maio, em negócios na bolsa de Hong Kong.
"Alguma coisa não está batendo", disse Shamosh. "Nada é mais importante para a China do que o carvão." Ele disse que um declínio no preço do cobre, em queda de quase 25% desde 1º de agosto, é outro indicador de desaceleração, porque a urbanização e o boom imobiliário local tornaram os chineses os maiores consumidores desse metal em todo o mundo.
Doraine concordou com a afirmação, dizendo: "O preço das matérias-primas está caindo. Significa a China não as está comprando".
As autoridades chinesas estão tentando mudar a economia, aproximando-a de um modelo mais centrado no consumo interno, depois que um congelamento do crédito mundial contribuiu para uma queda de cerca de US$ 230 bilhões em exportações do país em 2009, o maior desde que o Escritório Nacional de Estatísticas começou a compilar os dados, em 1979.
"O motor de crescimento econômico chinês necessita de uma regulagem", disse Robert Zoellick, o presidente do Banco Mundial, em coletiva de imprensa em Pequim, em 5 de setembro. "É difícil, para mim, acreditar que uma dependência contínua de crescimento puxado por exportações e investimentos dará certo para a China nos próximos 10 anos".
Os investidores americanos revelaram-se mais pessimistas quanto às perspectivas para a China do que seus colegas na Europa e na Ásia. Os EUA são a única região onde mais investidores descreveram a economia chinesa como "em deterioração" do que "estabilizada", e 21% dos americanos entrevistados disseram que a China oferecerá dos piores retornos a investimentos nos próximos 12 meses, perdendo apenas para a União Europeia.
Os entrevistados conservam, no entanto, a sua confiança na capacidade da liderança chinesa de enfrentar as crescentes dificuldades econômicas.
O sucessor do presidente Hu deverá ser escolhido durante o congresso de líderes do Partido Comunista no fim de 2012. Hu e Wen deixarão seus cargos de governo em março de 2013.
Todd Martin, estrategista de mercado acionário asiático no Societe Generale Asia, em Hong Kong, elogia o governo da China por sua disposição no combate à inflação e à bolha imobiliária. Os preços ao consumidor subiram 6,2% em agosto (no acumulado de doze meses), desacelerando em comparação ao aumento de 6,5% em julho.
"Enquanto a China estiver disposta a reformar-se e adaptar-se, seu padrão de vida e as oportunidades de investir e obter excelente retornos no país serão enormes", afirmou Martin.
Nos últimos 20 anos, a taxa de crescimento chinesa mais baixa foi de 6%, no quarto trimestre de 1999, em meio aos efeitos da crise financeira asiática de 1997-1998.
Um "pouso brusco", equivalente a menos de 5% de crescimento, do país mais populoso do mundo, seria "desastrosa" para a economia mundial, disse Qu Hongbin, economista do HSBC em Hong Kong. O país não seria capaz de criar empregos suficientes para as pessoas que chegam ao mercado de trabalho, o que causaria um "grave problema social", disse. "Eu preferiria apostar no fim do mundo para daqui a cinco anos do que arriscar que o crescimento chinês cairá para 5%."
Nem todos os economistas dizem que um crescimento de 5% é mau para a China. Uma transição bem sucedida para um crescimento econômico puxado por gastos domésticos reduziria a chance de aumento do desemprego e de endividamento excessivo para bancar investimentos, segundo Michael Pettis, professor de finanças da Universidade de Pequim.
"A China pode tolerar um crescimento bem menor, se mudar o seu modelo", disse Pettis.
O euro, de novo. Ainda?
Por José Francisco de Lima Gonçalves - Valor 30/09
Em julho de 2010, o Cenário Fator manifestava preocupação com a "solução" dada pelo G-20 e pela zona do euro aos problemas visíveis da Grécia, Portugal e Irlanda: "O pacote da zona do euro parte de uma série de pesquisas a respeito de 'consolidações fiscais' mais ou menos duráveis... tal proposta decorre da seguinte avaliação: a austeridade fiscal acalma os mercados de títulos (públicos) e reduz os prêmios pagos; ademais, cortes de gastos hoje acalmam os pagadores de impostos por reduzir a necessidade de ajustes fiscais (impostos?) no futuro. É uma aplicação das expectativas racionais que envolve, dentre outras, eficiência do mercado financeiro".
À época, cabia considerar as fragilidades teóricas do argumento e que a evidência empírica citada pelos partidários de tal formulação não guardava qualquer semelhança com a situação concreta de então. Uma coisa é tomar ajustes fiscais isolados e idiossincráticos, outra em um contexto de pós-crise global em um mercado em que o grosso do comércio é feito dentro do euro. O sofisma da composição atacava novamente, sob o olhar cínico dos proponentes.
A dificuldade era tratar de uma política que se aplica a países em situações diferentes: um país com déficits fiscais e/ou em conta corrente pode "contaminar" a qualidade da dívida soberana de um país saudável que tenha que emitir títulos soberanos para aportar no Fundo de Estabilização.
Assim, uma dura trajetória se desenhava diante de todos os países do euro. "Aumentos de impostos e cortes de gastos em países equilibrados ou superavitários em conta corrente já é doído. Já para países com déficit em conta corrente, a questão da 'competitividade' dada a taxa de câmbio nominal persiste: como reduzir os salários do setor privado? Com deflação, o que exige recessão em algum grau."
O efeito sobre o crescimento econômico da área era fácil de antever: "Muito fraco e heterogêneo... Não há como manter as projeções de crescimento das economias do G-20 para 2010, 2011 e 2012. Ou elas são revistas para baixo nesse horizonte, ou ninguém levou a sério o plano. Primeiro e fatal problema: prometer e não entregar."
Mais de um ano depois, a opinião generalizada oscila nas probabilidades atribuídas à continuidade do programa de financiamento pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) e pelo Fundo Europeu de Estabilização Financeira (EFSF, em inglês), à implementação de uma "saída organizada" e a um calote puro e simples. Mesmo quem vê chance na manutenção do programa de estabilização da Grécia não tem muita coragem de dizer que o mesmo não envolveria mais uma dúzia de rodadas de revisão das inatingíveis metas.
A começar do efeito prejudicial das políticas fiscais "críveis" sobre o crescimento econômico, mais do mesmo foi prometido: sob recessão, a Grécia vai fazer mais esforço fiscal e, pasmem, privatizações.
De um ponto de vista formal, as sugestões oscilam entre mais união fiscal e a exclusão dos ineficientes. Os dois extremos são politicamente inviáveis, ao menos no plano explícito. Tão úteis quanto buscar os responsáveis pelo "erro histórico" denunciado agora pelos oportunistas usuais.
A união fiscal é projeto de gerações e não de semanas ou meses. A criação do primeiro marco alemão demorou 35 anos. A França liderou o bloco da prata com câmbio fixo até 1935 (quatro anos depois de a libra flutuar e dois anos e meio depois de o dólar dos Estados Unidos fazer o mesmo). Deixar sair - ou expulsar - o ineficiente é penalizar também os que ficam.
Se fosse possível excluir apenas a Grécia, a hiperinflação lá provavelmente seria acompanhada de rupturas no mercado bancário e no financiamento de Portugal e Irlanda, para dizer o mínimo. A saída de massa suficiente causaria uma valorização no euro remanescente que levaria os ortodoxos a pedir mais produtividade aos alemães. Já não o fazem com a Suíça?
Em 26/03/2008, o Economia Online do Banco Fator trazia os cinco passos para o "moral hazard". Os passos são "denial, anger, bargaining, depression, acceptance". Naquela altura, antes do resgate do Bear Sterns, já ficava claro que a destruição de riqueza recairia sobre os governos. É onde estamos, novamente. Desde o fim de 2009 as partes relevantes negam a seriedade da situação grega e, com isso, ajudam a criar dúvidas sobre Portugal, Irlanda, Espanha e Itália.
Formalmente disseram que a Grécia era extraordinária em maio passado, mas nada fizeram para que a dúvida geral não se instalasse. E não se escuta nenhuma parte relevante argumentar que a destruição causada pela saída da Grécia e/ou de outro país do euro é o fundamento da aceitação de que é impossível separar os agentes privados solventes dos insolventes, embora seja possível fazê-lo com os países.
De um ponto de vista prático, a solução já está em andamento: o Banco Central Europeu (BCE) e o EFSF já estão no jogo, um agindo informalmente, o outro sendo objeto de constantes sugestões: aumenta, amplia, estica, puxa; usa assim, usa assado. Momentos de raiva e depressão mostram como a crise se instalou dentro dos órgãos responsáveis pela superação da crise.
A comparação com o Plano Brady já não é tão utilizada, embora a reestruturação "voluntária" da dívida faça parte de qualquer pacote que não seja o da suave realização do plano "à la" FMI, que já falhou e vai falhar novamente.
O recurso a eurobonds seria um atalho para a integração fiscal, razão pela qual não são aceitos. Fala-se da falta de liderança política. Na impossibilidade de chegar-se a uma solução negociada, a solução já está dada. Trata-se de deixar a crise se instalar, pelo calote puro e simples ou usar o BCE para assumir todo o "moral hazard" possível, isto é, limitado ao possível.
José Francisco de Lima Gonçalves é professor do departamento de economia da FEA/USP e economista-chefe do Banco Fator
quinta-feira, 29 de setembro de 2011
Tensão externa leva à saída de US$ 2,3 bi
Valor 29/09
A tensão que levou o dólar a disparar na semana passada não se limitou aos mercados de derivativos cambiais. Dados divulgados ontem pelo Banco Central sugerem que o mercado de compra e venda da moeda estrangeira propriamente dito foi contaminado pelo nervosismo. Conforme o BC, ao longo da semana, US$ 2,319 bilhões saíram liquidamente do país pelo segmento financeiro, por onde cursam as operações de entrada e saída de capitais estrangeiros.
O conjunto de transações cambiais entre bancos e clientes só não gerou saldo tão negativo por causa dos contratos vinculados ao comércio exterior. Incluindo o segmento comercial, o mercado de câmbio como um todo também foi deficitário nesses cinco dias úteis, mas em apenas US$ 431 milhões, pois a diferença entre exportações e importações resultou em ingresso de US$ 1,887 bilhão na semana.
A fuga de divisas pelo segmento financeiro foi mais forte na quinta-feira, 22, quando a demanda por moeda estrangeira superou a oferta em US$ 1,195 bilhão. Foi nesse dia que a cotação do dólar chegou a bater em R$ 1,95 e a desvalorização acumulada pelo real desde o fim de julho passou de 20%. O real perdeu mais valor do que outras moedas porque o estresse com o cenário internacional - revisão para baixo de perspectivas de crescimento mundial, risco de calote grego e de quebra de bancos europeus - foi potencializado pela tributação dos derivativos cambiais com o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF).
O Banco Central se viu, então, obrigado a retomar operações tradicionais de swap cambial, que não eram feitas desde junho de 2009. Equivalente a uma venda de dólar no mercado futuro, a intervenção resultou em recuo da taxa de câmbio.
Na quarta-feira, 21, a autoridade monetária já tinha feito um ajuste na sua política cambial, anunciando que não renovaria as operações de swap reverso com vencimento em outubro. Equivalente a uma compra de dólar no mercado futuro e, portanto, com efeito contrário ao pretendido naquele momento, a rolagem dos contratos de swap reverso só adicionaria mais volatilidade ao preço da moeda americana.
Apesar da saída líquida registrada na semana passada, por causa da primeira metade do mês, o fluxo cambial financeiro acumulado até dia 23 não chegou a ser negativo como o de agosto, que foi deficitário em US$ 2,512 bilhões no total do mês. Nesses primeiros 23 dias de setembro, 17 dos quais úteis, os bancos compraram da clientela US$ 295 milhões a mais do que venderam em função de investimentos, financiamentos e empréstimos de estrangeiros ao país e de brasileiros ao exterior. São consideradas, ainda, no segmento financeiro, as compras e vendas de moeda relativas a transações correntes de serviços e de rendas - pagamentos e recebimentos de juros, lucros e dividendos.
O câmbio contratado em função do comércio exterior gerou ingressos líquidos de US$ 7,789 bilhões no mesmo período. Em 23 dias, portanto, o saldo cambial comercial superou o de agosto inteiro, que foi de US$ 6,667 bilhões.
