sexta-feira, 28 de junho de 2013

Banqueiros centrais caem "na real"

 

Por Raghuram Rajan - Valor 28/06
 
Os mercados estão mais uma vez em crise, após a sinalização do Fed (Federal Reserve, banco central dos EUA) de que até o fim do ano poderá reduzir suas compras de títulos. A intensidade da reação do mercado foi surpreendente, pelo menos, em vista da percepção de como funciona a política de afrouxamento quantitativo do Fed. Afinal de contas, o Fed teve o cuidado de indicar que conservará sua política de manutenção dos juros perto de zero e não esvaziará seu estoque de títulos.
A teoria dominante sobre como funciona a flexibilização quantitativa é a abordagem do tipo "equilíbrio de carteira". Basicamente, mediante a compra de títulos de longo prazo do Tesouro nas carteiras dos investidores privados, o Fed espera que esses investidores venham a reequilibrar suas carteiras. Devido à remoção de um ativo de risco e sua substituição por reservas seguras do banco central, os apetites por risco não satisfeitos, por parte dos investidores, vai crescer, o preço de todos os ativos de risco (inclusive os dos títulos do Tesouro de longo prazo remanescentes em carteiras privadas) subirão, e os rendimentos dos títulos cairão.
Um elemento central da teoria é que o estoque de títulos que o Fed removeu de carteiras privadas, e não o fluxo de compras do Fed, será o fator determinante do apetite dos investidores por risco. A menos que os investidores pensassem que o Fed manteria indefinidamente suas compras de títulos, as notícias sobre a redução nas compras pelo Fed deveria ter tido um efeito apenas moderado sobre as expectativas de mercado quanto ao eventual estoque de títulos que o Fed pretende acumular. Então, por que ocorreu uma reação tão violenta nos mercados mundiais?


Uma resposta possível é que o volume de compras mensais pelo Fed também é relevante para os preços de ativos em todo o mundo. Outra possibilidade é que os investidores em todo o mundo leram muito mais, nas afirmações do Fed, do que o próprio Fed pretendia. Qualquer dessas respostas é preocupante, pois sugere que os bancos centrais - que agora detêm trilhões de dólares em ativos - têm menor capacidade para administrar o processo de reversão da flexibilização quantitativa do que gostaríamos. Winston Churchill poderia ter filosofado sobre a flexibilização quantitativa: "Nunca no campo da política econômica tanto foi gasto, com tão pouca evidência, por tão poucos".
A flexibilização quantitativa foi realmente um passo no escuro. Dadas todas as incertezas - por que ela funciona, como torná-la mais eficaz e como revertê-la - por que os banqueiros centrais, para quem "inovador" é geralmente um "palavrão", abandonaram seu habitual conservadorismo e a adotaram?
Uma possibilidade é de que, no passado, as crises ocorriam tipicamente em países com economistas de formação não tão sólida quanto os disponíveis, por exemplo, nos EUA e na Europa. Quando às autoridades econômicas de países emergentes era dito que precisavam implementar substancial austeridade, assim como promover um fechamento generalizado de bancos para purificar a economia na esteira de uma crise, eles não protestaram, apesar da perspectiva de anos de desemprego elevado. Em suma, as pessoas que determinavam as políticas estavam distantes das que iriam sofrer.


Quando a crise bateu em casa, os economistas ocidentais mostraram-se muito menos dispostos a aceitar que o sofrimento era necessário. O keynesianismo, que promete respostas indolores, ressurgiu, mais uma vez. O Fed, presidido pelo economista monetário possivelmente mais importante do mundo, propôs soluções criativas que poucos nos círculos políticos, inclusive nas instituições multilaterais geralmente conservadoras, questionaram.
Mas essa não é uma explicação inteiramente satisfatória. Economistas agraciados com o prêmio Nobel, como Joe Stiglitz, protestaram pública e enfaticamente sobre o tipo de austeridade a que a Indonésia, por exemplo, foi sujeita.
Consideremos uma outra explicação: talvez o sucesso dos banqueiros centrais em impedir o colapso do sistema financeiro após a crise de 2008 tenha lhes assegurado tal confiança do público que puderam ir mais longe. Talvez seu socorro bem sucedido ao sistema bancário também tenha levado alguns bancos centrais a acreditarem possuir o toque de Midas. Afinal, apesar de seu conservadorismo natural, teria sido difícil para os bancos centrais nada fazerem para melhorar o crescimento e reduzir o desemprego.
Pouca gente ficou feliz com o socorro aos grandes bancos, e muitos não entenderam por que o sistema financeiro tinha de ser salvo quando seus próprios empregadores estavam demitindo ou fechando as portas.
Com efeito, talvez a melhor explicação seja que em vez de criar mais espaço para os bancos centrais, os socorros bancários estreitaram seu espaço político de manobra. Talvez o que obrigou os bancos centrais a agir de forma criativa foi a dificuldade política de nada fazer após terem gasto bilhões socorrendo bancos privados. Afinal de contas, como seria possível permitir que um problema técnico, como o limite inferior de juro nominal nulo poderia antepor-se a um socorro à economia em geral, quando linhas de financiamento inovadoras foram utilizadas para salvar Wall Street? Depois que os banqueiros centrais promoveram o necessário socorro aos bancos, talvez eles tenham ficado enredados no cenário político, o que tornou a flexibilização quantitativa um resultado inevitável.
Assim como muita coisa relacionada com as recentes políticas monetárias não convencionais, há muitas coisas sobre as quais só podemos imaginar, inclusive por que foram implementadas. No fim das contas, se houver um mito de que os fatos recentes explodiram, é provavelmente o que considera os banqueiros centrais, como tecnocratas imunes ao cenário político e às ideologias de seu tempo. Também eles caíram "na real". (Tradução de Sergio Blum)

Raghuram Rajan foi economista chefe do FMI, é professor de Finanças na School of Business, da Universidade de Chicago, e principal conselheiro econômico do governo da Índia. É autor de Fault Lines: How Hidden Fractures Still Threaten the World Economy (linhas de fraturas: como falhas ocultas ainda ameaçam a economia mundial. Copyright: Project Syndicate, 2013.
www.project-syndicate.org


domingo, 23 de junho de 2013

A baderna


Por Ronaldo Pignataro

Observem que o único partido existente é o PT na boca do povo.

Nossa democracia, portanto, é unipartidária e a oposição criada é a baderna, nenhum partido, para combater a baderna dentro de nosso sistema político.

Combatemos baderna com baderna e criamos essa baderna espetacular que são essas manifestações, uma revolução carnavalesca que reflete a seriedade com que tratamos os nossos problemas.

É o fato.

Por que não podemos ver a realidade?

Quando vamos às ruas, ridiculamente fantasiados, impedindo o tráfego provocando enormes congestionamentos, estamos queimando combustível para nada, poluindo o ar para nada depredando o maior patrimônio necessário à vida que é o oxigênio, para nada.

Saímos para depredar o que não nos custa nada aparentemente, a maioria, mas vão os que chamamos de "vândalos" que vão se aproveitar da bagunça por nós criada e nos fornecem o prazer de ver o circo pegar fogo.

Fazem o que reprimimos no nosso dia a dia e chutam, por nós, o pau da barraca.

É a realidade!

Queremos emoção para essa vida monótona, ridícula em que passamos metade do dia nesse transporte público terrível, nesse trânsito que não anda e que só piora.

Estamos fartos dessa vida mecânica e sem sentido e nos pintamos como índios para quebrar ou assistir.

Ninguém se dá conta do que está fazendo nem o que pretendem, enebriados que estão pela vaidade, pelo narcisismo, por esse eufemismo tolo e a vergonhosa projeção internacional que estamos obtendo.

sexta-feira, 21 de junho de 2013

Os EUA e a América Latina

 

Por Kevin P. Gallagher - Valor 21/06
 
O governo Obama e a mídia americana fizeram muito barulho sobre o "giro" dos Estados Unidos em direção à Ásia. O que, em grande medida, lhes passou despercebido é que a China vem arregimentando aliados econômicos no antigo "quintal" dos EUA.
Bem, da mesma forma que uma competição acirrada serve para avivar os impulsos criativos nos negócios, é hora de os EUA apresentarem uma política econômica adequada para a América Latina antes que seja tarde demais.
A diferença das abordagens dos EUA e China em relação à América Latina ficou abertamente em foco quando o vice-presidente americano, Joseph Biden, e o presidente da China, Xi Jinping, visitaram a região.


