sexta-feira, 28 de junho de 2013

Banqueiros centrais caem "na real"

 

Por Raghuram Rajan - Valor 28/06
 
Os mercados estão mais uma vez em crise, após a sinalização do Fed (Federal Reserve, banco central dos EUA) de que até o fim do ano poderá reduzir suas compras de títulos. A intensidade da reação do mercado foi surpreendente, pelo menos, em vista da percepção de como funciona a política de afrouxamento quantitativo do Fed. Afinal de contas, o Fed teve o cuidado de indicar que conservará sua política de manutenção dos juros perto de zero e não esvaziará seu estoque de títulos.
A teoria dominante sobre como funciona a flexibilização quantitativa é a abordagem do tipo "equilíbrio de carteira". Basicamente, mediante a compra de títulos de longo prazo do Tesouro nas carteiras dos investidores privados, o Fed espera que esses investidores venham a reequilibrar suas carteiras. Devido à remoção de um ativo de risco e sua substituição por reservas seguras do banco central, os apetites por risco não satisfeitos, por parte dos investidores, vai crescer, o preço de todos os ativos de risco (inclusive os dos títulos do Tesouro de longo prazo remanescentes em carteiras privadas) subirão, e os rendimentos dos títulos cairão.
Um elemento central da teoria é que o estoque de títulos que o Fed removeu de carteiras privadas, e não o fluxo de compras do Fed, será o fator determinante do apetite dos investidores por risco. A menos que os investidores pensassem que o Fed manteria indefinidamente suas compras de títulos, as notícias sobre a redução nas compras pelo Fed deveria ter tido um efeito apenas moderado sobre as expectativas de mercado quanto ao eventual estoque de títulos que o Fed pretende acumular. Então, por que ocorreu uma reação tão violenta nos mercados mundiais?


Uma resposta possível é que o volume de compras mensais pelo Fed também é relevante para os preços de ativos em todo o mundo. Outra possibilidade é que os investidores em todo o mundo leram muito mais, nas afirmações do Fed, do que o próprio Fed pretendia. Qualquer dessas respostas é preocupante, pois sugere que os bancos centrais - que agora detêm trilhões de dólares em ativos - têm menor capacidade para administrar o processo de reversão da flexibilização quantitativa do que gostaríamos. Winston Churchill poderia ter filosofado sobre a flexibilização quantitativa: "Nunca no campo da política econômica tanto foi gasto, com tão pouca evidência, por tão poucos".
A flexibilização quantitativa foi realmente um passo no escuro. Dadas todas as incertezas - por que ela funciona, como torná-la mais eficaz e como revertê-la - por que os banqueiros centrais, para quem "inovador" é geralmente um "palavrão", abandonaram seu habitual conservadorismo e a adotaram?
Uma possibilidade é de que, no passado, as crises ocorriam tipicamente em países com economistas de formação não tão sólida quanto os disponíveis, por exemplo, nos EUA e na Europa. Quando às autoridades econômicas de países emergentes era dito que precisavam implementar substancial austeridade, assim como promover um fechamento generalizado de bancos para purificar a economia na esteira de uma crise, eles não protestaram, apesar da perspectiva de anos de desemprego elevado. Em suma, as pessoas que determinavam as políticas estavam distantes das que iriam sofrer.


Quando a crise bateu em casa, os economistas ocidentais mostraram-se muito menos dispostos a aceitar que o sofrimento era necessário. O keynesianismo, que promete respostas indolores, ressurgiu, mais uma vez. O Fed, presidido pelo economista monetário possivelmente mais importante do mundo, propôs soluções criativas que poucos nos círculos políticos, inclusive nas instituições multilaterais geralmente conservadoras, questionaram.
Mas essa não é uma explicação inteiramente satisfatória. Economistas agraciados com o prêmio Nobel, como Joe Stiglitz, protestaram pública e enfaticamente sobre o tipo de austeridade a que a Indonésia, por exemplo, foi sujeita.
Consideremos uma outra explicação: talvez o sucesso dos banqueiros centrais em impedir o colapso do sistema financeiro após a crise de 2008 tenha lhes assegurado tal confiança do público que puderam ir mais longe. Talvez seu socorro bem sucedido ao sistema bancário também tenha levado alguns bancos centrais a acreditarem possuir o toque de Midas. Afinal, apesar de seu conservadorismo natural, teria sido difícil para os bancos centrais nada fazerem para melhorar o crescimento e reduzir o desemprego.
Pouca gente ficou feliz com o socorro aos grandes bancos, e muitos não entenderam por que o sistema financeiro tinha de ser salvo quando seus próprios empregadores estavam demitindo ou fechando as portas.
Com efeito, talvez a melhor explicação seja que em vez de criar mais espaço para os bancos centrais, os socorros bancários estreitaram seu espaço político de manobra. Talvez o que obrigou os bancos centrais a agir de forma criativa foi a dificuldade política de nada fazer após terem gasto bilhões socorrendo bancos privados. Afinal de contas, como seria possível permitir que um problema técnico, como o limite inferior de juro nominal nulo poderia antepor-se a um socorro à economia em geral, quando linhas de financiamento inovadoras foram utilizadas para salvar Wall Street? Depois que os banqueiros centrais promoveram o necessário socorro aos bancos, talvez eles tenham ficado enredados no cenário político, o que tornou a flexibilização quantitativa um resultado inevitável.
Assim como muita coisa relacionada com as recentes políticas monetárias não convencionais, há muitas coisas sobre as quais só podemos imaginar, inclusive por que foram implementadas. No fim das contas, se houver um mito de que os fatos recentes explodiram, é provavelmente o que considera os banqueiros centrais, como tecnocratas imunes ao cenário político e às ideologias de seu tempo. Também eles caíram "na real". (Tradução de Sergio Blum)

Raghuram Rajan foi economista chefe do FMI, é professor de Finanças na School of Business, da Universidade de Chicago, e principal conselheiro econômico do governo da Índia. É autor de Fault Lines: How Hidden Fractures Still Threaten the World Economy (linhas de fraturas: como falhas ocultas ainda ameaçam a economia mundial. Copyright: Project Syndicate, 2013.
www.project-syndicate.org


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