Nos dias de maior nervosismo da semana passada, porém, houve desaceleração. Na quinta-feira, 22, o fluxo diário foi de apenas US$ 55 milhões, bem menor do que em outros dias do mês. E na sexta, chegou a haver déficit no segmento comercial, de US$ 44 milhões.
Na soma dos dois segmentos, o mercado de câmbio registrou superávit de US$ 8,084 bilhões nesses primeiros 17 dias úteis de setembro. Tal sobra de moeda estrangeira foi praticamente toda encarteirada pelos bancos. Considerada a data de liquidação (dois dias úteis de defasagem para a contratação), eles venderam apenas US$ 327 milhões ao BC no interbancário em setembro, até dia 23, até porque, com o dólar mais caro, a autoridade monetária parou de atuar no mercado à vista como comprador.
Com a retenção da moeda estrangeira que sobrou das operações com clientes, a carteira de câmbio do sistema financeiro, que estava vendida em US$ 6,257 bilhões no fim de agosto, virou. O BC não informou a posição do dia 23, mas já tinha adiantado que no dia 21 a carteira estava comprada em US$ 3,128 bilhões.
Preocupação com rumo da crise da dívida ainda pesa sobre o euro
Por Bloomberg
O euro reduziu o ímpeto de alta frente ao iene e ao dólar em meio a preocupações de que os dirigentes dos países membros da União Europeia (UE) não conseguirão pactuar uma solução para a crise da dívida da região. O euro havia alcançado sua maior alta de uma semana em relação do dólar quando a UE propôs um imposto sobre transações financeiras, para entrar em vigor em 2014, e o Parlamento da Finlândia aprovou uma expansão do fundo de socorro financeiro da região. Os dirigentes europeus discordaram em torno da magnitude das baixas contábeis sobre as carteiras dos bancos de títulos do governo da Grécia.
As moedas dos países exportadores de commodities, como o dólar canadense e o real brasileiro, recuaram diante da queda dos preços das matérias-primas. "As pessoas se precipitaram um pouco diante desse risco", disse Brian Taylor, operador-chefe de câmbio da Manufacturers & Traders Trust de Buffalo, Estado de Nova York. "As pessoas estão mais preocupadas com as questões mais amplas, principalmente com o que vai acontecer na Europa. Estamos vendo o mercado dizer "é melhor prevenir do que remediar'". A moeda única fechou o dia valendo US$ 1,3632, em ligeira alta de 0,20%. Em relação ao iene, o euro caiu 0,6%, para 103,72 ienes, e se encaminha para registrar uma retração de 6,7% até esta altura do mês. A moeda japonesa subiu 0,5%, para 76,46 por dólar.
O euro recuou 1,7% durante os últimos três meses em relação a nove divisas do mercado desenvolvido, elevando sua queda de 12 meses para 2,3%, segundo os Índices Cambiais Bloomberg Ponderados pela Correlação. O iene foi a moeda que mais se valorizou entre as nove nos últimos três meses, ao subir 12%, e o dólar aumentou 4,8% de valor. O presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, disse que a crise da dívida da Europa continua a representar um empecilho para a economia americana e que a reação dos governos da região não foi suficientemente sólida. "Na Europa não os vimos administrar seu sistema bancário e seu sistema financeiro com a eficiência necessária", disse Obama ao responder a uma pergunta sobre o crescimento da economia dos EUA durante uma discussão, em mesa-redonda, sobre questões hispânicas na Casa Branca.
O imposto sobre transações financeiras da UE fixará alíquotas de imposto mínimas para transações por toda a UE de 27 países, disse a Comissão Europeia, sediada em Bruxelas, o braço executivo do bloco, em comunicado. A medida terá de ser aprovada por unanimidade pelos 27 países-membros.
O imposto, se aprovado, captará cerca de € 57 bilhões (US$ 78 bilhões) ao ano e "assegurará uma justa contribuição por parte do setor financeiro numa época de consolidação fiscal", disse a comissão no comunicado. "Mesmo com os vários planos já anunciados que estão sendo desenvolvidos, mesmo se chegarmos a um avanço tão grande quanto apresentar uma coisa e já anunciá-la, o intervalo de tempo que terei de enfrentar entre o anúncio e a implementação é muito grande", disse David Mann, diretor regional de pesquisa para as Américas da Standard Chartered de Nova York. A Comissão Europeia foi contrária às ideias que estão sendo ventiladas por algumas autoridades de fazer com que os bancos aceitem maiores renúncias parciais de lucros, conhecidas como "haircuts" em inglês, sobre suas carteiras de títulos gregos e não quer realizar conversações sobre qualquer tentativa nesse sentido, disse uma autoridade sob condição de manter o anonimato, uma vez que as deliberações são confidenciais.
O Parlamento da Finlândia aprovou a expansão do Fundo Europeu de Estabilização Financeira (EFSF, pelas iniciais em inglês), de € 440 bilhões, elevando para nove o número de membros da zona do euro que ratificaram o mecanismo. Um papel ampliado do EFSF foi aprovado pelos membros da zona do euro em 21 de julho e precisa ser ratificado por todos os países-membros.
O real brasileiro e o dólar canadense estavam entre as moedas de pior desempenho dentre as principais divisas. O real caiu 1%, para 1,8235 real por dólar, e o dólar canadense recuou 0,6%, para 1,0255 dólar canadense por dólar dos EUA. O Índice Thomson Reuters/Jefferies CRB de matérias-primas registrou um declínio de 2% e o Índice Standard & Poor's 500 perdeu 1,2%. O rand da África do Sul foi a moeda de melhor desempenho entre as mais negociadas, ao subir 0,7%, para 7,8142 por dólar. A chanceler da Alemanha, Angela Merkel, disse que está esperando um relatório de um grupo de autoridades da União Europeia, do Banco Central Europeu (BCE) e do Fundo Monetário Internacional (FMI) sobre os avanços da Grécia antes de decidir se um segundo pacote de financiamento para o país, pactuado a 21 de julho, precisa ser revisto.
TV ON LINE
CONSULTOR EM COMÉRCIO EXTERIOR ANALISA CRISE ECONÔMICA MUNDIAL (PARTE 01) TEMPO: 00:05:15
Em entrevista ao Conta Corrente, o consultor em Comércio Exterior, Joseph Tutundjian, falou sobre a crise econômica mundial e os seus efeitos na economia brasileira e internacional.
*JOSEPH TUTUNDJIAN, Consultor de Comércio Exterior
*GEORGE VIDOR, jornalista
TV: GLOBO NEWS | PROGRAMA: CONTA CORRENTE | APRESENTADOR: GUTO ABRANCHES
CONSULTOR EM COMÉRCIO EXTERIOR ANALISA O FLUXO CAMBIAL BRASILEIRO (PARTE 02)TEMPO: 00:04:57
Em entrevista ao Conta Corrente, o consultor em Comércio Exterior Joseph Tutundjian falou sobre o fluxo cambial brasileiro e uma pesquisa que colocou o Brasil em 22º lugar em um ranking de países confiáveis economicamente, uma posição acima dos Estados Unidos.
SONORA
*JOSEPH TUTUNDJIAN, Consultor de Comércio Exterior
*GEORGE VIDOR, jornalista
TV: GLOBO NEWS | PROGRAMA: CONTA CORRENTE | APRESENTADOR: GUTO ABRANCHES
RELACIONADOS: BANCO CENTRAL
Moeda tecnológica
Especial Valor 29/09
Com a chegada de mais consumidores ao mercado e aos bancos, concorrência pesada e novas tecnologias, multiplicam-se os meios eletrônicos de pagamento e mantém-se a tendência de substituir o papel por dados, seja por meio de cartões, internet, caixas eletrônicos ou dispositivos móveis - vedetes atuais do sistema bancário e candidatos a substitutos dos plásticos. A diversidade exige dos bancos pesados investimentos em integração e em desenvolvimento de soluções multiplataforma para permitir que o cliente tenha acesso às mais diversas operações 24 horas por dia, sete dias por semana, onde quer que esteja.
"O crescimento do número de transações bancárias sem aumento de custos para os clientes não seria possível sem expansão do uso de meios eletrônicos", pondera Murilo Portugal, presidente da Federação Brasileira de Bancos (Febraban). Dados do Banco Central mostram a diferença de custo entre as transações bancárias por canais eletrônicos e por agências tradicionais: a consulta de saldo chega a quase R$ 2 em uma agência, cai para R$ 0,50 em caixa automático e despenca para R$ 0,01 na internet. Não foi por acaso que, nos últimos cinco anos, em média duas em cada três transações bancárias foram realizadas sem atendimento presencial, segundo o BC.
Em 2010, o canal internet, home e office banking superou o atendimento em ATMs pelo segundo ano consecutivo e respondeu por 34% das transações, com quantidade de operações 26,7% maior que no ano anterior. Enquanto isso, o número dos cheques emitidos caiu 7,1% e os pagamentos por cartões de crédito e débito cresceram 23%.
As instituições esforçam-se para garantir mais espaço neste cenário. Depois de seis anos gastando em média R$ 17,8 bilhões anuais com tecnologia, no ano passado a conta chegou a R$ 22 bilhões, dos quais R$ 6,6 bilhões foram voltados a investimentos - 29% da verba total foram aportados em hardware, mas a maior expansão foi no segmento de software in house, refletindo o foco em integração de sistemas internos.
"O maior desafio é desenvolver aplicações padronizáveis e portáveis que funcionem na agência, no desktop, no celular ou no tablet", diz Paulo Lessa, vice-presidente de vendas da CPM Braxis Capgemini.
Um dos exemplos é o Bradesco. Só no primeiro semestre, foram mais de R$ 1,7 bilhão aplicados em TI. De acordo com Luca Cavalcanti, diretor de canais digitais Dia & Noite, os ambientes digitais respondem por 90% das transações do banco. Diariamente, são 2 milhões de visitas aos 80 sites na internet e 1,1 milhão de ligações no call center, 90% delas atendidas automaticamente. Mas é o celular que vai revolucionar a experiência do cliente, avalia ele. Com 7 milhões de transações mensais em aparelhos móveis, o desafio, diz, é simplificar o uso.
Um exemplo é a criação de produtos como a conta bônus celular para os que são usuários de correspondentes bancários, que têm tarifas revertidas em minutos de ligações. No total, são mais de 600 transações e serviços disponíveis.
Tendência do futuro é a migração para celulares
No futuro, a tendência é a migração do plástico para o celular, segundo Paulo Rogério Caffarelli, vice-presidente de negócios varejo do Banco do Brasil, que firmou parceria com a Oi para lançar um cartão-convênio com opção de plástico ou celular e tem serviços como o Saque Sem, por meio do qual quem perde o cartão pode receber um código por SMS para saques. "Ainda este ano vai ser possível acionar o terminal sem uso de cartão, por SMS ou foto", descreve o gerente geral da unidade gestão de canais do BB, Hideraldo Dwight Leitão.
No ano passado, o banco lançou um serviço de remessa de valores para celulares de não correntistas, que podem sacar o dinheiro em qualquer terminal, sem cartão. Como soluções fáceis deste tipo colaboram para a bancarização de classes emergentes, usuárias de correspondentes bancários, no mês que vem será testada a integração com esse canal. "Vamos aproveitar transações que as pessoas já fazem e migrá-las para o celular. É uma forma de promover a inclusão bancária", diz Leitão.
"O celular é pauta de todo mundo", resume Alexandre de Barros, vice-presidente do Itaú, que trabalha com entidades como Federação Brasileira de Bancos (Febraban) e Associação Brasileira das Empresas de Cartões de Crédito e Serviços (Abecs) para reforçar os benefícios do cartão ao mesmo tempo em que promove experiências com o uso do celular ligadas com Visa, Mastercard e Redecard - com uso de SMS e tecnologia de aproximação. Segundo Barros, os últimos lançamentos do banco miraram em smartphones, tablets e celulares, com aplicativos específicos desenvolvidos para cada terminal. Um deles, para empresas, combina internet com celular para aprovação remota de pagamentos. "Em segmentos corporativos menos automatizados, a curva de transações na internet cresce entre 40% e 50% graças ao smartphone", registra o executivo.
Entre os bancos globais, Santander e HSBC também focam o mobile banking. O primeiro deve ter até o fim do ano soluções para celulares de menor capacidade - hoje oferece serviços para plataformas como Android, iPhone e Blackberry. A princípio, sempre vinculados à internet, por garantia de segurança, com projeto de disponibilização apartada na medida da massificação do uso. "Sem divulgação, em uma semana foram mais de 50 mil usuários usando a solução móvel", contabiliza o CIO do Santander, Antonio Coutinho, atestando o poder desse usuário no boca a boca nas redes sociais, uma novidade em termos de marketing.