A principal oferta dos EUA a seus vizinhos latino-americanos é a Parceria Transpacífica (TPP, na sigla em inglês). A TPP oferece aos países da América Latina e Ásia acesso ao mercado dos EUA com base em uma condicionalidade tripla.
Primeira, precisam desregulamentar seus mercados financeiros; segundo, precisam adotar provisões de propriedade intelectual que deem preferência às firmas dos EUA; e terceiro, precisam permitir que firmas dos EUA possam processar diretamente governos de países que assinam o TPP, por infrações das condições do tratado.
Um condicionamento mais do que pesado. Mas, então, qual a abordagem da China? Em sua visita à região, o presidente chinês Xi Jinping ofereceu mais de US$ 5,3 bilhões em financiamentos, sem exigir muitas condições, a seus novos amigos latino-americanos. Essas ofertas ainda precisam ser confirmadas, mas de acordo com notícias na imprensa os chineses assinaram acordos nesta viagem para: 1- conceder US$ 3 bilhões a projetos de infraestrutura e energia de oito países caribenhos; 2- conceder US$ 1,3 bilhão à Costa Rica em empréstimos e linhas de crédito, incluindo um empréstimo de US$ 900 milhões do Banco de Desenvolvimento Chinês para modernizar uma refinaria de petróleo e uma linha de US$ 400 milhões para infraestrutura rodoviária, do Ex-Im Bank of China; e 3- uma linha de crédito do Ex-Im Bank da China de US$ 1 bilhão ao México, para sua petrolífera estatal Pemex.
Esses financiamentos somam-se aos US$ 86 bilhões já fornecidos pela China aos governos da América Latina desde 2003. É verdade, essa quantia -por maior que seja - parece ser apenas mais um número no mundo de hoje. Então, para dar uma ideia melhor: desde 2003, portanto, nos últimos dez anos, os bancos de políticas públicas da China forneceram mais financiamento à América Latina do que o Banco Mundial, Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e o Ex-Im Bank dos EUA.


Essa comparação deveria ser suficiente para acordar os EUA de sua letargia passada e por assumir que sua relação com a América Latina é algo garantido. Em termos simples, os EUA e o grupo de instituições financeiras internacionais em grande parte dominadas pelo Ocidente foram superadas pela força financeira da China. Bem-vindos ao admirável mundo novo!
Não se trata, entretanto, de uma mera questão de números. Ao contrário dos tratados comerciais dos EUA e do financiamento das instituições financeiras internacionais, em grande parte sob o controle dos EUA, a China oferece seus empréstimos sem fazer grandes exigências.
Em uma região que é, compreensivelmente, muito sensível a qualquer ideia de condicionalidade, tendo em vista as dolorosas experiências do passado com o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial, a China preocupa-se em garantir que sua política não seja baseada em condicionalidades.
Dito isso, os chineses não deixam de ter uma forte preocupação comercial. Muitas vezes, a China apresenta ofertas casadas - exigindo que empresas chinesas sejam contratadas para trabalhar em grande parte do projeto previsto.
Além disso, o que os EUA oferecem no TPP aos países latino-americanos não significa muito no mundo real. Na verdade eles já têm tratados comerciais com os EUA que lhes garantem acesso ao mercado do país.
Em poucos anos a China tornou-se a maior parceira comercial do Brasil e do Chile e a segunda maior do Peru e México. Não são quaisquer países. São as economias mais importantes da América Latina.
Os EUA, é claro, ainda são o maior parceiro econômico da região como um todo. Mesmo assim, não podem, contudo, continuar a ver sua posição na América Latina como garantida.
Por um tempo longo demais, os EUA recorreram a um mecanismo bastante imperial - apenas dizer à América Latina o que ela precisa. Compare isso com a abordagem da China: o país oferece à América Latina o que a região quer (na forma de financiamento e comércio com a China).
Quando o presidente Obama assumiu o comando, ele e sua equipe comprometeram-se a apertar o botão de "reinicializar" das relações com a região e a repensar seu regime comercial com a América Latina. Não foi o que ocorreu. Até agora, "reinicializar" basicamente significou apresentar a mesma oferta, mas por meio de novos rostos.
Além disso, grande parte da interação com os governos da região foi direcionada aos esforços para o combate às drogas. Esses países, acertadamente, não veem isso com uma grande abordagem em prol do crescimento e desenvolvimento, mas como um mecanismo defensivo e estrangeiro, para proteger o território dos EUA.
Tendo em vista tudo isso, passou da hora de o governo dos EUA realmente repensar sua política econômica em relação à América Latina. Muito em breve pode ser tarde demais. (Tradução de Sabino Ahumada)

Kevin P. Gallagher é professor de relações internacionais na Boston University e pesquisador do Global Development and Environment Institute.





 

Movimento Passe Livre suspende novas manifestações em São Paulo




SÃO PAULO - O Movimento Passe Livre anunciou nesta sexta-feira a suspensão de novas manifestações em São Paulo. Segundo um dos integrantes do grupo, que pleiteia tarifa zero nos transportes públicos, "grupos conservadores se infiltraram nas manifestações" e defenderam propostas como a redução da maioridade penal.
Rafael Siqueira, 38, ativista do MPL, afirmou que as agressões a militantes de partidos políticos na manifestação de ontem, na avenida Paulista e em outras cidades, também motivaram o grupo a tomar essa decisão.
"A gente acha que grupos conservadores se infiltraram nos últimos atos para defender propostas que não nos representam", disse Siqueira. De acordo com ele, o recuo do movimento foi decidido no final da noite de ontem, após os incidentes na Paulista.
"Nacionalistas"
Na quinta-feira, um grupo de manifestantes, denominados "nacionalistas" entrou em confronto com pessoas que estavam com bandeiras de partidos durante protesto contra tarifas na avenida Paulista, centro de São Paulo. Segundo o Datafolha, a manifestação reunia cerca de 70 mil pessoas na via.
O principal confronto ocorreu entre um grupo de nacionalistas e manifestantes com bandeiras do PSTU e PT. Os "nacionalistas" queriam que o protesto prosseguisse sem bandeiras partidárias e sem a interferência de partidos políticos.
Após uma das confusões, o advogado Guilherme Nascimento, 26, deixou a avenida Paulista com um ferimento na cabeça. "Foi o PT que fez isso, me deram uma paulada". O rapaz foi carregado por amigos até um carro da Polícia Militar, que o levou a um pronto-socorro.
Um homem usou um taco de hóquei para ameaçar petistas. Durante a confusão, uma mulher caiu no chão e quase foi pisoteada. Ao menos duas bandeiras do PSTU e uma do PT foram tomadas de manifestantes e queimadas na avenida Paulista.
Apolíticos partiram para cima dos partidários com chutes e socos. Parte deles respondeu com bandeiradas e pedradas. A Polícia jogou bombas de gás lacrimogêneo para conter a pancadaria.
Um grupo de nacionalistas armados com facas gritaram contra os manifestantes do PT dizendo que vão "meter a faca". Eles entoaram gritos e disseram que iam tomar todas as bandeiras
Membros do PSTU, PSOL, UNE, UJS (União Jovem Socialista) foram hostilizados por manifestantes na avenida Paulista, em frente à Fiesp. Juntos, os partidários começaram a deixar a região. A manifestante Fátima Sandalhel disse ter sofrido retaliações por vestir uma camiseta vermelha e estar próxima a grupos partidários.
"Nós estivemos em todas as manifestações anteriores para agora sermos expelidos na manifestação. Usar camisa vermelha é um direito, usar bandeira é um direito. O que aconteceu hoje aqui é um atentado à democracia", disse Sandalhel.
Houve um princípio de confusão, quando uma bandeira do PSTU foi rasgada e um militante partiu para cima de um manifestante. As pessoas também cantaram gritos de guerra contra o PT. "Os caras com bandeira de partido querem levar vantagem. O Passe Livre está com o PT", disse o universitário Bruno Scorziello, 22, após tentar impedir a passagem do protesto.
Após a confusão, muitos militantes choraram: "Estão acabando com anos de luta. Não queremos reivindicar para nós, queremos somar", disse um deles sem se identificar.
(Folhapress)


quarta-feira, 19 de junho de 2013

O legado tóxico da crise grega


 

