terça-feira, 18 de junho de 2013

A crise da União Europeia



 

 

Por Víctor Pou - Valor 18/06
 
A União Europeia atravessa a situação mais difícil de sua história. Joschka Fisher, ex-ministro alemão de Relações Exteriores, acaba de escrever: "Na Europa, sabemos que a atual crise ou destrói a UE ou cria sua união política". Trata-se mais de uma concatenação de crises, em cujo núcleo está a região do euro, com 17 dos 27 países da UE.
A crise da região do euro traz entranhada uma crise de legitimidade, porque as receitas de austeridade e reformas estruturais impostas por Bruxelas e inspiradas na Alemanha, assim como as formas de aplicação, são rejeitadas por muitos países, em especial, os países periféricos devedores. O descontentamento da população com a UE alcança níveis preocupantes e até agora inéditos. A Grécia está na ponta, com 81% dos cidadãos dizendo não confiar na UE. A seguir vem a Espanha, com 72%. O descontentamento chega até a países centrais, como a Alemanha, com 59%. Uma sondagem recente, do Pew Research Center, dos Estados Unidos, mostra declínio na confiança em todos os países da UE. Na França, caiu de 60% a 40% em um ano. Essa desconfiança, no entanto, não afeta o euro, que ainda goza de forte apoio nos países socorridos, como a Grécia, ou socorridos em parte, como a Espanha.
Reina na Europa uma crise política de grandes proporções, marcada pelo forte declínio dos grandes partidos nas pesquisas e pelo aparecimento de grupos populistas, demagógicas, extremistas e antieuropeias.
Tudo isso é indicador de uma crise de "story telling". Com a crise da região do euro, acabou-se o "consenso passivo" dos cidadãos europeus com as propostas de Bruxelas, como as de reconciliação de velhos inimigos, paz e prosperidade, integração e harmonia, defesa da democracia e das liberdades fundamentais diante das ditaduras autoritárias do sul da Europa e do totalitarismo comunista soviético. As receitas que agora chegam aos cidadãos - austeridade, sacrifício, produtividade, aumento de competividade - criam uma rejeição frontal; e não se vê uma narrativa que volte a seduzir os europeus.
A crise de governança também é evidente. Instituições tradicionais e genuinamente comunitárias, como a Comissão Europeia (CE) ou o Parlamento Europeu, com as urgências da crise monetária, deram lugar a estruturas como o Eurogrupo, a famosa troika - como são chamados os representantes do Banco Central Europeu (BCE), Fundo Monetário Internacional (FMI) e CE - e, principalmente, o Conselho Europeu, cuja frequência de reuniões aumentou, evidenciando a preponderância do método intergovernamental na tomada de decisões, em vez do método comunitário, no qual a CE é o motor que propõe, o Conselho decide e o Parlamento
Além disso, é notória a crise de liderança política na Europa, assim como o sentimento de nostalgia por grandes personalidades, como as que possibilitaram a criação das primeiras Comunidades Europeias - os "pais" da Europa, como Jean Monnet, Konrad Adenauer, Alcide Degasperi ou Robert Schuman - e seu feliz desenvolvimento nas décadas posteriores, com personagens como Mitterand, Kohl ou Delors.

O epicentro da tempestade é a crise da região do euro, decorrente principalmente de seu projeto inicial defeituoso. A União Econômica e Monetária (UEM) nasceu sem união política, governo econômico e união fiscal. Era integrada por um grupo de Estados que não formavam uma união monetária ideal e apresentavam um alto índice de heterogeneidade produtiva. Em seus primeiros dez anos, funcionou bem e os mercados não distinguiram entre os títulos de dívidas públicas emitidos por seus países-membros. Quando chegou a crise financeira de 2007/2008, no entanto, viu-se que o comportamento dos membros da UEM havia sido muito distinto durante os anos de bonança.
A Alemanha havia conduzido profundas reformas estruturais em seu mercado de trabalho e atingido grandes índices de competitividade internacional, mas outros países haviam gerado enormes bolhas financeiras e imobiliárias. A crise da dívida soberana na região do euro se consolidou com força em 2010 e, então, chegaram os socorros financeiros internacionais à Grécia, Irlanda, Portugal e Chipre, além do resgate aos bancos na Espanha. Entre 2010 e 2012, foram improvisadas medidas para combater a tempestade e temeu-se pela vida do euro. No verão de 2012, seguiu-se rumo a uma profunda reforma da UEM, por meio do avanço em direção à união bancária, à coordenação das políticas econômicas e à mutualização parcial da dívida acumulada. O futuro do euro parece assegurado.

Os especialistas, contudo, ainda consideram que há quatro cenários em aberto para o futuro: status quo e ameaça de estagnação no estilo do Japão; desintegração; fragmentação entre centro e periferia; e êxito das reformas em andamento, dirigindo-se no médio prazo à união política. Apenas este último cenário pode salvar a Europa da irrelevância internacional em um século XXI caracterizado pela continuidade de pujança dos EUA e o enorme crescimento de países emergentes como a China, Brasil e Índia. (Tradução de Sabino Ahumada).

Víctor Pou é professor de economia do Iese Business School





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