O HSBC oferece aplicativo móvel que permite efetuar pagamento de serviços públicos, títulos e taxas, entre outras. Criada em Java, a solução ganhou recentemente versões para smartphones. "Com o celular, conseguimos realmente entregar o serviço ao cliente onde quer que ele esteja, no momento que ele desejar", resume o diretor de canais
Tecnologia a serviço do cliente é alvo dos bancos
Conveniência e relacionamento marcarão o banco do futuro. As instituições entenderão melhor o cliente, a partir de dados internos ou captados em ambientes como redes sociais, para fornecer produtos e serviços mais adequados por meio de canais integrados e disponíveis ininterruptamente. Os equipamentos móveis ganham destaque e tendem a ter maior relevância com a adoção, pelos bancos, do modelo de operadora móvel virtual (MVNO). Mas o ambiente digital não substituirá o mundo físico.
Ao contrário do previsto alguns anos atrás, as agências não desaparecerão, mas serão confortáveis, com tecnologia abundante para inspirar e educar o cliente para o uso do auto serviço, com equipe a postos para consultas e negócios. Para Luiz Rodrigo Silva, sócio diretor da Accenture, o banco do futuro será regido por sustentabilidade, simplificação, personalização, presença constante e renovação. "O banco se adapta para atender o cliente que nunca vai à agência e elas ficam mais clean e sofisticadas, com painéis interativos e áreas diferenciadas de acordo com a necessidade de cada usuário", diz.
O Citibank incorporou esses conceitos no projeto Smart Banking, criado no Japão, que deve chegar ao Brasil a partir do próximo ano. Para atrair clientes refratários aos processos tradicionais, o banco priorizou valores como conveniência, facilidade, relevância e relacionamento pessoal e criou um ecossistema que inclui internet, aparelhos móveis, terminais de atendimento eletrônico (ATMs), quiosques, atendimento telefônico e por vídeo, mini agências em shoppings e aeroportos e agências equipadas com painéis interativos e equipe consultiva. "A filosofia é atrair, engajar e conectar parte da interação de todos os pontos de contato e chegar ao suporte de relacionamento", explica Luiz Coimbra, superintendente de canais remotos.
De acordo com Murilo Portugal, da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), na medida em que os meios eletrônicos prevalecerem no futuro, as agências tendem a se transformar em centros de orientação ao cliente e geração de negócios, reduzindo a execução de transações. "O contato pessoal é sua vocação. Tirando processos que requerem a presença do cliente, como abertura de conta, todo o relacionamento com os bancos já pode ser feito de maneira eletrônica", observa. Segundo ele, a tecnologia colabora para colocar o cliente no centro dos negócios, respeitar suas preferências e customizar ofertas, promovendo a acessibilidade às instituições em qualquer momento e local com apoio dos múltiplos canais.
Para Paulo Lessa, vice-presidente de vendas da CPM Braxis Capgemini, as transações corriqueiras, principalmente para correntistas de baixa renda ou usuários sem contas-correntes, migrarão para canais como correspondentes bancários e celulares. A agência tradicional se voltará a negócios e consultoria, como investimentos, enquanto o internet banking migrará para o ambiente móvel e as ATMs tendem a se transformar em totens de auto serviço na medida em que o papel moeda for substituído pela moeda virtual. "Se hoje é inconcebível a um banco não ter transações por internet, em dois ou três anos ocorrerá o mesmo com a tecnologia móvel", prevê.
Pesquisa mundial realizada pela Capgemini mostra que o Brasil é o mercado mais maduro dos BRICs (Brasil, Rússia, Índia e China),no que diz respeito a meios de pagamentos, especialmente em função do crescimento dos cartões. Segundo Lessa, o cartão deixará de ser de plástico, podendo ser incorporado ao mobile payment.
Como aposta em mobilidade, o Banco do Brasil manifestou interesse à Anatel pelo modelo de operadora móvel virtual (MVNO), ao lado de Itaú, Bradesco e Santander. "O conceito interessa para a estratégia de canais do banco. Mas precisamos ter bases mais completas de custos", diz Hideraldo Dwight Leitão, gerente geral da unidade gestão de canais. Mas a estratégia só faz sentido com a integração do consumo de telefonia celular às transações bancárias.
Céu de brigadeiro para o crescimento da indústria de cartões no mercado brasileiro
Turbulências econômicas, alta do dólar e ameaça de inflação. Nada disso tira o sono do setor de cartões no Brasil. Com a perspectiva de crescer 23% este ano na comparação com 2010, segundo a Associação Brasileira das Empresas de Cartões de Crédito e Serviços (Abecs), as empresas do segmento apostam num ritmo de expansão de dois dígitos nos próximos anos. Mesmo que o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) não seja tão alto. "O setor vem crescendo cerca de 20% ao ano, mais do que em qualquer lugar do mundo, há mais de dez anos e não há nuvens no horizonte", diz Paulo Caffarelli, vice-presidente da Abecs.
A razão de tanto otimismo: o Brasil é um mercado ainda em maturação. "Hoje, apenas 25% dos pagamentos são realizados por meio de cartões de crédito", explica o diretor-geral da Visa do Brasil, Rubén Osta. Na soma com cartões de débito e os das lojas, os private labels, o volume chega a 44%. "Existe um potencial gigantesco de migração desses outros 56%, feitos com outros meios, como dinheiro e cheque, para a indústria de cartões." Para 2015, a Abecs projeta que o cartão de crédito responderá por 45% de todo o consumo no Brasil.
O setor mantém um forte ritmo de alta mesmo em anos de baixo crescimento econômico. Entre 2008 e 2009, auge da crise financeira internacional e que derrubou o PIB brasileiro, o setor cresceu cerca de 18%. "A tendência é de forte expansão, em qualquer cenário, para os próximos anos", diz João Pedro Paro, vice-presidente comercial da Mastercard Brasil.
Para estimular o processo de migração, as principais bandeiras procuram ampliar o leque de produtos. "Queremos estar no dia a dia do consumidor, com um portfólio de produtos adequado às necessidades dos diferentes tipos de público", diz Osta. Essa visão ambiciosa leva a Visa a oferecer desde cartões alimentação a produtos voltados apenas para viagens ou exclusivos para as classes A e B.
Outros fatores impulsionam o setor, como a expansão da economia e do potencial do mercado de consumo. Um desses elementos é o crescimento da classe média, com a migração de 30 milhões de consumidores das classes D/E para C/D, público disputado por todas as empresas. "Estamos trabalhando fortemente com esse segmento", diz Paro, da Mastercard. "Temos um programa de pontos, o Surpreenda, para oferecer vantagens para as classes C e D."
A sinergia entre a indústria de cartões e os bancos emissores também é importante para o segmento - a entrada de novos clientes no sistema bancário ajuda essa indústria e vice-versa. "O cartão é um forte instrumento de bancarização, dando acesso a serviços financeiros para milhares de pessoas que não possuem conta bancária. Foi exatamente o que o Bradesco e o Banco do Brasil fizeram com a bandeira Elo ", observa Caffarelli.
Uma área com grande potencial de crescimento é a de cartões pré-pagos. Trata-se de atingir um público sem produtos de pagamento eletrônico, mas com dinheiro para recarregar o celular pré-pago. "A indústria precisa criar uma estratégia para chegar a esse cliente", adverte o executivo da Visa. Paro, da Mastercard, observa que o pré-pago pode ser a porta de entrada para produtos mais elaborados.
Já o setor varejista brasileiro não pode viver sem os cartões. Estudo da Abecs em parceria com a Datafolha mostra que os meios eletrônicos de pagamento foram responsáveis por 55% do faturamento das lojas no ano passado. A pesquisa apresenta outros sinais otimistas. No segundo semestre de 2010, 71% dos entrevistados tinham cartões para pagamentos e 67% utilizavam esse meio habitualmente. Os meios eletrônicos já superavam o uso do dinheiro nas grandes cidades, onde 44% dos gastos foram realizados com cartões de crédito, débito ou private label - 40% eram feitos com dinheiro.
Para alguns, existe uma barreira cultural a ser vencida. "O uso do dinheiro ainda está muito arraigado na cultura do povo", diz Paro, da Mastercard. Mas os esforços das empresas estão dando resultado. A pesquisa indica que 52,3% dos possuidores de meios eletrônicos de pagamento davam preferência aos cartões para efetuar suas compras. Entre os não possuidores, a predileção pelo dinheiro chegava a 96%.
A possibilidade de parcelamento é o principal fator de atração para 26% dos entrevistados com cartões. Mas o risco de aumento da inadimplência não parece tirar o sono das empresas do setor. "Não temos percebido nenhum temor nesse sentido", diz Paro, da Mastercard. Para evitar o problema, a indústria mantém um programa de consumo consciente e, ao mesmo tempo, trabalha a modelagem dos cartões para ajudar a gestão de risco dos emissores.
Classe C começa a vencer a resistência aos plásticos
Por Lázaro de Souza Para o Valor, de São Paulo
"O crescimento do número de transações bancárias sem aumento de custos para os clientes não seria possível sem expansão do uso de meios eletrônicos", pondera Murilo Portugal, presidente da Federação Brasileira de Bancos (Febraban). Dados do Banco Central mostram a diferença de custo entre as transações bancárias por canais eletrônicos e por agências tradicionais: a consulta de saldo chega a quase R$ 2 em uma agência, cai para R$ 0,50 em caixa automático e despenca para R$ 0,01 na internet. Não foi por acaso que, nos últimos cinco anos, em média duas em cada três transações bancárias foram realizadas sem atendimento presencial, segundo o BC.
Em 2010, o canal internet, home e office banking superou o atendimento em ATMs pelo segundo ano consecutivo e respondeu por 34% das transações, com quantidade de operações 26,7% maior que no ano anterior. Enquanto isso, o número dos cheques emitidos caiu 7,1% e os pagamentos por cartões de crédito e débito cresceram 23%.
As instituições esforçam-se para garantir mais espaço neste cenário. Depois de seis anos gastando em média R$ 17,8 bilhões anuais com tecnologia, no ano passado a conta chegou a R$ 22 bilhões, dos quais R$ 6,6 bilhões foram voltados a investimentos - 29% da verba total foram aportados em hardware, mas a maior expansão foi no segmento de software in house, refletindo o foco em integração de sistemas internos.
"O maior desafio é desenvolver aplicações padronizáveis e portáveis que funcionem na agência, no desktop, no celular ou no tablet", diz Paulo Lessa, vice-presidente de vendas da CPM Braxis Capgemini.
Um dos exemplos é o Bradesco. Só no primeiro semestre, foram mais de R$ 1,7 bilhão aplicados em TI. De acordo com Luca Cavalcanti, diretor de canais digitais Dia & Noite, os ambientes digitais respondem por 90% das transações do banco. Diariamente, são 2 milhões de visitas aos 80 sites na internet e 1,1 milhão de ligações no call center, 90% delas atendidas automaticamente. Mas é o celular que vai revolucionar a experiência do cliente, avalia ele. Com 7 milhões de transações mensais em aparelhos móveis, o desafio, diz, é simplificar o uso.
Um exemplo é a criação de produtos como a conta bônus celular para os que são usuários de correspondentes bancários, que têm tarifas revertidas em minutos de ligações. No total, são mais de 600 transações e serviços disponíveis.
Tendência do futuro é a migração para celulares
No futuro, a tendência é a migração do plástico para o celular, segundo Paulo Rogério Caffarelli, vice-presidente de negócios varejo do Banco do Brasil, que firmou parceria com a Oi para lançar um cartão-convênio com opção de plástico ou celular e tem serviços como o Saque Sem, por meio do qual quem perde o cartão pode receber um código por SMS para saques. "Ainda este ano vai ser possível acionar o terminal sem uso de cartão, por SMS ou foto", descreve o gerente geral da unidade gestão de canais do BB, Hideraldo Dwight Leitão.
No ano passado, o banco lançou um serviço de remessa de valores para celulares de não correntistas, que podem sacar o dinheiro em qualquer terminal, sem cartão. Como soluções fáceis deste tipo colaboram para a bancarização de classes emergentes, usuárias de correspondentes bancários, no mês que vem será testada a integração com esse canal. "Vamos aproveitar transações que as pessoas já fazem e migrá-las para o celular. É uma forma de promover a inclusão bancária", diz Leitão.