Por Martin Wolf - Valor 19/06
 
Há 2,5 mil anos, a Grécia deu forma à mentalidade ocidental. Mais recentemente, deu forma às respostas para uma crise financeira. A Grécia sofreu uma calamidade - e o medo de que outros a seguissem justificou a passagem para um cenário de austeridade. O resultado foi uma recuperação fraca da recessão pós-crise, em especial na região do euro e no Reino Unido. A Grécia, infelizmente, teve a crise errada, no momento errado.
Simon Wren-Lewis, da Oxford University, conta a história em um texto excelente em seu blog. Ele aproveita uma avaliação crítica do Fundo Monetário Internacional (FMI) sobre o programa de auxílio à Grécia acertado em maio de 2010. Aqui está o sumário dos fracassos: "A confiança do mercado não foi recuperada, o sistema bancário perdeu 30% de seus depósitos e a economia deparou-se com uma recessão muito mais profunda do que a prevista, com um desemprego excepcionalmente alto. A dívida pública continuou muito alta e acabou sendo reestruturada, com danos colaterais aos balanços patrimoniais dos bancos, também enfraquecidos pela recessão. A competitividade melhorou um pouco, sustentada pela queda nos salários, mas as reformas estruturais se detiveram e ganhos de produtividade mostraram-se elusivos".
Enquanto o programa projetava declínio de 5,5% no Produto Interno Bruto (PIB) real entre 2009 e 2012, o resultado foi uma queda de 17%. De acordo com a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), a associação dos países de alta renda, a demanda privada real caiu 33% entre os primeiros trimestres de 2008 e de 2013, enquanto o desemprego subiu para 27% da população economicamente ativa.
O FMI supostamente só empresta a um país se sua dívida for sustentável. Esse, contudo, não foi o caso, nem de longe, como muitos comentaristas indicaram na época. Em vez de tornar as dívidas sustentáveis, o programa apenas deixou muitos credores privados escaparem ilesos. No fim das contas, uma redução na dívida aos credores privados foi imposta. A dívida pública grega, entretanto, continua alta demais: o FMI projeta que estará próxima a 120% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2020. Esse excesso de endividamento tornará mais difícil para a Grécia retornar aos mercados e à solidez econômica. Uma redução mais profunda da dívida ainda é necessária.
Tudo isso nos conta uma história deprimente sobre a politização do FMI e a incapacidade da região do euro para agir no melhor interesse de seus países-membros mais fracos. A crise grega também teve dois resultados internacionais.
Primeiro, dentro da região do euro, o fato de a Grécia ser o primeiro país a entrar em crise deu mais força ao ponto de vista dos norte-europeus de que a crise foi fiscal. Isso porque a Grécia, de fato, foi um caso de impressionante libertinagem fiscal, com o endividamento público líquido chegando a mais de 100% do PIB mesmo antes da crise. Em outros países, entretanto, foi bem diferente: as captações privadas foram a raiz das crises na Irlanda, Espanha e, em menor medida, em Portugal. A dívida pública italiana estava alta, mas não por algum relaxamento fiscal recente. Ao decidir que a crise era amplamente uma crise fiscal, as autoridades puderam ignorar a verdade de que a causa do desarranjo foram empréstimos irresponsáveis entre fronteiras, algo pelo qual os captadores são tão culpados quanto os que concedem o crédito. Se a culpabilidade dos dois lados - captadores e credores - tivesse sido compreendida, o argumento moral para o cancelamento de dívidas teria sido mais evidente.
Segundo, a crise grega assustou autoridades por todo o mundo. Em vez de concentrar os esforços em remediar o colapso do setor financeiro e reduzir o excesso de dívidas privadas, que foram os motivos da crise, voltaram as atenções para os déficits fiscais. Estes, contudo, em grande medida, foram um sintoma da crise, embora, também, em parte, uma resposta adequada a ela. Como destaquei, em junho de 2010, pouco depois do primeiro programa grego, os líderes do G-20, reunidos em Toronto, decidiram reverter os estímulos, declarando que "as economias avançadas se comprometeram a planos fiscais que vão cortar pelo menos pela metade os déficits em 2013". Seguiu-se um forte aperto. As autoridades justificaram a mudança com pesquisas acadêmicas: a ideia de que a contração fiscal poderia ser expansionista foi um encorajamento; a ideia de que o crescimento cairia, se a dívida pública aumentasse muito, foi um alerta.
O que parecia ser, até meados de 2010, uma recuperação sólida do pesadelo da "Grande Recessão" foi abortado, em especial, no Reino Unido e na região do euro. O maior grau de sucesso dos Estados Unidos em sobreviver à austeridade deveu-se provavelmente à limpeza mais agressiva do setor financeiro, à maior aceitação da desalavancagem pelas famílias e a sua política monetária mais agressiva, em particular, em comparação à região do euro. Se as previsões mais recentes da OCDE estiverem certas, o PIB da região do euro será menor no quarto trimestre de 2014 do que era no primeiro trimestre de 2008 e apenas 0,7% maior do que no primeiro trimestre de 2011. Foi o aperto fiscal que causou, por si só, essa fraca recuperação? Certamente, não. Mas retirou um contrapeso, ainda desesperadamente necessário, às forças contracionistas emanando dos setores privados atingidos pela crise.
O que torna essa história deprimente é que foi desnecessária. De início, pode ter havido lógica em sentir receio de que a crise grega era o primeiro surto de uma crise fiscal pandêmica. Logo ficou claro, no entanto, que os países com moedas com livre flutuação ainda podiam lançar títulos de dívidas públicas com juros ultrabaixos. Isso, em parte, graças à "flexibilização quantitativa" de seus bancos centrais. Ter seu próprio banco central dá a um governo certo grau de liberdade para administrar sua reação a uma crise financeira. Para esses países, o momento apropriado para um forte aperto fiscal estrutural chega apenas depois que seus setores privados começam a eliminar seus superávits financeiros estruturais. Isso ocorre apenas logo depois da crise. Também requer uma reestruturação anterior do setor financeiro e baixas contábeis de dívidas privadas excessivas.
Em resumo, a crise grega mostrou-se uma calamidade tripla: uma calamidade para os próprios gregos; uma calamidade para o ponto de vista popular sobre a crise dentro da região do euro; e uma calamidade para a política fiscal nos demais lugares. O resultado foi a estagnação - ou desempenho ainda pior, em particular, na Europa. Hoje, precisamos admitir que a enorme queda na produção em relação à tendência pré-crise pode muito bem nunca ser retomada. A reação das autoridades, contudo, não foi admitir os erros, mas redefinir, em um novo patamar, mais baixo, o que é um desempenho aceitável. É uma história triste.

Martin Wolf é editor e principal comentarista econômico do FT




terça-feira, 18 de junho de 2013

A crise da União Europeia



 

 

Por Víctor Pou - Valor 18/06
 
A União Europeia atravessa a situação mais difícil de sua história. Joschka Fisher, ex-ministro alemão de Relações Exteriores, acaba de escrever: "Na Europa, sabemos que a atual crise ou destrói a UE ou cria sua união política". Trata-se mais de uma concatenação de crises, em cujo núcleo está a região do euro, com 17 dos 27 países da UE.
A crise da região do euro traz entranhada uma crise de legitimidade, porque as receitas de austeridade e reformas estruturais impostas por Bruxelas e inspiradas na Alemanha, assim como as formas de aplicação, são rejeitadas por muitos países, em especial, os países periféricos devedores. O descontentamento da população com a UE alcança níveis preocupantes e até agora inéditos. A Grécia está na ponta, com 81% dos cidadãos dizendo não confiar na UE. A seguir vem a Espanha, com 72%. O descontentamento chega até a países centrais, como a Alemanha, com 59%. Uma sondagem recente, do Pew Research Center, dos Estados Unidos, mostra declínio na confiança em todos os países da UE. Na França, caiu de 60% a 40% em um ano. Essa desconfiança, no entanto, não afeta o euro, que ainda goza de forte apoio nos países socorridos, como a Grécia, ou socorridos em parte, como a Espanha.
Reina na Europa uma crise política de grandes proporções, marcada pelo forte declínio dos grandes partidos nas pesquisas e pelo aparecimento de grupos populistas, demagógicas, extremistas e antieuropeias.
Tudo isso é indicador de uma crise de "story telling". Com a crise da região do euro, acabou-se o "consenso passivo" dos cidadãos europeus com as propostas de Bruxelas, como as de reconciliação de velhos inimigos, paz e prosperidade, integração e harmonia, defesa da democracia e das liberdades fundamentais diante das ditaduras autoritárias do sul da Europa e do totalitarismo comunista soviético. As receitas que agora chegam aos cidadãos - austeridade, sacrifício, produtividade, aumento de competividade - criam uma rejeição frontal; e não se vê uma narrativa que volte a seduzir os europeus.
A crise de governança também é evidente. Instituições tradicionais e genuinamente comunitárias, como a Comissão Europeia (CE) ou o Parlamento Europeu, com as urgências da crise monetária, deram lugar a estruturas como o Eurogrupo, a famosa troika - como são chamados os representantes do Banco Central Europeu (BCE), Fundo Monetário Internacional (FMI) e CE - e, principalmente, o Conselho Europeu, cuja frequência de reuniões aumentou, evidenciando a preponderância do método intergovernamental na tomada de decisões, em vez do método comunitário, no qual a CE é o motor que propõe, o Conselho decide e o Parlamento
Além disso, é notória a crise de liderança política na Europa, assim como o sentimento de nostalgia por grandes personalidades, como as que possibilitaram a criação das primeiras Comunidades Europeias - os "pais" da Europa, como Jean Monnet, Konrad Adenauer, Alcide Degasperi ou Robert Schuman - e seu feliz desenvolvimento nas décadas posteriores, com personagens como Mitterand, Kohl ou Delors.

O epicentro da tempestade é a crise da região do euro, decorrente principalmente de seu projeto inicial defeituoso. A União Econômica e Monetária (UEM) nasceu sem união política, governo econômico e união fiscal. Era integrada por um grupo de Estados que não formavam uma união monetária ideal e apresentavam um alto índice de heterogeneidade produtiva. Em seus primeiros dez anos, funcionou bem e os mercados não distinguiram entre os títulos de dívidas públicas emitidos por seus países-membros. Quando chegou a crise financeira de 2007/2008, no entanto, viu-se que o comportamento dos membros da UEM havia sido muito distinto durante os anos de bonança.
A Alemanha havia conduzido profundas reformas estruturais em seu mercado de trabalho e atingido grandes índices de competitividade internacional, mas outros países haviam gerado enormes bolhas financeiras e imobiliárias. A crise da dívida soberana na região do euro se consolidou com força em 2010 e, então, chegaram os socorros financeiros internacionais à Grécia, Irlanda, Portugal e Chipre, além do resgate aos bancos na Espanha. Entre 2010 e 2012, foram improvisadas medidas para combater a tempestade e temeu-se pela vida do euro. No verão de 2012, seguiu-se rumo a uma profunda reforma da UEM, por meio do avanço em direção à união bancária, à coordenação das políticas econômicas e à mutualização parcial da dívida acumulada. O futuro do euro parece assegurado.

