quarta-feira, 21 de setembro de 2011

Por que um rompimento é tão difícil?


Por Martin Wolf - Valor 21/09

Os membros da zona do euro estão sofrendo de um grave surto de remorso do comprador. Muitos gostariam de desmontar o kit que compraram quase 20 anos atrás e montaram no fim da década de 1990 e nos anos 2000. Mas só podem despedaçá-lo juntamente com toda a estrutura de cooperação europeia. Enquanto isso, o mundo vê horrorizado a possibilidade da zona do euro desencadear uma onda de dívida soberana e crises bancárias. Se assim acontecer, não seria a primeira vez que a loucura europeia traz ruína ao mundo.

O idealismo que motivou o projeto desapareceu. Mas os interesses individuais estão se revelando um substituto insuficiente. A inépcia dos políticos nacionais, responsáveis perante eleitores frustrados, estão piorando as coisas. Jacques Cailloux, economista-chefe do RBS para a Europa, sublinha os erros em artigo recente. Os líderes da zona do euro, acusa ele, não conseguiram compreender a dimensão e a natureza da crise, atuaram negligentemente em seus palcos nacionais e concentraram-se em colocar malfeitores no banco dos réus, apesar de que conceder empréstimos irresponsavelmente é uma atitude tão culpada como tomar empréstimos irresponsavelmente. Ele tem razão. Agora, acrescenta Caillou, dois novos elementos entraram em cena: primeiro, a opinião alemã está se posicionando contra seu banco central e, segundo, uma série de políticos, incluindo Mark Rutte, primeiro-ministro holandês, estão sugerindo a possibilidade de saída forçada.

O cerne da união monetária é de que ela é irrevogável. Os supostos benefícios dependiam disso. Qualquer menção à saída (de um país) reintroduz o risco monetário. Agora os investidores enfrentam problemas com dívida soberana, riscos financeiros e riscos de uma saída. Os resultados incluem corridas contra dívidas soberanas e bancárias e até mesmo a desintegração do mercado de capitais em componentes nacionais.

Mas depois que o tabu foi quebrado, a possibilidade de uma saída deve ser examinada. Será possível, ou mesmo desejável? Qualquer discussão tem que começar pela Grécia. Nouriel Roubini, na Stern School da New York University, argumentou no "Financial Times" que a Grécia deve fazer as duas coisas: dar um calote e sair. Não tenho nenhuma dificuldade em aceitar a primeira proposição. Pouca gente deve ainda acreditar na possibilidade de se evitar uma enorme redução da dívida pública do país. É uma questão de quando, e não de se.

Mas significaria isso uma saída forçada da zona do euro? A resposta é: não. Esse é um argumento colocado por Willem Buiter e Rahbari Ebrahim, do Citi, em outro artigo interessante. Uma saída efetivamente aconteceria se nada fosse feito pelo resto da zona do euro, inclusive o Banco Central Europeu, para recapitalizar os bancos e restabelecer a liquidez grega. A criação de uma nova moeda, então, tornar-se-ia inevitável. Mas os parceiros da Grécia poderiam muito bem evitar esse resultado.

Deveria a Grécia buscar ativamente uma saída, em seu próprio interesse? Nesse ponto, os economistas estão em desacordo. Buiter considera inútil uma desvalorização da moeda, argumentando que ela seria corroída pela inflação. Roubini acredita que a desvalorização seja essencial. Estou com Roubini. A Grécia tem: 1) um enorme déficit em conta corrente e 2) uma economia deprimida. Uma grande depreciação real é necessária. É muito mais fácil conseguir isso via desvalorização monetária do que com deflação de custos.

Mas a ideia de saída é difícil de implementar. Legalmente, isso exigiria que o país deixasse a União Europeia. Será que a UE, depois, se daria ao trabalho de reconvidar o malfeitor a retornar? Além disso, o país descobriria ser impossível sair de forma rápida e limpa. Quando a notícia fosse anunciada, haveria uma corrida contra todos os seus passivos. O governo teria de limitar os saques dos bancos, se não - pura e simplesmente - fechá-los. Seria também necessário impor controles sobre a movimentação de capitais, desrespeitando obrigações impostas por tratados. O país pode redenominar a dívida contraída no mercado interno. Mas não pode fazer o mesmo em relação a endividamento contraído no exterior. Muitas empresas, então, iriam à falência. Um relatório do UBS estima o custo econômico total no primeiro ano em 40% a 50% do PIB.

Um contágio também seria inevitável. Presumivelmente, um esforço seria feito para erguer uma blindagem entre o país de saída e outros países vulneráveis. Mas a blindagem seria posta à prova até sua destruição. Grande parte da dívida grega está em poder de credores externos. Além disso, depois que um país saísse, o risco cambial passaria a ser ainda mais real para todos os outros países vulneráveis, inclusive até mesmo a Itália e a Espanha. Tanto governos como empresas em tais países poderiam facilmente vender suas dívidas. Os bancos seriam alvo de corridas. O BCE seria forçado a conceder empréstimos sem limites. As interconexões entre bancos em âmbito mundial pareceriam aterradoras. Segundo o Banco para Compensações Internacionais (BIS), os bancos americanos têm uma exposição de € 478 bilhões à Grécia, Irlanda, Itália, Portugal e Espanha.

Assim, a saída, mesmo de um país pequeno e fraco, é assustadora. O que dizer de uma saída de um país forte, como a Alemanha? Nesse caso, poderiam também surgir questões legais, apesar de que a Alemanha poderia, presumivelmente, modificar o tratado a seu favor. Também nesse caso, haveria uma fuga enorme, agora para a Alemanha. Além disso, uma saída da Alemanha desestabilizaria o restante da zona do euro, provavelmente levando-a a uma desintegração. Enquanto isso, como argumentei na semana passada, o país forte também sofreria um enorme choque adverso, pois seus bancos perderiam o valor de seus ativos externos e suas exportações sofreriam enorme perda de competitividade. A análise do UBS sugere que um país forte, como a Alemanha, poderia sofrer uma perda de 20% a 25% do PIB no primeiro ano. Além disso, um abandono do euro pelo país central da UE (e, sob a legislação atual, ao menos, um abandono da UE como um todo) poderia ameaçar não só o mercado único, mas todo o tecido cooperativo da Europa no pós-guerra. Isso deixaria a Alemanha e a França estrategicamente isoladas e à deriva.

Assim, a zona do euro não pode ficar onde está, não pode desfazer o que fez, e seguir em frente lhe parece traumático. Mas a própria noção de saída é desestabilizadora. Eles o construíram - e agora devem fazê-lo funcionar. Neste momento, o que é necessária é uma expansão econômica agressiva no núcleo, inclusive via afrouxamento imediato da política monetária pelo BCE, juntamente com forte apoio aos países que enfrentam dificuldades em face de mercados ilíquidos de dívida pública e grandes reduções do endividamento, em alguns casos. Em mais longo prazo, o mínimo necessário é um grau muito maior de solidariedade e disciplina fiscais, e um sistema bancário único para a Europa como um todo - com um nível de capitalização muito maior.

Será isso factível? Não sei. Porém sei o que está em jogo. A zona do euro odeia ficar na frigideira. Não deve saltar para o fogo. (Tradução Sergio Blum)

Martin Wolf é editor e principal comentarista econômico do FT.

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