"O celular é pauta de todo mundo", resume Alexandre de Barros, vice-presidente do Itaú, que trabalha com entidades como Federação Brasileira de Bancos (Febraban) e Associação Brasileira das Empresas de Cartões de Crédito e Serviços (Abecs) para reforçar os benefícios do cartão ao mesmo tempo em que promove experiências com o uso do celular ligadas com Visa, Mastercard e Redecard - com uso de SMS e tecnologia de aproximação. Segundo Barros, os últimos lançamentos do banco miraram em smartphones, tablets e celulares, com aplicativos específicos desenvolvidos para cada terminal. Um deles, para empresas, combina internet com celular para aprovação remota de pagamentos. "Em segmentos corporativos menos automatizados, a curva de transações na internet cresce entre 40% e 50% graças ao smartphone", registra o executivo.
Entre os bancos globais, Santander e HSBC também focam o mobile banking. O primeiro deve ter até o fim do ano soluções para celulares de menor capacidade - hoje oferece serviços para plataformas como Android, iPhone e Blackberry. A princípio, sempre vinculados à internet, por garantia de segurança, com projeto de disponibilização apartada na medida da massificação do uso. "Sem divulgação, em uma semana foram mais de 50 mil usuários usando a solução móvel", contabiliza o CIO do Santander, Antonio Coutinho, atestando o poder desse usuário no boca a boca nas redes sociais, uma novidade em termos de marketing.
O HSBC oferece aplicativo móvel que permite efetuar pagamento de serviços públicos, títulos e taxas, entre outras. Criada em Java, a solução ganhou recentemente versões para smartphones. "Com o celular, conseguimos realmente entregar o serviço ao cliente onde quer que ele esteja, no momento que ele desejar", resume o diretor de canais
Tecnologia a serviço do cliente é alvo dos bancos
Conveniência e relacionamento marcarão o banco do futuro. As instituições entenderão melhor o cliente, a partir de dados internos ou captados em ambientes como redes sociais, para fornecer produtos e serviços mais adequados por meio de canais integrados e disponíveis ininterruptamente. Os equipamentos móveis ganham destaque e tendem a ter maior relevância com a adoção, pelos bancos, do modelo de operadora móvel virtual (MVNO). Mas o ambiente digital não substituirá o mundo físico.
Ao contrário do previsto alguns anos atrás, as agências não desaparecerão, mas serão confortáveis, com tecnologia abundante para inspirar e educar o cliente para o uso do auto serviço, com equipe a postos para consultas e negócios. Para Luiz Rodrigo Silva, sócio diretor da Accenture, o banco do futuro será regido por sustentabilidade, simplificação, personalização, presença constante e renovação. "O banco se adapta para atender o cliente que nunca vai à agência e elas ficam mais clean e sofisticadas, com painéis interativos e áreas diferenciadas de acordo com a necessidade de cada usuário", diz.
O Citibank incorporou esses conceitos no projeto Smart Banking, criado no Japão, que deve chegar ao Brasil a partir do próximo ano. Para atrair clientes refratários aos processos tradicionais, o banco priorizou valores como conveniência, facilidade, relevância e relacionamento pessoal e criou um ecossistema que inclui internet, aparelhos móveis, terminais de atendimento eletrônico (ATMs), quiosques, atendimento telefônico e por vídeo, mini agências em shoppings e aeroportos e agências equipadas com painéis interativos e equipe consultiva. "A filosofia é atrair, engajar e conectar parte da interação de todos os pontos de contato e chegar ao suporte de relacionamento", explica Luiz Coimbra, superintendente de canais remotos.
De acordo com Murilo Portugal, da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), na medida em que os meios eletrônicos prevalecerem no futuro, as agências tendem a se transformar em centros de orientação ao cliente e geração de negócios, reduzindo a execução de transações. "O contato pessoal é sua vocação. Tirando processos que requerem a presença do cliente, como abertura de conta, todo o relacionamento com os bancos já pode ser feito de maneira eletrônica", observa. Segundo ele, a tecnologia colabora para colocar o cliente no centro dos negócios, respeitar suas preferências e customizar ofertas, promovendo a acessibilidade às instituições em qualquer momento e local com apoio dos múltiplos canais.
Para Paulo Lessa, vice-presidente de vendas da CPM Braxis Capgemini, as transações corriqueiras, principalmente para correntistas de baixa renda ou usuários sem contas-correntes, migrarão para canais como correspondentes bancários e celulares. A agência tradicional se voltará a negócios e consultoria, como investimentos, enquanto o internet banking migrará para o ambiente móvel e as ATMs tendem a se transformar em totens de auto serviço na medida em que o papel moeda for substituído pela moeda virtual. "Se hoje é inconcebível a um banco não ter transações por internet, em dois ou três anos ocorrerá o mesmo com a tecnologia móvel", prevê.
Pesquisa mundial realizada pela Capgemini mostra que o Brasil é o mercado mais maduro dos BRICs (Brasil, Rússia, Índia e China),no que diz respeito a meios de pagamentos, especialmente em função do crescimento dos cartões. Segundo Lessa, o cartão deixará de ser de plástico, podendo ser incorporado ao mobile payment.
Como aposta em mobilidade, o Banco do Brasil manifestou interesse à Anatel pelo modelo de operadora móvel virtual (MVNO), ao lado de Itaú, Bradesco e Santander. "O conceito interessa para a estratégia de canais do banco. Mas precisamos ter bases mais completas de custos", diz Hideraldo Dwight Leitão, gerente geral da unidade gestão de canais. Mas a estratégia só faz sentido com a integração do consumo de telefonia celular às transações bancárias.
Céu de brigadeiro para o crescimento da indústria de cartões no mercado brasileiro
Turbulências econômicas, alta do dólar e ameaça de inflação. Nada disso tira o sono do setor de cartões no Brasil. Com a perspectiva de crescer 23% este ano na comparação com 2010, segundo a Associação Brasileira das Empresas de Cartões de Crédito e Serviços (Abecs), as empresas do segmento apostam num ritmo de expansão de dois dígitos nos próximos anos. Mesmo que o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) não seja tão alto. "O setor vem crescendo cerca de 20% ao ano, mais do que em qualquer lugar do mundo, há mais de dez anos e não há nuvens no horizonte", diz Paulo Caffarelli, vice-presidente da Abecs.
A razão de tanto otimismo: o Brasil é um mercado ainda em maturação. "Hoje, apenas 25% dos pagamentos são realizados por meio de cartões de crédito", explica o diretor-geral da Visa do Brasil, Rubén Osta. Na soma com cartões de débito e os das lojas, os private labels, o volume chega a 44%. "Existe um potencial gigantesco de migração desses outros 56%, feitos com outros meios, como dinheiro e cheque, para a indústria de cartões." Para 2015, a Abecs projeta que o cartão de crédito responderá por 45% de todo o consumo no Brasil.
O setor mantém um forte ritmo de alta mesmo em anos de baixo crescimento econômico. Entre 2008 e 2009, auge da crise financeira internacional e que derrubou o PIB brasileiro, o setor cresceu cerca de 18%. "A tendência é de forte expansão, em qualquer cenário, para os próximos anos", diz João Pedro Paro, vice-presidente comercial da Mastercard Brasil.
Para estimular o processo de migração, as principais bandeiras procuram ampliar o leque de produtos. "Queremos estar no dia a dia do consumidor, com um portfólio de produtos adequado às necessidades dos diferentes tipos de público", diz Osta. Essa visão ambiciosa leva a Visa a oferecer desde cartões alimentação a produtos voltados apenas para viagens ou exclusivos para as classes A e B.
Outros fatores impulsionam o setor, como a expansão da economia e do potencial do mercado de consumo. Um desses elementos é o crescimento da classe média, com a migração de 30 milhões de consumidores das classes D/E para C/D, público disputado por todas as empresas. "Estamos trabalhando fortemente com esse segmento", diz Paro, da Mastercard. "Temos um programa de pontos, o Surpreenda, para oferecer vantagens para as classes C e D."
A sinergia entre a indústria de cartões e os bancos emissores também é importante para o segmento - a entrada de novos clientes no sistema bancário ajuda essa indústria e vice-versa. "O cartão é um forte instrumento de bancarização, dando acesso a serviços financeiros para milhares de pessoas que não possuem conta bancária. Foi exatamente o que o Bradesco e o Banco do Brasil fizeram com a bandeira Elo ", observa Caffarelli.
Uma área com grande potencial de crescimento é a de cartões pré-pagos. Trata-se de atingir um público sem produtos de pagamento eletrônico, mas com dinheiro para recarregar o celular pré-pago. "A indústria precisa criar uma estratégia para chegar a esse cliente", adverte o executivo da Visa. Paro, da Mastercard, observa que o pré-pago pode ser a porta de entrada para produtos mais elaborados.
Já o setor varejista brasileiro não pode viver sem os cartões. Estudo da Abecs em parceria com a Datafolha mostra que os meios eletrônicos de pagamento foram responsáveis por 55% do faturamento das lojas no ano passado. A pesquisa apresenta outros sinais otimistas. No segundo semestre de 2010, 71% dos entrevistados tinham cartões para pagamentos e 67% utilizavam esse meio habitualmente. Os meios eletrônicos já superavam o uso do dinheiro nas grandes cidades, onde 44% dos gastos foram realizados com cartões de crédito, débito ou private label - 40% eram feitos com dinheiro.
Para alguns, existe uma barreira cultural a ser vencida. "O uso do dinheiro ainda está muito arraigado na cultura do povo", diz Paro, da Mastercard. Mas os esforços das empresas estão dando resultado. A pesquisa indica que 52,3% dos possuidores de meios eletrônicos de pagamento davam preferência aos cartões para efetuar suas compras. Entre os não possuidores, a predileção pelo dinheiro chegava a 96%.
A possibilidade de parcelamento é o principal fator de atração para 26% dos entrevistados com cartões. Mas o risco de aumento da inadimplência não parece tirar o sono das empresas do setor. "Não temos percebido nenhum temor nesse sentido", diz Paro, da Mastercard. Para evitar o problema, a indústria mantém um programa de consumo consciente e, ao mesmo tempo, trabalha a modelagem dos cartões para ajudar a gestão de risco dos emissores.
Classe C começa a vencer a resistência aos plásticos
Por Lázaro de Souza Para o Valor, de São Paulo
Embora ainda tenham certa resistência ao uso de cartão de crédito, as classes C, D e E vêm mudando esse comportamento. A estabilidade econômica e o fim da inflação, aliadas ao aumento da renda dos últimos anos, fizeram com que esse público passasse a enxergar no cartão um instrumento confiável de crédito. "Hoje, a cada 12 cartões de crédito expedidos pelas administradoras, sete estão nas mãos de pessoas da classe C", afirma Renato Meirelles, diretor do Instituto Data Popular, especializado em estudos das camadas C, D e E.
Diferentemente das classes A e B que usam o cartão por uma questão de comodidade, para o consumidor das classes C, D e E, o cartão é efetivamente um instrumento de crédito. "O cartão funciona como um tapa buraco. Esse mecanismo permite parcelar a compra em três vezes sem juros", explica Meirelles
O levantamento da Data Popular mostra que 49% dos consumidores das classes C e D sentem-se confortáveis com o uso de cartão de crédito, ante 67% das pessoas das classes A e B. Para Meirelles, algumas pessoas das classes mais populares tiveram experiências ruins com esse instrumento de crédito e isso criou resistências ao cartão. Isso sem falar no fato de que algumas delas compraram compulsivamente e depois enfrentaram dificuldade na hora do pagamento, o que contribuiu para gerar uma percepção negativa do meio de pagamento. "Há casos de pessoas que chegam ao extremo de pedir aos familiares para esconder o cartão para não "cair na tentação" de usá-lo de forma descontrolada", conta o diretor do Data Popular.
Há também uma mensagem equivocada por parte das administradoras. "Em alguns casos, elas desqualificam o usuário pobre, com as classificações de classe "platinum", "ouro" e outras denominações. Assim, dão a entender que quem não tem aquelas categorias de cartões estão alijados do processo consumidor", diz. "Isso está mudando com as classificações por afinidades e grupos, não mais focados na renda e, sim, em categorias".