Os especialistas, contudo, ainda consideram que há quatro cenários em aberto para o futuro: status quo e ameaça de estagnação no estilo do Japão; desintegração; fragmentação entre centro e periferia; e êxito das reformas em andamento, dirigindo-se no médio prazo à união política. Apenas este último cenário pode salvar a Europa da irrelevância internacional em um século XXI caracterizado pela continuidade de pujança dos EUA e o enorme crescimento de países emergentes como a China, Brasil e Índia. (Tradução de Sabino Ahumada).

Víctor Pou é professor de economia do Iese Business School





Não é o que parece


 
Por Antonio Delfim Netto - Valor 18/06
 
Como tem feito nos últimos anos, o Pew Research Center divulgou, em 23 de maio, os resultados de sua pesquisa sobre como os cidadãos de 39 países "sentem" as suas vidas e explicitam suas esperanças sobre o futuro próximo. O levantamento ouviu nada menos do que 37.653 pessoas no período de 2 de março a 1º de maio de 2013.

No Brasil, uma amostra estratificada pelas cinco regiões, e pelo tamanho dos municípios, pôs em contato físico com os pesquisadores, entre 4 de março e 21 de abril, 900 pessoas adultas. A estimativa do erro amostral é de mais ou menos 4,1%. Em todos os países o levantamento tem erro amostral relativamente próximo, de forma que as porcentagens das respostas podem ser diretamente comparadas.

O Brasil sai bem na fotografia. O fato mais interessante é que os resultados da pesquisa contrariam as expectativas pessimistas que hoje parecem prevalecer em amplos setores da sociedade brasileira. Qual seria um indicador das expectativas mais profundas de qualquer cidadão? É difícil dizer. Provavelmente, entretanto, ninguém recusaria que a resposta à questão: "Quais suas esperanças para o nível de bem estar dos seus filhos: será ele melhor ou pior do que o seu?" contém uma informação importante sobre aquelas expectativas. A resposta no caso brasileiro deixa pouca dúvida, como se vê abaixo.

Das 900 pessoas adultas consultadas em todo o Brasil, 684 diante da sua situação atual e das perspectivas que enxergam para o futuro manifestaram a esperança que o bem-estar dos seus filhos seria melhor do que o seu. É difícil conciliar essa resposta com as manifestações de pessimismo que emanam de alguns setores da sociedade, principalmente o financeiro.

O levantamento da Pew contém outras informações que confirmam aquela esperança. É o caso, por exemplo, das respostas à questão: "Nos próximos 12 meses (de maio de 2013 a abril de 2014), a situação da economia nacional vai melhorar ou piorar?" (veja tabela "Resultados da pesquisa")

Existe uma certa correlação entre as duas respostas, mas a distância do Brasil e da China da mediana dos países emergentes (48, 25 e 17, respectivamente) revela claramente as expectativas mais otimistas dos seus cidadãos. Fato importante é que, quando a pesquisa pergunta se a situação pessoal do entrevistado é boa ou ruim, os aspectos positivos da situação brasileira se destacam, como se observa no quadro abaixo.

Uma questão fundamental revelada pela pesquisa é a sensação generalizada que a organização social em que vivemos, uma economia de mercado controlada pelas finanças (cujo codinome é "capitalismo financeiro"), é portadora de graves problemas de desigualdade, que favorecem os mais ricos. Em 31 dos 39 países participantes da amostra, mais de metade da população considera a desigualdade um grave problema (no Brasil, 75%).

Com algumas exceções, na maioria dos países há a sensação de que o funcionamento do sistema beneficia os mais ricos (no Brasil, 80%). O curioso é que em nenhum deles, com exceção da Alemanha (onde o nível de desigualdade cresceu enormemente), a redistribuição das riquezas é colocada como uma prioridade nacional.



Nessa perspectiva mundial, é difícil dizer que a economia brasileira vai tão mal quanto insistem alguns de nossos analistas financeiros. Temos sim problemas graves que precisam ser enfrentados, o mais importante dos quais é devolver à indústria nacional o vigor que lhe foi tirado por uma política econômica que, descuidadamente, roubou-lhe as condições isonômicas de competição.

A análise histórica dos levantamentos feitos pelo mesmo Pew Research, feitos de 2010 a 2013, deixam, entretanto, uma pequena preocupação. Aos olhos das pessoas consultadas no Brasil, a administração geral do país parece ter sofrido uma ligeira deterioração, ainda que a variação do indicador não seja significativa (tendo em vista os erros de amostragem). A resposta à mesma pergunta feita em todos os anos - "Em geral, você está satisfeito ou não, como as coisas estão indo hoje?" mostra isso (veja tabela "Grau de satisfação").

Antonio Delfim Netto é professor emérito da FEA-USP, ex-ministro da Fazenda, Agricultura e Planejamento.



 



 

 
 

segunda-feira, 17 de junho de 2013

Títulos causam perda de R$ 120 bi


 

Por Lucinda Pinto | De São Paulo - Valor 14/06
 
A instabilidade do mercado de renda fixa global assistida desde o início do mês de junho já deixa uma perda potencial para os detentores de títulos públicos brasileiros estimada em mais de R$ 120 bilhões neste ano. Essa conta leva em consideração a desvalorização dos papéis prefixados e indexados a índices de preço emitidos pelo Tesouro Nacional no mercado doméstico, cujo estoque nas mãos do mercado é de aproximadamente R$ 1,3 trilhão. São os títulos preferidos dos investidores estrangeiros, mas também os que estão espalhadas entre fundos de investimento e de previdência. O cálculo refere-se a uma perda meramente contábil. Para que se torne um prejuízo real, os investidores têm que vender seus papéis aos preços atuais. Caso os mantenham em carteira, podem recuperar o prejuízo.
A intensa volatilidade nesse mercado levou o Tesouro Nacional a voltar a recomprar títulos públicos, ontem, das mãos dos investidores pela primeira vez em quase cinco anos. A última vez que uma operação semelhante havia sido feita foi em outubro de 2008, em meio à crise gerada pela quebra do banco Lehman Brothers.
A atuação do Tesouro teve como objetivo dar parâmetros de preços a um mercado distorcido por uma onda de zeragem de posição e dúvidas sobre qual é o valor justo dos ativos que os investidores carregam em suas carteiras. De fato, a ação teve efeito imediato e as taxas pagas voltaram a ceder. Mas, para especialistas, essa atuação não interrompe definitivamente os riscos de perda para os investidores. "Foi uma ação oportuna, mas em que se combate os efeitos, e não a causa da tensão", explica um analista.
Desde o início de junho, o mercado vem assistindo a uma onda de desvalorização no mercado de renda fixa nada trivial. As perdas são mais evidentes entre os títulos atrelados ao IPCA, as chamadas NTN-B, que têm os prazos mais longos da dívida mobiliária federal e menor liquidez no mercado secundário. Para esses papéis, a perda estimada é de cerca de R$ 60 bilhões. Quanto mais longo o prazo do papel, maior é a perda.
São principalmente razões externas ao Brasil as que explicam esse quadro. A alta dos juros dos títulos do Tesouro americano, os Treasuries, detonada pela possibilidade de a política monetária americana mudar de rumo nos próximos meses, estimula investidores globais - especificamente os chamados fundos hedge, que buscam altas taxas de retorno e que são sensíveis a qualquer alteração de cenário - a desfazer seus investimentos em renda fixa no mundo. Os juros, assim, sobem em todos os mercados emergentes para onde o capital internacional migrou nos últimos anos. É o chamado efeito portfólio, em que ajustes nas carteiras dos investidores globais provocam mudanças drásticas nos preços dos ativos em todas as praças.
Esse movimento pegou o mercado local já fragilizado. Um processo de aperto monetário foi iniciado em abril deste ano, fenômeno que por si só faz o investidor em ativos prefixados perder dinheiro. Diante desse quadro, o investidor ainda põe na balança as dúvidas sobre a capacidade de o governo gerar crescimento e conter a inflação, além dos riscos que o quadro fiscal expansionista oferece.
O que se vê nestes dias, portanto, é uma bola de neve. À medida que o investidor estrangeiro vende títulos, os preços dos papéis caem. E os fundos de investimento e de pensão têm de marcar seus papéis a mercado, ou seja, corrigir o valor de suas carteiras para o nível praticado pelo mercado. O problema é que fundos têm metas a cumprir e se veem obrigados a se desfazer de parte desses papéis, reforçando a desvalorização. Muito do nervosismo vem do simples receio de que o mercado embarque nessa dinâmica.
Grandes fundos, muito alavancados em títulos de longo prazo, foram vistos liquidando suas aplicações nestes dias de fortes perdas dos títulos. No mês de junho, o IRF-M, índice que mede o desempenho dos papéis prefixados do Tesouro no mercado secundário, acumula perda de 1%. Títulos de longo prazo, como a LTN 2017, passaram a ser negociados com rendimento superior a 11% - muito acima da taxa Selic, que hoje está em 8%. Somente o IMA-B, relativo às NTN-Bs, papéis atrelados ao IPCA, tem queda de 4,15% no mês.
Quando a volatilidade torna-se aguda como a que se viu nestes dias, as corretores sequer conseguem definir um preço justo para o papel. E foi nesse contexto que o Tesouro decidiu se colocar à disposição do mercado para recomprar 1 milhão de NTN-F (títulos prefixados) com vencimento em 2021 e mais 1 milhão para 2023. Desse volume, foram recomprados apenas 200 mil papéis do vencimento mais longo.
Além de dar saída para o investidor que tentava vender seus papéis, a atuação oferece um sinal de que o Tesouro tem caixa e está disposto a agir para dar equilíbrio ao mercado. E o resultado do leilão, com a venda de apenas 10% do volume ofertado, demonstrou que a necessidade de venda efetiva dos títulos não era tão elevada. Mas, em um mercado pouco líquido e machucado por dias seguidos de perdas, era o suficiente para distorcer os preços. "Em momentos como o atual, bastaria que 1% dos investidores quisessem sair para fazer as taxas disparar", explica um especialista. "Mas quando o mercado percebe que Tesouro está atento e que há uma porta de saída, muitos agentes desistem de vender os papéis."
O leilão do Tesouro conseguiu colocar os juros futuros de volta à trajetória de queda ontem, mas as taxas ainda seguem carregando um prêmio considerável em relação ao fim de maio. O contrato do DI para janeiro de 2017 negociado na BM&FBovespa fechou com taxa de 10,34%, ante 10,65% na véspera. No fim do mês passado, era negociado por volta de 9,75%. Entre os contratos de curto prazo, o DI janeiro/2014 registrou taxa de 8,70%, ante 8,77%.

domingo, 16 de junho de 2013

Setor industrial gera apenas 11% dos empregos no Brasil





Jornal Econômico, 16 de abril de 12.
MACROECONOMIA
Setor industrial gera apenas 11% dos empregos no Brasil
 
Por Carlos Giffoni | De São Paulo
 
SÃO PAULO - A participação da indústria de transformação na geração de empregos caiu quase pela metade entre 2002 e 2011, segundo o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged). Entre as mais de 760 mil vagas criadas naquele ano, 21,1% foram para a indústria de transformação. No ano passado, a fatia que cabe ao setor ficou em 11,2% - em um total de 1,56 milhão de empregos líquidos gerados no país. No mesmo período, o peso do setor de serviços passou de 37,5% para 50,2% dos novos empregos.

A fatia da indústria de transformação frente ao saldo líquido de empregos do Caged no ano passado está bem aquém do índice registrado no acumulado dos últimos dez anos. De 2002 para cá, foram criados 13,2 milhões de vagas líquidas, sendo que o setor respondeu por 18,7% desse total (2,47 milhões).
Esse movimento, dizem os economistas, ocorreu tanto por fatores próprios do setor- como ganhos de produtividade e mudança na composição da indústria com aumento da participação de setores menos intensivos em mão de obra - como pela maior presença dos importados e pelo crescimento mais expressivo de outros setores, especialmente serviços.

Na Pesquisa Mensal de Emprego (PME) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a perda de participação do emprego industrial no período também fica evidente. Enquanto na maior parte dos setores, inclusive na construção civil, a distribuição da população ocupada (estimada em 22,6 milhões nas seis principais regiões metropolitanas do país) se manteve mais ou menos igual, na indústria houve queda de 1,5 ponto percentual em dez anos (incluindo-se aí a indústria extrativa).
Em 2002, a participação do setor era de 17,6%. Em dezembro do ano passado, ficou em 16,1% - em fevereiro deste ano, dado mais atualizado, a participação caiu para 16%. Apenas o setor de serviços prestados à empresa, aluguéis, atividades imobiliárias e intermediação financeira apresentou alta significativa no período (3,2 pontos percentuais).

"Essa perda de 1,5 ponto percentual de participação no estoque de emprego sugere um processo de mudanças estruturais muito lento que está em curso no Brasil", diz o economista David Kupfer, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e assessor da presidência do BNDES.

Em contrapartida, a produtividade do trabalhador industrial (relação entre a produção industrial e o número de horas pagas) cresceu 27,2% no acumulado entre 2002 e o fim do ano passado. Ou seja, apesar de a fatia de ocupados na indústria - especialmente na de transformação - ter sofrido uma forte queda nos últimos anos, o trabalhador que se mantém no setor aumentou a sua produtividade.

Kupfer explica que, por ter ganho de produtividade maior que os outros setores, o emprego na indústria tende a crescer em ritmo menor que o emprego em serviços, por exemplo. "Se a produção crescer de maneira isonômica entre os setores, o emprego industrial perde participação no total do país, já que a produtividade da indústria cresce mais que a de outros setores. É uma trajetória normal para o desenvolvimento."

Um processo de desindustrialização no Brasil está na pauta de discussão de diversos setores da indústria e de analistas de mercado. Entre os principais argumentos está o fato de que a participação da indústria de transformação no Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro cai seguidamente há sete anos. Em 2002, ficou em 16,9%. No ano passado, o setor respondeu por 14,6% das riquezas geradas no ano, sendo que o setor atingiu um pico de relevância em 2004, quando foi responsável por 19,2% do PIB.

O fato de a indústria estar andando de lado e a invasão de produtos importados entram nessa conta - e explicam também, em parte, a menor geração de empregos na indústria. "Determinados insumos passaram a ser importados. Se você aumenta a participação de importados no seu produto final, você diminui a demanda por trabalho no processo produtivo", afirma Mariano Laplane, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e presidente do Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE), ligado ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação. "Com um câmbio menos distorcido, seria possível recuperar a produção, inclusive de componentes e de insumos. Precisamos de uma política industrial voltada para isso."

Os economistas observam que, na última década, houve uma mudança de peso dos setores que compõem a indústria e, consequentemente, do perfil do emprego. "Tivemos um crescimento industrial apoiado em commodities e recursos naturais. Houve uma evolução mais forte de setores de insumos básicos da cadeia produtiva e mais fraca nas manufaturas, como na indústria têxtil, de calçados e móveis, em que a mão de obra é mais intensiva", explica Kupfer.

"Os setores vinculados a petróleo, insumos pesados, como siderurgia e química, são setores que empregam, proporcionalmente, menos que a indústria tradicional. Uma mudança na composição setorial da indústria, ou seja, o avanço mais modesto da indústria de transformação, que emprega mais, leva a essa queda do setor na relação de empregos criados [Caged] e estoque [PME]", diz Laplane.
Para Kupfer, essa mudança não é desejável. "A indústria tradicional é a que está mais fragilizada pelo atual quadro do setor, mas é a que gera mais empregos e empregos mais acessíveis ao perfil de qualificação da sociedade brasileira. Essa indústria pode se espalhar pelo território e promover o desenvolvimento regional necessário", afirma.

Kupfer reconhece que a indústria de transformação já teve momentos em que o salário era "maior" do que o pago pelos outros setores. "Os serviços estão se expandindo e encontram menor disponibilidade de mão de obra, por isso aumentam os salários", diz. "Além disso, há um claro movimento de formalização, mas não entendo que isso desestimule a busca de emprego no setor industrial."

"Não acho que a indústria deixou de ser interessante para o trabalhador", concorda Laplane. O professor da Unicamp acredita que o momento no mercado de trabalho brasileiro é de qualificação do emprego. "Estamos com um nível de desemprego muito baixo. Se a indústria voltar a crescer, principalmente com mais investimentos, haverá um aumento de produtividade, e isso vai exigir mão de obra mais qualificada, oferecendo melhores salários, como consequência", diz.


(Carlos Giffoni | Valor)



Polícia e TVs perdem a guerra da internet


Polícia e TVs perdem a guerra da internet 

http://info.abril.com.br/noticias/blogs/trending-blog/twitter/policia-e-tvs-perdem-a-guerra-da-internet/

quarta-feira, 12 de junho de 2013

População e crescimento






  
Da publicação Projeção da População do Brasil por Sexo e Idade -  Revisão 2008 - IBGE
 
 
Dando continuidade à tradição de divulgar a projeção da população do Brasil, iniciada nos anos de 1970, e consolidada na década de 1990, no que tange ao refinamento teórico-metodológico, o IBGE divulga a Revisão 2008 da projeção da população em nível nacional.  
 
A Revisão 2008 da Projeção da População do Brasil por Sexo e Idade para o Período 1980-2050 incorpora a revisão da trajetória recente e futura da fecundidade, com base nas informações provenientes da PNAD de 2002 a 2006, cujo nível limite se estabilizaria em 1,5 filho por mulher (hipótese recomendada). ¹
 
Desde os anos de 1960, que a taxa de crescimento da população brasileira vem experimentando paulatinos declínios, intensificando-se juntamente com as quedas mais pronunciadas da fecundidade. Contudo, se o ritmo de crescimento populacional se mantivesse no mesmo nível observado na década de 1950 (aproximadamente 3%), em 2008 a população residente no Brasil seria de 295 milhões.
 
Ao longo do período 1955-2008, a diminuição do balanço entre nascimentos e mortes foi tal que a diferença observada de 105 milhões de pessoas que não entraram no cálculo da população, em 2008, deve-se exclusivamente à queda dos níveis gerais da fecundidade no País.
 