Outra pesquisa recente da Visa confirma o expressivo aumento no uso dos cartões entre as classes de renda mais baixas. Em 2010, 71% das compras feitas pela classe C na internet e 54% dos pagamentos de passagens aéreas foram feitos com cartão de crédito. O estudo aponta ainda que os hábitos de utilização dos cartões são bem semelhantes aos das demais classes sociais.
O estudo da Visa aponta a existência de um amplo espaço para crescimento. Nas áreas de restaurantes e lojas de conveniências, por exemplo, os pagamentos em dinheiro pela classe C ainda são maioria: 69% e 76%, respectivamente. "Gradativamente, as classes de renda mais baixas abandonarão dinheiro e cheques como meio de pagamento", avalia Percival Jabotá, diretor de produtos sênior da Visa do Brasil.
Diferentemente das classes A e B que usam o cartão por uma questão de comodidade, para o consumidor das classes C, D e E, o cartão é efetivamente um instrumento de crédito. "O cartão funciona como um tapa buraco. Esse mecanismo permite parcelar a compra em três vezes sem juros", explica Meirelles
O levantamento da Data Popular mostra que 49% dos consumidores das classes C e D sentem-se confortáveis com o uso de cartão de crédito, ante 67% das pessoas das classes A e B. Para Meirelles, algumas pessoas das classes mais populares tiveram experiências ruins com esse instrumento de crédito e isso criou resistências ao cartão. Isso sem falar no fato de que algumas delas compraram compulsivamente e depois enfrentaram dificuldade na hora do pagamento, o que contribuiu para gerar uma percepção negativa do meio de pagamento. "Há casos de pessoas que chegam ao extremo de pedir aos familiares para esconder o cartão para não "cair na tentação" de usá-lo de forma descontrolada", conta o diretor do Data Popular.
Há também uma mensagem equivocada por parte das administradoras. "Em alguns casos, elas desqualificam o usuário pobre, com as classificações de classe "platinum", "ouro" e outras denominações. Assim, dão a entender que quem não tem aquelas categorias de cartões estão alijados do processo consumidor", diz. "Isso está mudando com as classificações por afinidades e grupos, não mais focados na renda e, sim, em categorias".
Outra pesquisa recente da Visa confirma o expressivo aumento no uso dos cartões entre as classes de renda mais baixas. Em 2010, 71% das compras feitas pela classe C na internet e 54% dos pagamentos de passagens aéreas foram feitos com cartão de crédito. O estudo aponta ainda que os hábitos de utilização dos cartões são bem semelhantes aos das demais classes sociais.
O estudo da Visa aponta a existência de um amplo espaço para crescimento. Nas áreas de restaurantes e lojas de conveniências, por exemplo, os pagamentos em dinheiro pela classe C ainda são maioria: 69% e 76%, respectivamente. "Gradativamente, as classes de renda mais baixas abandonarão dinheiro e cheques como meio de pagamento", avalia Percival Jabotá, diretor de produtos sênior da Visa do Brasil.
Consumidor bancário avalia mal serviços no Brasil
Valor 29/09
Uma pesquisa recente feita pela consultaria Bain & Company confirma aquilo que muitos brasileiros já desconfiavam - e órgãos de defesa do consumidor sempre alertaram: a qualidade do serviço prestado pelos bancos deixa (e muito) a desejar.
O levantamento, apresentado com exclusividade ao Valor, teve por objetivo medir o grau de lealdade dos clientes em relação às instituições financeiras. Cerca de mil pessoas responderam, ao longo do primeiro semestre, o quanto estariam dispostas a recomendar determinada empresa a amigos e parentes, numa escala de zero a dez. Reunidas, essas notas deram origem, posteriormente, ao índice NPS (nota de promotores líquidos, em livre tradução).
O resultado apresentado pelos bancos no Brasil pode ser considerado decepcionante. Se, nos Estados Unidos, bancos líderes de mercado exibem NPS de 70 a 80 pontos, aqui a média é negativa em 8 pontos. Na categoria bancos de varejo, Itaú Unibanco ocupa o primeiro lugar no ranking de lealdade do cliente, com um NPS de 9 pontos. A Caixa Econômica Federal (CEF) aparece na segunda colocação, com um NPS negativo de 9 pontos.
"A fotografia deixa claro que há muito espaço para melhora", afirma Rodolfo Spielmann, sócio da Bain & Company, para quem um NPS de 50 pontos seria aceitável. Embora o levantamento tenha abrangido as principais instituições financeiras do mercado, somente os dois primeiros lugares tiveram seus nomes revelados pela consultoria.
O índice de lealdade é calculado com base nas notas de recomendação atribuídas pelos clientes. Dependendo da nota, esse consumidor pode ser classificado como promotor (9 e 10), passivo (7 e 8) ou detrator (0 a 6). O NPS é resultado da subtração do número de promotores pelo de detratores. Os passivos não entram no cálculo. Se o índice é negativo, significa, portanto, que a instituição tem mais detratores do que promotores.
Em uma indústria cada vez mais automatizada, curiosamente, é o contato interpessoal o grande responsável pela lealdade dos clientes. De acordo com as respostas dos entrevistados, mais do que tarifa ou produto, é a qualidade do atendimento que responde como principal fator de promoção - ou detração - de um banco.
Os clientes de alta renda parecem mais satisfeitos. A pesquisa da Bain & Company mediu também a lealdade na categoria "bancos premium" e o resultado do índice de lealdade se mostra bem superior. O HSBC Premier é líder, com NPS médio de 44 pontos, seguido do Itaú Personnalité, com índice de 38 pontos. "Quanto mais pesquisas são feitas, mais se chega a conclusões básicas: todos estão em busca de um bom serviço, seja num banco ou em qualquer outro segmento, especialmente se o público for de alta renda", afirma Paulo Silva, diretor do segmento Premier do HSBC.
O banco inglês tem se esforçado para "mimar" seus clientes. Dobrou o quadro de gerentes de relacionamento para clientes "Premier" de 320 para 650 do ano passado para cá e, nesse mesmo período, passou a adotar a metodologia do NPS criada pela Baind & Company. "Levamos tão a sério a pesquisa que mensalmente dez clientes de cada um dos nossos gerentes são escolhidos para avaliar o serviço do banco", conta Silva.
Mas, apesar de as notas serem bem superiores àquelas obtidas pelos bancos de varejo, a avaliação média do segmento bancário premium piorou desde o último levantamento feito pela consultoria sobre lealdade do cliente, em 2007. O NPS médio dos bancos "premium" recuou de 21 pontos para 17 pontos.
As mudanças ocorridas no setor bancário de lá para cá, notadamente os movimentos de fusão e aquisição, comprometeram a qualidade do atendimento, observa Spielmann. Nos bancos de varejo, o índice que era negativo em 14 pontos quatro anos atrás apresentou uma ligeira melhora e passou, em 2011, para -8 pontos.
A correlação que o índice NPS guarda com o comportamento dos consumidores, no dia a dia dos negócios, pode ser traduzido em maior ou menor lucratividade, segundo Spielmann. Além de propenso a recomendar outros clientes, o "promotor" compra mais produtos. A receita trazida por um cliente avaliado como promotor é, de acordo com a pesquisa, aproximadamente 80% superior à renda produzida por um detrator em um banco de varejo.
Por qual motivo, então, os bancos não se esforçariam para servir bem a esse cliente tão rentável? O argentino Spielmann responde a questão com outra pergunta: "Você já viu o quanto é difícil encerrar uma conta corrente no Brasil"?
Os obstáculos para se fechar uma conta explicam também o fato de o serviço prestado pelos bancos exercer pouca (ou nenhuma) influência sobre o tempo de relacionamento que o cliente mantém com as instituições. Em segmentos nos quais a substituição de produtos é mais simples, como cartão de crédito e seguro de automóvel, os clientes avaliados como "promotores" tendem a permanecer fiéis por mais tempo - e vice-versa.
Uma pesquisa recente feita pela consultaria Bain & Company confirma aquilo que muitos brasileiros já desconfiavam - e órgãos de defesa do consumidor sempre alertaram: a qualidade do serviço prestado pelos bancos deixa (e muito) a desejar.
O levantamento, apresentado com exclusividade ao Valor, teve por objetivo medir o grau de lealdade dos clientes em relação às instituições financeiras. Cerca de mil pessoas responderam, ao longo do primeiro semestre, o quanto estariam dispostas a recomendar determinada empresa a amigos e parentes, numa escala de zero a dez. Reunidas, essas notas deram origem, posteriormente, ao índice NPS (nota de promotores líquidos, em livre tradução).
O resultado apresentado pelos bancos no Brasil pode ser considerado decepcionante. Se, nos Estados Unidos, bancos líderes de mercado exibem NPS de 70 a 80 pontos, aqui a média é negativa em 8 pontos. Na categoria bancos de varejo, Itaú Unibanco ocupa o primeiro lugar no ranking de lealdade do cliente, com um NPS de 9 pontos. A Caixa Econômica Federal (CEF) aparece na segunda colocação, com um NPS negativo de 9 pontos.
"A fotografia deixa claro que há muito espaço para melhora", afirma Rodolfo Spielmann, sócio da Bain & Company, para quem um NPS de 50 pontos seria aceitável. Embora o levantamento tenha abrangido as principais instituições financeiras do mercado, somente os dois primeiros lugares tiveram seus nomes revelados pela consultoria.
O índice de lealdade é calculado com base nas notas de recomendação atribuídas pelos clientes. Dependendo da nota, esse consumidor pode ser classificado como promotor (9 e 10), passivo (7 e 8) ou detrator (0 a 6). O NPS é resultado da subtração do número de promotores pelo de detratores. Os passivos não entram no cálculo. Se o índice é negativo, significa, portanto, que a instituição tem mais detratores do que promotores.
Em uma indústria cada vez mais automatizada, curiosamente, é o contato interpessoal o grande responsável pela lealdade dos clientes. De acordo com as respostas dos entrevistados, mais do que tarifa ou produto, é a qualidade do atendimento que responde como principal fator de promoção - ou detração - de um banco.
Os clientes de alta renda parecem mais satisfeitos. A pesquisa da Bain & Company mediu também a lealdade na categoria "bancos premium" e o resultado do índice de lealdade se mostra bem superior. O HSBC Premier é líder, com NPS médio de 44 pontos, seguido do Itaú Personnalité, com índice de 38 pontos. "Quanto mais pesquisas são feitas, mais se chega a conclusões básicas: todos estão em busca de um bom serviço, seja num banco ou em qualquer outro segmento, especialmente se o público for de alta renda", afirma Paulo Silva, diretor do segmento Premier do HSBC.
O banco inglês tem se esforçado para "mimar" seus clientes. Dobrou o quadro de gerentes de relacionamento para clientes "Premier" de 320 para 650 do ano passado para cá e, nesse mesmo período, passou a adotar a metodologia do NPS criada pela Baind & Company. "Levamos tão a sério a pesquisa que mensalmente dez clientes de cada um dos nossos gerentes são escolhidos para avaliar o serviço do banco", conta Silva.
Mas, apesar de as notas serem bem superiores àquelas obtidas pelos bancos de varejo, a avaliação média do segmento bancário premium piorou desde o último levantamento feito pela consultoria sobre lealdade do cliente, em 2007. O NPS médio dos bancos "premium" recuou de 21 pontos para 17 pontos.
As mudanças ocorridas no setor bancário de lá para cá, notadamente os movimentos de fusão e aquisição, comprometeram a qualidade do atendimento, observa Spielmann. Nos bancos de varejo, o índice que era negativo em 14 pontos quatro anos atrás apresentou uma ligeira melhora e passou, em 2011, para -8 pontos.
A correlação que o índice NPS guarda com o comportamento dos consumidores, no dia a dia dos negócios, pode ser traduzido em maior ou menor lucratividade, segundo Spielmann. Além de propenso a recomendar outros clientes, o "promotor" compra mais produtos. A receita trazida por um cliente avaliado como promotor é, de acordo com a pesquisa, aproximadamente 80% superior à renda produzida por um detrator em um banco de varejo.
Por qual motivo, então, os bancos não se esforçariam para servir bem a esse cliente tão rentável? O argentino Spielmann responde a questão com outra pergunta: "Você já viu o quanto é difícil encerrar uma conta corrente no Brasil"?
Os obstáculos para se fechar uma conta explicam também o fato de o serviço prestado pelos bancos exercer pouca (ou nenhuma) influência sobre o tempo de relacionamento que o cliente mantém com as instituições. Em segmentos nos quais a substituição de produtos é mais simples, como cartão de crédito e seguro de automóvel, os clientes avaliados como "promotores" tendem a permanecer fiéis por mais tempo - e vice-versa.
quarta-feira, 28 de setembro de 2011
Derivados puxam déficit do petróleo
Valor 28/09
A autossuficiência brasileira em petróleo não tem conseguido se traduzir em oferta de derivados. A falta de investimento no parque de refino impediu que o volume de derivados disponível no mercado interno acompanhasse o crescimento da produção de óleo bruto.
Um quadro de abastecimento delicado, marcado pelo aquecimento da economia doméstica, aumento da venda de veículos e escassez de álcool combustível, tem agravado a situação. Por falta de capacidade de refino, o país descalibrou a balança comercial no setor. Até agosto, o déficit aumentou 10% e foi US$ 5,4 bilhões, resultado do saldo positivo de US$ 5,1 bilhões nas vendas de óleo bruto e do déficit de US$ 10,5 bilhões nas importações de derivados. Para o ano, a diferença pode chegar a 23%, com saldo negativo de US$ 8,6 bilhões, projeta o economista Fábio Silveira, da RC Consultores, com base nos dados da Secretaria de Comércio Exterior (Secex), do Ministério do Desenvolvimento.
Tradicional importador de óleo diesel, óleo combustível e nafta petroquímica, o Brasil acentuou suas compras nos últimos anos, em virtude do aquecimento econômico. No caso do diesel, por exemplo, o aumento da produção agrícola empurrou o consumo para cima tanto na lavoura - pelo uso intensivo de máquinas - quanto no transporte, basicamente rodoviário. Mas o que mais preocupa é a retomada das importações de gasolina em 2010, que o país praticamente havia abandonado. O motivo é simples: aumento do consumo doméstico, motivado pela melhoria da renda e aumento nas vendas de veículos. Enquanto a economia brasileira cresceu 7,5% em 2010, o consumo de gasolina aumentou mais de 18% no ano, segundo a Petrobras.
Embora mais de 85% dos carros produzidos hoje no país sejam bicombustíveis (a etanol e gasolina), segundo a Anfavea (associação das montadoras), a redução da produção de etanol (perto de 11% no ano-safra 2011/2012) e o consequente aumento de preço retiraram o álcool do cardápio de vários consumidores, especialmente nos Estados mais distantes dos principais centros produtores. Como o preço da gasolina nas refinarias da Petrobras encontra-se sem alteração desde abril de 2009, o aumento do combustível de cana o torna desvantajoso, aumentando a demanda pela gasolina - e pressionando as importações.
No primeiro semestre deste ano, o consumo de derivados de petróleo líquidos aumentou 7%, afirma Paulo Roberto Costa, diretor de abastecimento da Petrobras. A gasolina destoou da média, crescendo mais que o dobro no mesmo período: 15%.
As refinarias têm recebido melhorias e obtido ganhos de produtividade, mas estão com a capacidade no limite, confirma Costa. A demanda de gasolina no país é de 2 milhões de barris por dia, segundo a Petrobras, mas a estatal hoje só tem capacidade para refinar 1,85 milhão de barris equivalentes por dia. O executivo acredita que o problema só será resolvido na segunda metade da década, quando as novas refinarias em projeto e construção pela estatal começarem a operar.
A Petrobras tem seis unidades em construção ou projeto, das quais apenas uma, em Pernambuco, entra em operação no curto prazo (2012). Outra, a ampliação da unidade do Rio Grande do Norte, já está em funcionamento. As demais só começam a funcionar depois de 2014 (primeira etapa da nova unidade do Rio de Janeiro), 2016 (Maranhão) e 2018 (Ceará e, provavelmente, segunda etapa do Rio). Com os investimentos, a estatal espera estar apta a atender a demanda projeta para 2020, de 3,2 milhões de barris diários de derivados.
Importações devem se manter por até três anos
A retomada do investimento em refinarias ocorre depois de mais de 30 anos de inércia, comenta Adriano Pires, fundador do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE) e ex-diretor da Agência Nacional do Petróleo (ANP). Enquanto esses investimentos não estiverem em pé a tendência é "acentuar essa característica de exportar petróleo e importar derivados", afirma. Pires projeta que essa situação vai perdurar por mais "três ou quatro anos".
"Por enquanto vamos conviver com déficits dessa natureza", diz Fábio Silveira, da RC Consultores. "Temos uma capacidade de refino limitada e, portanto, uma necessidade de importação que vai persistir nos próximos dois, três anos, tendo em vista o cenário de crescimento da economia."
Para o economista, o principal responsável pelo aumento do déficit é a elevação do preço do petróleo no mercado global. Com base na balança comercial do setor apurada junto à Secex, Silveira calcula que apenas "uns 2% ou 3%" do aumento das exportações de petróleo bruto e das importações de derivados decorrem do ganho de volume. O crescimento de 44% nas vendas e de 36,5% nas compras deriva principalmente da elevação das cotações da commodity. O preço médio do petróleo subiu cerca de 40% este ano em relação a 2010.
As projeções para o mercado internacional indicam que os preços do petróleo podem oferecer um pequeno alívio na conta de importações, mas dificilmente vão mudar a tendência. De acordo com o diretor de abastecimento da Petrobras, Paulo Roberto Costa, a estatal projeta manutenção das cotações internacionais do óleo bruto nos patamares atuais, em torno de US$ 110 por barril, ao longo dos próximos meses. "Não existe nenhum indicador mundial que mostre que o petróleo terá preços abaixo de US$ 100 por barril", afirma Costa. Segundo ele, apesar da recessão nos Estados Unidos e Europa, "o mundo está conseguindo pagar esse preço".
Adriano Pires trabalha com projeções de preços entre US$ 80 e US$ 100 por barril. A queda para o valor mais baixo ocorreria em caso de agravamento da crise internacional e retração do consumo nos países ricos. Mesmo assim, esse cenário ainda não está inteiramente desenhado, diz o executivo do CBIE. "Essa crise está mal resolvida. Não se sabe se vai ser intensa ou não."
Para Pires, a queda dos preços internacionais está muito condicionada ao comportamento das economias em desenvolvimento. "Quem dá a dinâmica hoje do crescimento do consumo de petróleo são os países emergentes, como China, Brasil, Índia, embora os EUA ainda sejam os maiores consumidores mundiais", diz. Principalmente porque, enquanto os países ricos reajustam os preços dos derivados em seus mercados internos quando o preço do petróleo sobe, os emergentes seguram a alta ou não repassam o reajuste inteiro, estimulando o consumo.
As projeções internacionais indicam crescimento menor, mas não retração no uso do petróleo. A Agência Internacional de Energia (em inglês, IEA) prevê para 2011 redução de 0,2% a 0,5% na previsão inicial de consumo. Ainda assim, o consumo projetado para este ano, 89,6 milhões de barris/dia, ainda é 2% maior que o de 2010. Mas os principais compradores, os países da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico, já reduziram o consumo em 0,8%. Para 2012, a IEA projeta consumo de 90,7 milhões de barris diários - na média, um crescimento apenas vegetativo de 1,2%, puxado por países emergentes, como Brasil e China.
Risco de "acidente de percurso" motivou corte da Selic, diz Tombini
Valor 28/09
O presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, considerou, ontem, a possibilidade de um "acidente de percurso" como desdobramento da crise na zona do euro. Ele não especificou, mas poderia ser algo como uma moratória efetiva da Grécia ou a quebra de bancos. "O cenário está mais complexo. As probabilidades de ocorrer um acidente de percurso elevaram-se", disse ele durante audiência pública na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado.
Foi com base nesse quadro, assegurou, que o Copom cortou a taxa básica de juros em 0,5 ponto percentual no dia 31 de agosto, decisão que causou grande alvoroço nos mercados. Disse que a deterioração da crise externa nos últimos dias não o surpreendeu, pois estavam claros os sinais de agravamento dos problemas que a economia global enfrenta. Ao reduzir a Selic, o Copom levou em conta as perspectivas de baixo crescimento nas economias desenvolvidas, a diminuição do ritmo de crescimento da China e a decisão do Fed (banco central americano) de postergar para meados de 2013 a normalização das condições monetárias.
As últimas expectativas são de contração do PIB na Europa no último trimestre deste ano e, nos EUA, no primeiro trimestre de 2012, citou.
Tombini lembrou que o BC participa dos principais fóruns internacionais e isso o capacita para análises mais apuradas sobre a economia mundial. "Só não temos bola de cristal para prevermos a quebra de um país ou de uma instituição financeira. Mas temos capacidade para avaliar o quadro", disse.
Ele sustentou que a inflação doméstica está sob controle e calculou que não mais do que 5% da desvalorização sofrida pelo real recentemente serão repassados à inflação do IPCA. Confia, também, que ainda há chance de a inflação, este ano, não superar o teto da meta, de 6,5%.
"A inflação hoje está na faixa de 7,3% O teto da meta é 6,5%. Nós entendemos que será possível passar por debaixo do teto da meta. A inflação estará ao redor deste nível no fim do ano, o que representará um recuo em torno de 1 ponto percentual em torno do que está hoje", previu.
De maio a setembro com base no IPCA-15), a média da inflação no Brasil foi de 0,34%. Taxa que, anualizada, representa uma inflação acumulada em doze meses de 4,11% - abaixo do centro da meta de 4,5%. No período imediatamente anterior - entre setembro de 2010 e abril de 2011 - essa média foi bem maior, de 0,77%.
O quadro externo, de baixo crescimento, trará um movimento desinflacionário. Soma-se a isso o fato da economia brasileira já estar em processo de crescimento mais moderado, o que o leva a sustentar que a inflação convergirá para o centro da meta, de 4,5%, em 2012. Aos senadores, Tombini reiterou também a expectativa de que entre outubro e abril/maio de 2012 a inflação acumulada em doze meses caia 2 pontos percentuais, saindo do pico do índice este mês, de mais 7%, para a casa dos 5%.
Ao expor a situação externa na CAE, alertou para a necessidade de as lideranças europeias agirem rapidamente para evitar o risco de "eventos de crédito". Segundo ele, o mundo entrou num ciclo vicioso. Ao mesmo tempo em que aumenta a percepção de risco em relação às dividas soberanas e à solidez dos bancos europeus, o baixo crescimento econômico realimenta o problema. Quanto menor o crescimento mais tempo levará para que as dívidas soberanas caiam como proporção do Produto Interno Bruto (PIB).
"A elevada relação dívida/PIB das economias maduras afetou a percepção do risco dos títulos dessas economias pelos mercados", lembrou. A deterioração contaminou as economias mais endividadas da periferia da zona do euro, ou seja, Grécia, Irlanda e Portugal. A falta de solução para esses três casos, no entanto, "contaminou economias de maior porte da região, Espanha, Itália, França e a própria Alemanha", citou.
Em quatro meses houve uma destruição de riqueza mundial de quase US$ 10 trilhões, decorrente da desvalorização das empresas listadas em bolsas, citou.
O presidente do BC negou que existam com o Ministério da Fazenda em relação à taxação dos derivativos e descartou a alteração ou a redução da alíquota de 1% do IOF sobre essas operações. "Sobre esse assunto estamos no mesmo barco", afirmou.
Foi com base nesse quadro, assegurou, que o Copom cortou a taxa básica de juros em 0,5 ponto percentual no dia 31 de agosto, decisão que causou grande alvoroço nos mercados. Disse que a deterioração da crise externa nos últimos dias não o surpreendeu, pois estavam claros os sinais de agravamento dos problemas que a economia global enfrenta. Ao reduzir a Selic, o Copom levou em conta as perspectivas de baixo crescimento nas economias desenvolvidas, a diminuição do ritmo de crescimento da China e a decisão do Fed (banco central americano) de postergar para meados de 2013 a normalização das condições monetárias.
As últimas expectativas são de contração do PIB na Europa no último trimestre deste ano e, nos EUA, no primeiro trimestre de 2012, citou.
Tombini lembrou que o BC participa dos principais fóruns internacionais e isso o capacita para análises mais apuradas sobre a economia mundial. "Só não temos bola de cristal para prevermos a quebra de um país ou de uma instituição financeira. Mas temos capacidade para avaliar o quadro", disse.
Ele sustentou que a inflação doméstica está sob controle e calculou que não mais do que 5% da desvalorização sofrida pelo real recentemente serão repassados à inflação do IPCA. Confia, também, que ainda há chance de a inflação, este ano, não superar o teto da meta, de 6,5%.