Com isso, a taxa de crescimento da população diminuiu de 3,04% ao ano, no período 1950-1960, para 1,05% ao ano, em 2008, e poderá alcançar -0,291%, em 2050, com uma população projetada em 215,3 milhões de habitantes. Com estes resultados, espera-se que a população do Brasil atinja o chamado “crescimento zero” por volta de 2039, apresentando, a partir daí, taxas de crescimento negativas, o que acarretaria em declínios absolutos do volume da população.  
 
Assim, até 2039, o Brasil ainda apresentará um potencial de crescimento populacional, fruto do balanço entre os nascimentos e os óbitos ocorridos no País.


Notas:

1 - A taxa de fecundidade calculada em 1,93 em 2007, estima-se que esteja em 1,64 nos dias atuais em declínio até o ano de 2028 quando se estabilizaria em 1,50.




O controle de capitais e o IOF

 

Por Antonio Delfim Netto - Valor 11/06
 
A crítica ao "ativismo" do ilustre ministro Guido Mantega parece ter se transformado no esporte predileto dos analistas nacionais e internacionais do sistema financeiro. A recente decisão de reduzir de 6% para zero a alíquota do Imposto sobre Operações Financeiras, incidente sobre o fluxo de moeda estrangeira para aplicações em renda fixa, foi mais uma oportunidade para observações mordazes.

A crítica padece de fundamento mesmo para aqueles que ideologicamente (porque não há "teoria" que a sustente) preferem a plena liberdade dos movimentos de capitais. O ministro não pode ter errado duas vezes quando instituiu o IOF e quando o eliminou. Mereceria, portanto, elogios pelo menos uma vez!

A conveniência ou não da plena liberdade do movimento de capitais depende das circunstâncias. A história e a literatura econômicas a respeito do assunto revelam isso com a maior clareza. O Acordo de Bretton Woods, de 1944, que criou o FMI, estabeleceu um sistema de câmbio fixo referido ao dólar americano (que, por sua vez, referenciava-se ao ouro) ajustável sob a vigilância do próprio fundo.
Explicitamente, ele diz, no artigo IV, Seção 3 - Controle de transferência de capitais: "Os países-membros podem exercer tal controle, à medida que forem necessários para regular os movimentos dos capitais internacionais, mas nenhum deles pode exercê-lo para restringir o pagamento das transações correntes..."
Reconhecia, assim, que o controle de capitais poderia ser um instrumento de política econômica. Os EUA, depois de terem se desembaraçado da ligação dólar/ouro em 1973, foram removendo os seus mecanismos de controle de movimento de capitais. Nisso foram seguidos por outros países desenvolvidos. A partir dos anos 90 do século passado, a liberalização do movimento de capitais foi se impondo também aos países subdesenvolvidos.

Os argumentos teóricos para sustentar esse processo têm certa lógica. No fundo, uma generalização da teoria das vantagens comparativas que justifica a liberdade de comércio. Países com oportunidades de investimento diferentes, com taxas de poupança desiguais e com estruturas demográficas em estágios diferentes, poderiam beneficiar-se da liberdade de movimento de capitais, que produziria complementaridade entre eles. Os países com excedentes de poupança sem perspectiva de investimento poderiam transacionar com os deficientes em poupança com boas perspectivas de investimento. A troca beneficiaria os dois: os primeiros garantiriam seu consumo futuro, e os segundos acelerariam o seu crescimento. Essa troca intertemporal poderia também reduzir os efeitos das flutuações cíclicas da economia sobre o consumo e o investimento.

Não há estudos sólidos que revelem que tais benefícios são invariantes com relação à situação econômico-financeira do país receptor dos capitais. Os movimentos de capitais podem exercer influência deletéria sobre a formação da taxa de câmbio real, que é uma variável crítica no processo de desenvolvimento dos países. A plena liberdade do movimento de capitais não é, portanto, uma questão que possa ser resolvida teoricamente. É uma questão de conveniência, que deve ser apreciada diante de circunstâncias concretas. O controle do movimento dos capitais, como já dissemos, é apenas um instrumento de política econômica já reconhecido em Bretton Woods, por insistência de John Maynard Keynes. Ele está longe de envolver uma questão de princípio ou de ser uma recomendação prática de um abstrato modelo de equilíbrio econômico.

Quando o mercado é controlado por um sistema de câmbio flexível, e a taxa de juros real interna é superior a externa, a taxa de câmbio real deixa de ser o preço relativo que equilibra o valor do fluxo de entrada da moeda estrangeira (exportação) com o fluxo de sua saída (importação). A moeda nacional transforma-se num ativo financeiro, que é comprado e vendido a cada instante num mercado de mais de 10 mil operadores, que transacionam mais de US$ 2 trilhões a cada 24 horas, em operações de um milésimo de segundo, à procura de diferenças na terceira casa decimal das taxas de câmbio cruzadas de quase 150 países. Está longe, consequentemente, de poder ser controlado por qualquer autoridade nacional.

Dependendo das circunstâncias e da confiança dos operadores, o diferencial de juros pode tornar-se muito atrativo. O excesso de entrada de capitais, em busca de legítima remuneração, pode valorizar exageradamente, e por muito tempo, a taxa de câmbio real, produzindo desequilíbrios, cujos custos superam os benefícios que podem proporcionar ao país receptor. Do ponto de vista da teoria econômica, não há nada de pecaminoso, em tais circunstâncias, na introdução de um controle de capitais para preservar a estrutura produtiva do país.

Aqui talvez valha uma observação. A medida de eliminação do IOF foi interpretada como sendo feita para facilitar a entrada de capitais e amenizar a depreciação do real. Mas são suas circunstâncias que determinarão o efeito final. Aplicadores em papéis do Tesouro não se retiraram diante da onda de pessimismo criada no mercado financeiro, por receio de perder a oportunidade de aproveitar nossas altas taxas de retorno. Agora estão livres para fazê-lo, diante da mudança da situação internacional, o que poderá aumentar a pressão para a desvalorização do real.

Os economistas têm que introjetar o fato que não existe política econômica que seja invariante às circunstâncias, principalmente às expectativas. É por isso que o controle de capitais, ainda que necessário é, com tempo suficiente, elidível pelo mercado!

Antonio Delfim Netto é professor emérito da FEA-USP, ex-ministro da Fazenda, Agricultura e Planejamento.



 

Demografia (VI): "Ondas" demográficas

 

Por Fabio Giambiagi - Valor 12/06
 
Como sabem os leitores que acompanham esta série, estou escrevendo um conjunto de 12 artigos sobre nossa demografia, para socializar com o público um pouco do que aprendi lidando com o tema pela sua relação com os assuntos previdenciários. Depois de ter abordado o envelhecimento da sociedade, a mudança de perfil do país, a revisão da projeção populacional do IBGE, as novidades do Censo 2010 e a curiosidade de nascerem mais homens do que mulheres, hoje vou tratar das "ondas" associadas ao movimento de gerações.

Entre as diversas explicações para as fases de crescimento acelerado e de declínio dos países, dificilmente a questão populacional deixa de estar entre as causas da evolução de uma economia. O crescimento do Brasil até 1980, por exemplo, esteve em parte associado às ondas demográficas daqueles anos, com jovens brotando aos borbotões no mercado. No outro extremo, não há como dissociar a lentidão do crescimento do Japão nas últimas duas décadas ao que aconteceu com a sociedade daquele país, caracterizada pela forte elevação do contingente de idosos.


O objetivo desta nota é ir um pouco além da segmentação da população nos grupos tradicionais de "crianças e adolescentes", "adultos" e "idosos" e dar uma espécie de "zoom" para o que se espera que aconteça com o mercado de trabalho em termos da composição das pessoas em idade ativa por sub-grupos etários. O que se pretende é analisar o que deverá acontecer com cada um dos sub-grupos divididos em faixas de 10 anos. A tabela apresenta as taxas médias anuais para períodos de 10 anos, entre 2000 e 2050, com base na revisão populacional do IBGE de 2008.

Como se pode ver claramente, a dinâmica da evolução da população por faixa etária segue uma dinâmica de "ondas", ou seja, a taxa de crescimento de uma faixa em uma década tende a ser aproximadamente a taxa da faixa seguinte na década posterior. Por exemplo, o crescimento populacional no grupo de 0 a 9 anos entre 2010 e 2020 tende a ser muito parecido com o do grupo de 10 a 19 anos entre 2020 e 2030. Isso é especialmente válido quando se trata basicamente das mesmas pessoas, nas faixas em que a mortalidade é muito pequena. Na medida em que se vai progredindo nas faixas, como as taxas de mortalidade por faixas etárias são diferentes entre si, a taxa de crescimento da população numa faixa passa a diferir um pouco (ainda que mantendo a dinâmica) em relação à observada na faixa anterior uma década antes. De qualquer forma, a correspondência é clara. O declínio absoluto da população entre 10 e 19 anos na primeira década do século, por exemplo, vai se espelhar no "encolhimento" do sub-grupo entre 20 e 29 anos no período 2010/2020.


A importância desses dados reside em algo que merece um esforço de pesquisa mais denso do que os argumentos expostos em um curto artigo. Vou, porém, sintetizar meu ponto. Poucos duvidarão que é na faixa mais jovem de pessoas que se localiza o polo de maior produtividade em qualquer economia. Assim como um atleta de 20 anos corre mais do que um de 40, um trabalhador braçal de 25 anos tenderá a ser mais produtivo que um de 45 - e um economista de 30 anos poderá produzir mais artigos acadêmicos que aos 50.