"A inflação hoje está na faixa de 7,3% O teto da meta é 6,5%. Nós entendemos que será possível passar por debaixo do teto da meta. A inflação estará ao redor deste nível no fim do ano, o que representará um recuo em torno de 1 ponto percentual em torno do que está hoje", previu.
De maio a setembro com base no IPCA-15), a média da inflação no Brasil foi de 0,34%. Taxa que, anualizada, representa uma inflação acumulada em doze meses de 4,11% - abaixo do centro da meta de 4,5%. No período imediatamente anterior - entre setembro de 2010 e abril de 2011 - essa média foi bem maior, de 0,77%.
O quadro externo, de baixo crescimento, trará um movimento desinflacionário. Soma-se a isso o fato da economia brasileira já estar em processo de crescimento mais moderado, o que o leva a sustentar que a inflação convergirá para o centro da meta, de 4,5%, em 2012. Aos senadores, Tombini reiterou também a expectativa de que entre outubro e abril/maio de 2012 a inflação acumulada em doze meses caia 2 pontos percentuais, saindo do pico do índice este mês, de mais 7%, para a casa dos 5%.
Ao expor a situação externa na CAE, alertou para a necessidade de as lideranças europeias agirem rapidamente para evitar o risco de "eventos de crédito". Segundo ele, o mundo entrou num ciclo vicioso. Ao mesmo tempo em que aumenta a percepção de risco em relação às dividas soberanas e à solidez dos bancos europeus, o baixo crescimento econômico realimenta o problema. Quanto menor o crescimento mais tempo levará para que as dívidas soberanas caiam como proporção do Produto Interno Bruto (PIB).
"A elevada relação dívida/PIB das economias maduras afetou a percepção do risco dos títulos dessas economias pelos mercados", lembrou. A deterioração contaminou as economias mais endividadas da periferia da zona do euro, ou seja, Grécia, Irlanda e Portugal. A falta de solução para esses três casos, no entanto, "contaminou economias de maior porte da região, Espanha, Itália, França e a própria Alemanha", citou.
Em quatro meses houve uma destruição de riqueza mundial de quase US$ 10 trilhões, decorrente da desvalorização das empresas listadas em bolsas, citou.
O presidente do BC negou que existam com o Ministério da Fazenda em relação à taxação dos derivativos e descartou a alteração ou a redução da alíquota de 1% do IOF sobre essas operações. "Sobre esse assunto estamos no mesmo barco", afirmou.
BC vê crédito crescendo acima do previsto
Valor 28/09
A expansão do crédito em 2011 será maior do que previu inicialmente o Banco Central. Em vez de 15%, o saldo dos empréstimos e financiamentos do sistema financeiro deverá ter expansão de 17% em relação a 2010.
A nova projeção foi anunciada ontem pelo chefe do Departamento Econômico do BC, Tulio Maciel, diante, principalmente, do que já ocorreu este ano. Nos oito primeiros meses de 2011, o estoque dessas operações aumentou 10,7%, fechando agosto em R$ 1,888 trilhão. No mês, a expansão foi de 1,7%, o que representou aceleração ante julho, quando o crescimento foi de 1,1%.
A redução da taxa Selic, de 12,5% para 12% ao ano, na última reunião do Copom, pesou na mudança das projeções, admitiu Maciel. A autoridade monetária calcula que, como proporção do Produto Interno Bruto, a carteira de crédito do sistema financeiro fechará o ano em 49%, número também superior ao originalmente projetado. Até então, o BC achava que o saldo chegaria a 48%. Mas no fim de agosto, já equivalia a 47,8% do PIB.
Ainda que acima do inicialmente previsto, o aumento do estoque de empréstimos e financiamentos do sistema financeiro será mais moderado este ano do que foi em 2010. No ano passado, a taxa de expansão ficou em 20,6% sobre 2009.
Tanto bancos públicos quanto bancos privados devem conceder mais crédito do que o previsto até então. Mas a projeção subiu mais para o segmento estatal. A carteira das instituições financeiras controladas pela União e pelos Estados deve crescer 18%. A ampliação das operações dos bancos privados de controle nacional, cuja projeção anterior também era de 15%, chegará 17%. Para os bancos de controle estrangeiro, a projeção manteve-se em 16%.
Em agosto, a carteira dos bancos estatais cresceu 2,2%, mais do que a média do sistema, chegando a R$ 796,9 bilhões. Em oito meses, o saldo acumulou elevação de 11,6%, percentual também superior à média. Já nos 12 meses terminados em agosto, a taxa de expansão foi quase a mesma: 19,3% nos bancos públicos e 19,2% no conjunto das instituições financeiras.
As operações de crédito dos bancos privados de controle nacional expandiram-se 1,2% no mês, 10,3% no ano e 20,8% em doze meses, chegando ao fim de agosto em R$ 766,910 bilhões. No caso dos bancos de controle estrangeiro, cuja carteira é de R$ 325,099, essas taxas de crescimento foram, respectivamente, de 1,9%, 9,7% e 16,4%.
O crédito habitacional é a modalidade que, proporcionalmente, mais cresce e que mais influenciou a decisão do BC de rever suas projeções. O estoque de financiamentos habitacionais subiu 3,7% em agosto, totalizando R$ 180,242 bilhões. No ano, a variação chegou a 29,9% e em doze meses a expressivos 49,3%, superior ao dobro da verificada na soma de todas as modalidades de crédito.
Tulio Maciel disse que, embora um pouco mais acelerada do que se previa, a trajetória de ampliação da oferta de crédito no Brasil continua sustentável. Não há no horizonte de visão do BC qualquer risco de explosão da inadimplência. Consideradas as operações referenciais para apuração de taxas de juros, que refletem as condições de mercado, a inadimplência subiu em agosto, de 5,2% para 5,3%, mas ainda está abaixo do que era no início de 2010 (5,5%). Nos empréstimos e financiamentos a empresas, o percentual de operações com parcelas em atraso há mais de 90 dias, critério de inadimplência adotado pelo BC, ficou em 3,9%, ante 3,8% em julho. Nas operações com pessoas físicas, o percentual também subiu 0,1 ponto, para 6,7%.
O aumento, em ambos os casos, ainda é reflexo da alta de juros que vigorou até julho e das medidas de restrição ao crédito. Mas como o país continuará crescendo, não há razão para se acreditar que as empresas e famílias terão maiores problemas para pagar suas dívidas junto ao sistema financeiro. Além disso, a tendência da taxa de juros ao tomador final é cair com o afrouxamento da política monetária pelo BC. Para as empresas, a taxa média das operações tomadas como referência (quase todo o crédito livre) já caiu em agosto, de 31,4% para 30,9%. Para as pessoas físicas, ainda houve elevação, pois a média saiu de 45,7% para 46,2%.
Medo e rejeição na zona do euro
Por Martin Wolf - Valor 28/09
A reunião anual do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional (FMI) no fim de semana foi um encontro de pessoas assustadas e zangadas. A crise financeira que se abateu sobre o mundo em agosto de 2007 entrou em nova e, sob aspectos cruciais, mais perigosa fase. Está surgindo uma retroalimentação positiva entre bancos e países debilitados, com um efeito potencialmente catastrófico sobre a zona do euro e a economia mundial - a zona do euro não é uma ilha. O que torna esse processo particularmente assustador é que as nações mais fracas são incapazes de enfrentar sozinhas as dificuldades, ao passo que a zona do euro não tem ninguém no comando e pode não dispor da capacidade para enfrentar a crise.
O perigo subjacente está no mais recente relatório de estabilidade financeira do FMI. O documento é convincente e corajoso. E qual é a mensagem? São duas frases: "Quase metade do estoque de € 6,5 trilhões em dívida pública dos governos da área do euro mostra sinais de intensificado risco de crédito"...... "como resultado, os bancos que têm montantes substanciais de dívida soberana de maior risco e volatilidade estão sofrendo pressão nos mercados".
Em seu livro "This Time is Different" (Desta vez é diferente), Kenneth Rogoff, de Harvard, e Carmen Reinhart, do Instituto Peterson de Economia Internacional, explicaram que grandes crises financeiras frequentemente produziram crises de dívida soberana. Esse é o estágio a que o mundo agora chegou, não mais em pequenos países periféricos na zona do euro, mas na Espanha e Itália. O surgimento de dúvidas sobre a capacidade das nações de administrar seu endividamento compromete a percepção de solidez dos bancos, tanto diretamente, pois os bancos detêm grande parte da dívida dos países como indiretamente, devido ao valor cada vez menor da cobertura de seguros sobre os títulos soberanos.
O mundo entrou em nova e perigosa fase. Está surgindo uma retroalimentação positiva entre bancos e países debilitados, com efeito potencialmente catastrófico sobre os países da União Europeia e a economia mundial
O relatório do FMI explica os processos: "Contágios de países emissores de títulos com spread elevado na área do euro afetaram os sistemas bancários locais, mas também se alastararm para instituições em outros países. Além dessas exposições diretas, os bancos assumiram risco soberano indiretamente, emprestando a bancos que detêm títulos soberanos de crédito incerto. Os bancos também estão afetados por riscos soberanos no lado dos passivos em seus balanços patrimoniais, pois as garantias implícitas dos governos foram corroídas, o valor dos títulos públicos usados como garantia caiu, as chamadas de margem aumentaram e rebaixamentos das classificações de crédito dos bancos vieram na esteira de rebaixamentos na pontuação de crédito dos títulos soberanos". À medida que recursos financeiros ficam sob pressão, o crédito encolhe e o setor privado torna-se mais cauteloso, debilitando as economias e e minando a solvência tanto fiscal como financeira.
Na pior das hipóteses, o mundo está à beira de uma grande crise. Por essa razão, autoridades como Tim Geithner, secretário do Tesouro dos EUA, e Christine Lagarde, diretora do FMI, exerceram feroz pressão para que as autoridades da zona do euro ponham-se em ação: os dias de "muito pouco, quase tarde demais", terminaram; não agir prontamente será, simplesmente, tarde demais, argumentam eles.
Então, o que estão exigindo os forasteiros? A resposta é dupla: uma recapitalização das instituições bancárias debilitadas em escala crível e liquidez suficiente para evitar que o pânico deságue em colapso de bancos e de nações vulneráveis. Estão circulando diferentes estimativas sobre os montantes necessários. Os americanos, cientes de sua experiência em 2008 e 2009, recomendam "choque e assombro". Dadas as necessidades de financiamento de bancos e soberanos, isso se traduz em bem mais que €1 trilhão e, muito plausivelmente, vários múltiplos desse número. É o suficiente para deixar atordoado um alemão cauteloso.
Como poderia isso ser feito? Meu colega Peter Spiegel ofereceu um excelente roteiro introdutório em "Europe thinks the unthinkable" (A Europa pensa o impensável). Primeiro, no decorrer de outubro, a zona do euro deveria ter ratificado o modificado Fundo Europeu de Estabilidade Financeira (EFSF, em inglês), no montante de € 440 bilhões. O Fundo seria, então, capaz de injetar capital nos bancos e comprar, no mercado aberto, títulos de governos em dificuldades. Mas esse fundo é muito pequeno. Aparentemente, cinco diferentes planos estão em discussão. Eles envolvem alavancar o dinheiro do EFSF, mediante a emissão de garantias, em vez de empréstimos, ou tomando empréstimos do Banco Central Europeu (BCE) ou nos mercados. A ação precisa ser imediata e a única entidade capaz de fornecer os fundos necessários é o banco central.
Isso funcionaria? Minha resposta a essa pergunta tem sete partes. Primeiro, se for obtido um acordo em torno de ação na escala necessária, isso deverá deter o pânico. Em segundo lugar, poderá ser impossível obter tal consentimento, especialmente se o recursos dependerem fortemente do BCE, pelo menos no curto prazo. Mario Draghi, o próximo presidente do BCE, iria ver-se na desagradável posição de ser obrigado a salvar seu próprio país em meio a queixas da opinião pública alemã contra uma perversão moral de seu banco central.
Em terceiro lugar, depois que os bancos e nações passarem a depender fortemente de financiamento oficial, poderão ver-se em grande dificuldade para retornar ao mercado. Quarto, essas ações não podem resolver a dificuldade mais profunda: os países atualmente não competitivos necessitarão um fluxo considerável de fundos externos por um tempo muito longo, e pouco desse fluxo provavelmente virá do agora temeroso setor privado.