No caso brasileiro, o sub-grupo de pessoas de 20 a 29 anos aumentou 2,70 % a.a. na década dos 80 e essa taxa caiu para 1,02 % entre 1990 e 2000. Já entre 2000 e 2010, ela aumentou para 1,44 %, após o que na atual década tal sub-grupo está encolhendo, refletindo a redução absoluta do número de crianças em anos anteriores. Na década de 2010, tal fato é em parte compensado pelo aumento de 1,50 % a.a. de um sub-grupo ainda muito dinâmico, o que vai de 30 a 39 anos. Observe-se, porém, que tanto a faixa de 20 a 29 anos como a de 30 a 39 anos irão declinar na próxima década. Na medida em que o mercado passar a ser dominado por "quarentões" e "cinquentões" (e falo como um deles...) que já não têm a produtividade e a criatividade dos mais jovens, conservar o impulso da economia vai se tornar mais difícil. Já na década de 2040, todas as faixas ativas estarão encolhendo - e só o sub-grupo dos idosos irá aumentar. O Brasil tem pela frente um desafio cujas dimensões ainda não foram percebidas pela opinião pública. E - o que é mais grave - nem pelo governo.

Fabio Giambiagi, economista, coorganizador do livro "Economia Brasileira Contemporânea: 1945/2010" (Editora Campus)




 

 

O exagerado perigo da inflação

 

Por Martin Wolf - Valor 12/06
 
Quase três anos atrás, no "Davos de Verão" do Fórum Econômico Mundial, em Tianjin, ouvi um político republicano dizer que os Estados Unidos enfrentariam uma hiperinflação dentro de dois anos. Fiquei estupefato. Mas um grande número de pessoas acha que a hiperinflação está a caminho. Se os Estados Unidos estão em apuros, certamente o Reino Unido também está. Existe alguma substância nessas previsões? A resposta é: provavelmente, no muito longo prazo. No momento, no entanto, o risco é que a inflação fique baixa demais, e não alta demais. Paradoxalmente, isso aumenta o risco de inflação no longo prazo.
O que impulsiona um processo inflacionário? O falecido Milton Friedman deu a resposta clássica: "A inflação é sempre, e em todo lugar, um fenômeno monetário, no sentido de que é e pode ser produzida apenas por um aumento mais rápido da quantidade de dinheiro do que da produção". Mas isso não explica por que a quantidade de dinheiro cresce mais rapidamente que a da produção. A resposta das pessoas atualmente apavoradas com a inflação divide-se em duas partes. Em primeiro lugar, os bancos centrais estão "imprimindo dinheiro" por meio do "afrouxamento quantitativo", e isso gerará, em última instância, uma alta explosiva dos meios de pagamento em conceito amplo. Em segundo lugar, os possíveis níveis da dívida pública acabarão estimulando os governos a dar o calote, por meio da inflação.
Examinemos o caso do Reino Unido, que tem uma dívida pública crescente e uma inflação recente relativamente alta. Sejam quais forem os perigos do mais longo prazo, o quadro dos próximos dois anos, aproximadamente, é exatamente o oposto. Tanto o índice restrito da taxa de inflação quanto a taxa de inflação oficial estão razoavelmente baixos. A inflação dos salários está próxima de zero e, apesar da queda da produtividade, os custos unitários de mão de obra sobem a menos de 2% ao ano. A taxa de câmbio se estabilizou, assim como os preços das commodities. O Fundo Monetário Internacional (FMI) prevê que eles tendem a recuar nos próximos anos. No cômputo geral, portanto, as pressões inflacionárias de curto prazo são muito fracas. O que vale para o Reino Unido vale ainda mais para os Estados Unidos e para a zona do euro.


Voltemo-nos agora para os próximos cinco anos. Nesse período, a demanda e a utilização de capacidade instalada assumem importância. Infelizmente, o Produto Interno Bruto (PIB) do Reino Unido está 16% abaixo de sua tendência pré-crise. As estimativas oficiais indicam também muita capacidade excedente: o FMI estima a "hiato do produto" - a diferença entre a produção real e a potencial - em 4% deste último este ano.
Embora não esteja tão elevado quanto se poderia esperar, o desemprego está em cerca de 8%. Além disso, a expansão dos próprios resultados do banco central não neutralizou os efeitos da queda da disposição dos bancos em emprestar. Em consequência disso, o volume de crédito e dos chamados "meios de pagamento em conceito amplo" em circulação está encolhendo. Finalmente, a política fiscal é altamente contracionista. Mesmo no médio prazo, portanto, é difícil acreditar que a inflação será mais do que um fogo-fátuo. E no mais longo prazo?
Será que a década de 2020 poderá presenciar uma irrupção inflacionária? Muitos acreditam que sim porque existe uma ligação direta - o fator conhecido como "multiplicador de dinheiro" - entre o depósito compulsório dos bancos comerciais mantido no banco central e a atividade de concessão de empréstimos pelos bancos comerciais ao público.
Mas um banco solvente pode obter as reservas de que necessita junto ao banco central. Além disso, o banco central cuidará para que esse tipo de banco nunca fique sem reservas, uma vez que a alternativa pode bem ser um colapso do sistema de pagamentos.
Assim, o capital próprio do banco é, pelo mesmo critério, um determinante muito mais importante de sua capacidade de gerar dinheiro do que suas reservas. No caso de o banco central querer baixar o volume das reservas bancárias excedentes, ele poderá vender títulos do governo ao público ou elevar a alíquota do depósito compulsório. Portanto, a ideia de que um alto nível de reservas garante uma futura escalada dos meios de pagamento em conceito amplo é falsa.


Um argumento mais convincente da probabilidade de alta inflação não é o de que ela é uma consequência necessária das políticas de hoje, e sim o de que ela é a maneira mais simples de os formuladores de políticas públicas lidar com o excesso de dívida pública (ou privada). Sob esse ponto de vista, os conflitos distributivos - entre credores e devedores ou talvez entre jovens e velhos - são solucionados pelo calote inflacionário sobre os compromissos financeiros. É fácil lembrar de precedentes desse tipo de redistribuição inflacionária de riqueza. Quais, afinal, são as alternativas?
Em linhas gerais, são elas: a austeridade, o crescimento e a repressão financeira (reduções das taxas de juros, provavelmente associadas a controles cambiais e a outras restrições aos investidores).
Na verdade, o Reino Unido tem uma história recente interessante de gerenciamento da elevada dívida pública. Depois da Segunda Guerra Mundial, a dívida líquida correspondia a mais que 200% do PIB. Por volta do início da década de 70, esse percentual era de 50%. Como ocorreu essa mudança? A resposta é que a dívida nominal pendente subiu 29% entre 1948-1949 e 1970-1971, e o PIB nominal, 336%. Tanto o PIB real (que cresceu 91%) quanto o nível de preços (com alta de 128%) contribuíram para esse resultado auspicioso: a taxa composta de crescimento do PIB nominal foi de 6,9%, a da economia real, de 3% e a do nível dos preços, de 3,8%.
A menos que o Reino Unido acabe ficando exatamente como o Japão das últimas duas décadas, o nível de dívida pública em relação ao PIB deverá acabar, na década de 2020, em menos de metade do que era em 1948. Diante disso, mesmo um crescimento do PIB nominal de 4% ao ano deverá resolver. Isso pressupõe que será possível transformar o déficit público primário num superávit, digamos, de 2% do PIB no início da década de 2020 e que as taxas de juros reais de longo prazo também não excederão os 2%. Segundo esses pressupostos, a estratégia de crescer para além do endividamento torna-se perfeitamente plausível.
Quais são as maiores ameaças? A resposta tem de ser: uma queda acentuada do PIB real que esmague os preços dos imóveis residenciais, eleve o desemprego, empurre a economia para a deflação e, o que é bastante plausível, até gere um novo choque financeiro. Isso tornaria o numerador - a dívida pública - ainda maior e o denominador- o PIB nominal - ainda menor. O único fator neutralizador poderia ser a queda das taxas de juros. Mas, como mostra a experiência do Japão, mesmo taxas de juros ultrabaixas não protegem uma economia do impacto adverso de déficits públicos muito prolongados e da deflação.
O crescimento sólido e sustentável é a solução. Ele pode transformar a ameaça da inflação num tigre de papel. (Tradução de Rachel Warszawski)

Martin Wolf é editor e principal comentarista econômico do FT.




Óleo na fervura

 
 
 
Valor 12/06 - Casa das Caldeiras
 
A possibilidade de o diretor de Política Econômica do Banco Central (BC), Carlos Hamilton Araújo, deixar a instituição é o mesmo que colocar óleo na fervura de um mercado que vem demonstrando descrédito especialmente quanto ao compromisso do governo Dilma Rousseff com o regime de metas para inflação e com a política fiscal. O diretor – defensor inflexível do regime de metas – teria pedido demissão duas vezes recentemente, em março e em maio, informa o Correio Braziliense na edição desta quarta-feira. O BC nega “categoricamente” que Hamilton esteja demissionário ou que tenha chegado a pedir demissão. Nesta quinta-feira, o diretor será palestrante no “2nd Annual National Asset-Liability Management symposium for the Americas”, em São Paulo. 
O Correio informou em sua matéria, apurada junto a integrantes da equipe econômica e economistas de mercado, que Hamilton teria tentado deixar o BC em março ao avaliar que a condução da política monetária seria dificultada pelo Planalto, após a afirmação da presidente, em Durban, de não acreditam em "políticas de combate à inflação que olhem a redução do crescimento econômico". A segunda tentativa de afastamento supostamente ocorreu no fim de maio, quando o Copom elevou a Selic em 0,5 ponto, para 8%. O diretor, informou o Correio, teria considerado o aperto mais político do que técnico, por ter ocorrido depois de pesquisas do governo indicarem a queda de aprovação a Dilma – o que foi confirmado pelos levantamentos do Data Folha e CNT.
O diretor de Política Econômica do BC foi protagonista de um episódio inédito na terceira semana de abril, quando fez um duro alerta sobre a inflação em discurso feito durante um evento em São Paulo, na sequência da divulgação da Ata do Copom considerada “branda” por especialistas. O ineditismo do momento foi caracterizado pelo fato de o discurso desafinar tão claramente de um documento da instituição e também pela repercussão direta no mercado. 
Hamilton provocou forte aceleração dos juros futuros, movimento classificado como evidência da credibilidade do diretor junto ao mercado financeiro. Economistas apontaram, nas semanas seguintes, trechos do discurso do diretor como o melhor diagnóstico recente sobre a inflação brasileira. Em tempo: após o discurso em seminário promovido pelo Itaú BBA, tornou-se pública a informação de que seu conteúdo era compartilhado pela diretoria do BC, e que o texto foi preparado em parceria com o presidente Alexandre Tombini. 
Quem ouviu e leu o relato de Hamilton sobre o processo inflacionário recente no Brasil, reconheceu, naquele momento, sua permanência no cargo como indicação de fortalecimento do BC no governo Dilma e uma demonstração de que a abertura dos votos de diretores da autarquia nas reuniões do Copom – decorrente da proposta de maior transparência das ações do governo formalizada na Lei de Acesso à Informação – estaria colocando as finanças por aqui em novo patamar. Afinal, o diretor do BC discursou a uma plateia altamente especializada em vários tons acima da Ata do Copom que ocupa lugar de destaque entre os instrumentos de comunicação da autoridade monetária com o mercado financeiro.  
Em seu discurso, Hamilton listou dentre outros, cinco desenvolvimentos ajudam a entender a evolução recente da inflação: os choques desfavoráveis, domésticos e externos, no segmento de alimentação; a depreciação do real ocorrida ano passado; as repercussões diretas, bem como sobre a dinâmica da curva de salários, do aumento de 14,3% do salário mínimo; política fiscal e parafiscal expansionista; e política monetária expansionista. “Cabe destacar que, atualmente, as duas últimas condições ainda prevalecem”, acrescentou. 
Ao concluir o pronunciamento em 25 de abril, o diretor de Política Econômica do BC foi enfático ao afirmar que “embora reconheça que a inflação corrente e as projeções de inflação estejam elevadas, bem como que o balanço de riscos no horizonte relevante se apresenta desfavorável, vou discordar daqueles que argumentam que a inflação no Brasil está fora do controle. Não está. Não está e nem estará. Quero lembrar que o BC l dispõe - e está fazendo uso - do instrumento de política (a taxa Selic), que, por excelência, destina-se a combater a inflação e o faz com eficácia. E como última palavra, gostaria de registrar que cresce em mim a convicção de que o Copom poderá ser instado a refletir sobre a possibilidade de intensificar o uso do instrumento de política monetária (da taxa Selic).” 
Em tempo: na reunião do Copom encerrada em 7 de abril, o BC iniciou o atual ciclo de política monetária e elevou a Selic em 0,25 ponto percentual, para 7,50% ao ano. No encontro seguinte, de 28 e 29 de maio, o aumento da taxa básica foi de fato intensificado de 0,25 para 0,50 ponto.

terça-feira, 4 de junho de 2013

Política fiscal austera

 

Por Antonio Delfim Netto - 04/06
 
Há um movimento de parlamentares que deseja engessar a execução orçamentária para garantir o cumprimento automático das suas emendas, o que teria alguma vantagem institucional do ponto de vista da relação entre os poderes da República. Mas a prática do "orçamento impositivo" esconde um enorme perigo, porque a manipulação do orçamento no Congresso deixa muito a desejar, uma vez que 90% das despesas já são impositivas. Por outro lado, as estimativas da "receita" vão sendo alegremente ajustadas ao longo das discussões no Parlamento e a aprovação final do orçamento é feita na 25ª hora do último expediente, o que acaba incorporando despropósitos.
É importante compreender que uma política fiscal séria, que contemple o equilíbrio fiscal nominal ao longo do ciclo econômico e mantenha a relação dívida pública bruta/PIB relativamente estável, é a base de tudo: do crescimento robusto sem pressões inflacionárias e capaz de sustentar uma política de aumento da igualdade de oportunidades para todos os cidadãos. O exercício abaixo pretende mostrar isso.

Como é intuitivo, o volume da produção de um país é resultado da combinação de muitas variáveis. No curto prazo, digamos um ano, a maioria delas (as instituições, por exemplo) são praticamente constantes. O mesmo acontece com o estoque de capital físico - os bens de produção, as estradas, os portos etc... O único fator de produção ajustável é o nível de uso da mão de obra determinado pela oferta e demanda no mercado de trabalho. Se há um estresse nesse mercado porque toda a mão de obra disponível está (para efeitos práticos) empregada, a produção física, no curto prazo, estará limitada por ela. A coisa é um pouco mais complicada porque parte da mão de obra pode estar "estocada" no setor industrial devido ao alto custo de sua dispensa quando comparado com a "esperança" que um eventual aumento da demanda setorial permitirá utilizá-la. Mas isso exige uma mudança de preços relativos, particularmente das taxas reais de câmbio e juros.
Levando a simplificação ao extremo, sem prejudicar o efeito para o qual queremos chamar a atenção, podemos dizer que, no curto prazo, o volume físico do PIB que pode ser produzido é praticamente constante. Esqueçamos o complicado problema da unidade em que ele é medido e vamos fazê-lo igual a 100. Para produzi-lo temos (por hipótese) de importar 14 unidades físicas, na mesma unidade complexa. Logo a "oferta" total disponível é igual a 100 + 14 = 114. Suponhamos que ela ("demanda") seja utilizada da seguinte forma que mimetiza a economia brasileira:


Oferta e procura globais estão em equilíbrio contábil. Todos os componentes podem variar, menos o PIB = 100. Este é determinado pelas restrições dos fatores de produção, particularmente, da mão de obra. Pelos números do exercício vemos que o saldo em conta corrente (exportação menos importação) é igual a -2. Podemos, portanto, escrever:
Como o PIB é constante e igual a 100, qualquer mudança de seu uso (por exemplo, um aumento do investimento) terá que ser, necessariamente, compensada por uma redução equivalente dos outros componentes. Suponhamos que o investimento seja de 22 (mais 4). Então, o corte no consumo das famílias e do governo e o aumento do saldo negativo das transações correntes teriam que somar 4. Isso, obviamente, não acontece pela "vontade" de alguém. Será resultado das "forças" que determinam cada tipo de uso.
Quais são essas forças? O consumo das famílias é, basicamente, determinado pelo nível de renda disponível (PIB = 100, menos a carga tributária, receita do governo). O consumo do governo é determinado discricionariamente. O investimento depende da taxa de juros real. O saldo em conta corrente, da taxa de câmbio real. Nesse exercício, simplificado pela circunstância do PIB ser constante, não é preciso ser um físico quântico para intuir que a taxa de juro real e a taxa de câmbio real devem variar com sinais contrários: quando o investimento cresce (porque a taxa de juro real caiu) o déficit em conta corrente deve aumentar, o que significa que a taxa de câmbio real deve valorizar-se. Em outras palavras, câmbio real e juro real são ligados por uma relação inversa.
Vamos agora ao que interessa. Numa situação como a atual, em que o PIB é praticamente constante por restrições físicas, qual é o resultado de uma política fiscal expansionista que aumenta a despesa discricionária do governo? Sobre o consumo o efeito será nulo porque o PIB é constante e não houve aumento de tributação. Aliás, a redução de impostos pode até ampliá-lo. Logo, o corte será sobre o investimento (controlado pela taxa de juros real) e/ou a ampliação do déficit em conta corrente (controlado pela taxa de câmbio real).
Sem entrar nos mecanismos de transmissão nos mercados que produzirão tais resultados, é intuitivo que os efeitos produzidos pela ampliação das despesas do governo (PIB constante) serão: 1º) um aumento da taxa de juros real para cortar o investimento e/ou 2º) uma valorização do câmbio real para aumentar o déficit em conta corrente. Portanto, tudo que o Brasil precisa neste momento para aumentar a potência da política monetária sem prejudicar o crescimento é de uma política fiscal mais austera.

Antonio Delfim Netto é professor emérito da FEA-USP, ex-ministro da Fazenda, Agricultura e Planejamento.