Em quinto lugar, é provável que após tal socorro, os imprudentes simplesmente voltem a praticar seus maus velhos hábitos, tornando necessários socorros renovados. Sexto, será possível fazer cessar transferências internas somente se houver ajustes no interior da zona euro, inclusive nos países superavitários - mas há escassos sinais disso. Assim, a zona do euro corre o risco de transformar-se em uma união de transferência ilegítima. Finalmente, há o perigo de que um programa ambicioso degrade a posição dos países mais saudáveis, embora um colapso possa causar quase igual dano às suas pontuações de crédito.
A zona do euro ainda não decidiu o que será quando crescer. Mas, primeiro, precisa chegar a esse estágio. Os custos de um derretimento seriam graves demais para ser contemplados. Os membros simplesmente tem de impedir isso. Eles não têm outra alternativa sã. (Tradução Sergio Blum)
Martin Wolf é editor e principal comentarista econômico do FT.
terça-feira, 27 de setembro de 2011
Estímulo econômico infla a tensão social na China
Por Tom Orlik | The Wall Street Journal, de Pequim
O programa gigantesco de estímulo econômico da China tem conseguido manter um crescimento de quase dois dígitos, mas também tem causado inflação, endividamento e alimentado outra evolução: a da turbulência social.
A China lidou com 180 mil protestos, tumultos e outros incidentes com multidões em 2010 - mais de quatro vezes o total de uma década antes. Esse número, divulgado por Sun Liping, professor da Universidade Tsinghua, e não por fontes oficiais, não revela o quadro completo da tensão social naquela que é agora a segunda maior economia do mundo.
Mas o que está claro é que o nível de tensão e o número de protestos contra o governo está aumentando. Esse assunto é delicado, já que o Partido Comunista chinês, que governa o país, planeja celebrar em 1º de outubro os 62 anos da fundação da República Popular da China.
Tão preocupante para o Partido Comunista quanto o aumento no número de protestos é o fato de que muitos deles são motivados por injustiças econômicas diárias. A insatisfação social não se limita às áreas de minorias étnicas, como Tibete e Xinjiang. A maioria dos protestos é contra construtoras, que praticam grilagem de terras, e contra abusos de poder de autoridades locais, ou ainda contra construtoras que não pagam salários.
Centenas de pessoas participaram de um protesto na semana passada em Lufeng, cidade da Província de Cantão, motivado por acusações de que terras de moradores locais foram confiscadas para empreendimentos imobiliários. Trabalhadores migrantes em Zengcheng, também em Cantão, incendiaram em junho prédios do governo, depois que policiais empurraram para o chão uma grávida que trabalhava como camelô.
A alta de preços pode não ser a principal causa dos protestos, mas continua sendo uma importante fonte de insatisfação. A inflação foi o maior problema apontado pelos chineses em 2010, segundo uma pesquisa anual de atitudes sociais publicada pela Academia Chinesa de Ciências Sociais; em 2009, era só o quinto de preocupação.
Existe uma razão para a inflação se tornar mais preocupante. Um estímulo monetário amplo em 2009 e 2010 - em que os bancos concederam 17,5 trilhões de yuans (US$ 2,7 trilhões) em novos empréstimos - se traduziu em inflação maior, que se refletiu principalmente no preço dos alimentos. Os problemas pioraram em 2011. Os dados mais recentes mostram que o preço da alimentação subiu 13,4% em agosto, em comparação a um ano antes. Os preços da carne suína, a favorita na China, subiram 52,3% e bateram recorde. A população urbana de baixa renda, que gasta a maior parte do salário com alimentação, é a mais prejudicada pela alta no preço da comida.
O aumento veloz no custo de vida pode afetar a estabilidade social, como ficou claro nos protestos de 1989, que terminaram reprimidos de maneira sangrenta na Praça da Paz Celestial, em Pequim. O desejo de reformas políticas motivou esses protestos, mas a raiva com a alta no preço dos alimentos também foi um fator. Cartazes políticos espalhados pela capital criticavam as refeições suntuosas da elite governamental da China num momento em que os trabalhadores lutavam para sobreviver.
Mais de duas décadas depois, muita coisa mudou. A corrida às lojas em 1989, motivada pela transição do tabelamento governamental para a economia de mercado, foi um dos fatores que impulsionou o custo dos gêneros básicos. O governo não precisa se preocupar com isso desta vez.
Mas algumas coisas continuam as mesmas. "Você não encontra mais tumultos causados pelos alimentos, mas analise a fundo qualquer distúrbio social e descobrirá que a insatisfação com a inflação é um dos fatores", disse Murray Scott Tanner, analista de segurança da consultoria CNA e especialista em China. Os dados respaldam essa análise. Na última década, a alta nos casos de "distúrbio da ordem pública" acompanhou a alta no preço dos alimentos e subiu sensivelmente quando os preços começaram a subir, em 2004 e 2007.
Se a inflação é o barril de pólvora, a fagulha que incendeia os problemas sociais provavelmente virá do confisco de terras. Um boom imobiliário que já dura uma década tornou a terra uma commodity valiosa. As frágeis garantias judiciais ao direito à propriedade privada e as alianças entre incorporadoras e governos locais significam que as terras muitas vezes são confiscadas sem indenização adequada aos moradores.
Veja o exemplo do condado de Xianghe, em Hebei, uma província que faz divisa com Pequim. A imprensa local informou que as autoridades confiscaram de maneira fraudulenta desde 2008 centenas de hectares de produtores rurais, que foram vendidos a incorporadoras para a construção de casas de luxo.
Li, que informou só o último nome por medo de represália, disse que seus pais foram expulsos da casa deles em Xianghe com indenização de apenas 3.000 yuans por metro quadrado, quando o valor de mercado é de mais de 6.000 yuans. Transações como essas aumentam o faturamento dos governos locais em centenas de milhões de yuans, mas à custa das terras e do meio de sustento dos produtores rurais. Autoridades de Xianghe encaminharam as perguntas sobre esse tema para o escritório de relações públicas, onde os telefonemas não foram atendidos.
O caso de Xianghe não é um incidente isolado. Yu Jianrong, especialista em problemas sociais da Academia Chinesa de Ciências Sociais, escreveu em 2010 que disputas relacionadas a terras estavam por trás de 65% dos distúrbios sociais no interior da China.
Esse número pode aumentar. Os governos locais da China passaram os últimos três anos se endividando - 10,7 trilhões de yuans segundo estimativa de junho do Escritório Nacional de Auditoria. As dúvidas sobre a capacidade dos governos locais de pagar essa dívida têm aumentado. A imprensa local divulgou este mês que 85% das cidades devedoras em Liaoning, uma província no nordeste da China, não tinham receita suficiente para pagar os juros das dívidas.
Por que os bancos fizeram tantos empréstimos para projetos em que a expectativa de receber de volta era tão pequena? A resposta são as terras. Segundo o Escritório Nacional de Auditoria, 2,5 trilhões de yuans em empréstimos para governos locais - 23% do total - dependem das vendas de terrenos para pagar as dívidas. Alguns analistas dizem que o porcentual é muito maior.
Os governos locais da China faturaram 2,9 trilhões de yuans com a venda de terras em 2010. Pagar todas as dívidas significará vender quase a mesma quantidade de terras novamente. Se as prefeituras quiserem continuar financiando hospitais, escolas e outros serviços, a consequência é uma alta gigantesca na venda de terras. E o pior é que, à medida que os governos locais encherem o mercado de terrenos para poder pagar suas dívidas, o excesso de oferta pode derrubar os preços, o que elevaria mais a área que teria de ser vendida.
Nem todos os produtores rurais prestes a serem expulsos de suas terras ou moradores prestes a serem expulsos de suas casas vão deixar barato. Como o confisco de terras já é a principal causa da instabilidade social e a inflação está aumentando ainda mais o problema, o governo da China pode não conseguir quitar todas as suas dívida sem quebrar o contrato social do país. (Colaborou Yang Jie, de Xangai)
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ECONOMISTA FALA SOBRE A POSSIBILIDADE DE CORTE NA SELIC TEMPO: 00:03:54
Em entrevista ao Conta Corrente, o economista e professor da USP Joaquim Elói Cirne de Toledo falou sobre a possibilidade de corte de 1 ponto na taxa Selic, durante reunião do COPOM.
SONORA
*JOAQUIM ELÓI CIRNE DE TOLEDO, economista e professor da USP
*GEORGE VIDOR, jornalista
TV: GLOBO NEWS PROGRAMA: CONTA CORRENTE APRESENTADOR: GUTO ABRANCHES
REESTRUTURAÇÃO DE DÍVIDAS PODE SER SOLUÇÃO PARA A CRISE, DIZ ECONOMISTA TEMPO: 00:06:53
Em entrevista ao Conta Corrente, o economista e professor da USP Joaquim Elói Cirne de Toledo falou sobre a crise no bloco europeu e as influências na economia brasileira. Para ele, a reestruturação de dívidas pode ser a solução para a crise.
SONORA
*JOAQUIM ELÓI CIRNE DE TOLEDO, economista e professor da USP
*GEORGE VIDOR, jornalista
TV: GLOBO NEWS PROGRAMA: CONTA CORRENTE APRESENTADOR: GUTO ABRANCHES
Dilma na Europa. Antes que acabe
Clovis Rossi - FSP 27/09
SINAL DOS tempos: na segunda-feira, quando a presidente Dilma Rousseff sentar-se para jantar com a cúpula europeia, em Bruxelas, o complexo de vira-lata, que era uma característica do brasileiro, segundo o teatrólogo Nelson Rodrigues, estará do lado europeu da mesa, tantas são as críticas e exortações ao velho continente para que ponha sob controle sua crise.
Um negociador brasileiro de larga experiência relembra, a respeito, que, em muitos momentos anteriores, os brasileiros tinham muita dificuldade em expor seus pontos de vista, porque eram sempre cobrados para pôr a casa em ordem.
Agora, em recente reunião de um dos mais de 20 diálogos setoriais que mantêm Brasil e União Europeia, foram os brasileiros que sugeriram aos europeus mecanismos de estímulo ao crescimento, visto que a obsessão com os ajustes fiscais está minando as economias de quase toda a Europa.
Pelo que disse na ONU, é razoável supor que a presidente Dilma Rousseff insistirá nesse ponto durante o jantar de segunda-feira, que abre ritualmente o encontro de cúpula entre os dois "parceiros estratégicos", rótulo que se está usando com muita prodigalidade na diplomacia global, mas que, no caso, corresponde, sim, aos fatos.
Na terça, dá-se o encontro propriamente dito, após o que a presidente inaugura o Europália, festival anualmente promovido pela Bélgica que, neste ano, homenageia o Brasil. Trata-se de ampla coleção de eventos culturais, a se desenvolver de outubro a março de 2012.
A visita a Bruxelas, capital informal da Europa, não deixa de ser simbólica a respeito das prioridades da diplomacia brasileira no atual governo: Dilma recebeu o presidente dos Estados Unidos, visitou a China e agora vai à União Europeia. Não por acaso, as três grandes potências globais.
É verdade que, antes de tudo, viajou a Buenos Aires, mas dá a sensação de que foi mais o que os argentinos chamam de "saludo a la bandera". Ou seja, a atenção formal ao vizinho, mas com a certeza de que o Brasil hoje joga em outra divisão. A viagem a Bruxelas quase pode ser enquadrada na categoria "visite a Europa antes que acabe".
É sintomático do mal-estar europeu o título de capa do suplemento econômico do "Monde" ontem: "Schuman, desperte, eles ficaram loucos", apelo desesperado a Robert Schuman, considerado um dos pais da unificação europeia. Continua o título: "A explosão da zona euro não é mais um tabu".
Reforça Andreu Misseu, correspondente de "El País" em Bruxelas: "A falta de solidariedade está apagando a ideia de Europa". Nesse cenário, até um suposto plano grandioso de resgate, anunciado ontem pela BBC, acaba embaçado. A emissora britânica informou que a Europa pretende quadruplicar os recursos para seu fundo de resgate, levando-os a impressionantes € 2 trilhões (um Brasil inteiro), além de permitir que a Grécia dê um calote em metade de sua dívida.
Se esse plano existe de fato e se sobreviver até o início da próxima semana, certamente terá o apoio de Dilma, que não esconde que sua grande preocupação do momento é com a crise cujo epicentro está na Europa, sua próxima escala global.
crossi@uol.com.br
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