quarta-feira, 12 de junho de 2013

O exagerado perigo da inflação

 

Por Martin Wolf - Valor 12/06
 
Quase três anos atrás, no "Davos de Verão" do Fórum Econômico Mundial, em Tianjin, ouvi um político republicano dizer que os Estados Unidos enfrentariam uma hiperinflação dentro de dois anos. Fiquei estupefato. Mas um grande número de pessoas acha que a hiperinflação está a caminho. Se os Estados Unidos estão em apuros, certamente o Reino Unido também está. Existe alguma substância nessas previsões? A resposta é: provavelmente, no muito longo prazo. No momento, no entanto, o risco é que a inflação fique baixa demais, e não alta demais. Paradoxalmente, isso aumenta o risco de inflação no longo prazo.
O que impulsiona um processo inflacionário? O falecido Milton Friedman deu a resposta clássica: "A inflação é sempre, e em todo lugar, um fenômeno monetário, no sentido de que é e pode ser produzida apenas por um aumento mais rápido da quantidade de dinheiro do que da produção". Mas isso não explica por que a quantidade de dinheiro cresce mais rapidamente que a da produção. A resposta das pessoas atualmente apavoradas com a inflação divide-se em duas partes. Em primeiro lugar, os bancos centrais estão "imprimindo dinheiro" por meio do "afrouxamento quantitativo", e isso gerará, em última instância, uma alta explosiva dos meios de pagamento em conceito amplo. Em segundo lugar, os possíveis níveis da dívida pública acabarão estimulando os governos a dar o calote, por meio da inflação.
Examinemos o caso do Reino Unido, que tem uma dívida pública crescente e uma inflação recente relativamente alta. Sejam quais forem os perigos do mais longo prazo, o quadro dos próximos dois anos, aproximadamente, é exatamente o oposto. Tanto o índice restrito da taxa de inflação quanto a taxa de inflação oficial estão razoavelmente baixos. A inflação dos salários está próxima de zero e, apesar da queda da produtividade, os custos unitários de mão de obra sobem a menos de 2% ao ano. A taxa de câmbio se estabilizou, assim como os preços das commodities. O Fundo Monetário Internacional (FMI) prevê que eles tendem a recuar nos próximos anos. No cômputo geral, portanto, as pressões inflacionárias de curto prazo são muito fracas. O que vale para o Reino Unido vale ainda mais para os Estados Unidos e para a zona do euro.


Voltemo-nos agora para os próximos cinco anos. Nesse período, a demanda e a utilização de capacidade instalada assumem importância. Infelizmente, o Produto Interno Bruto (PIB) do Reino Unido está 16% abaixo de sua tendência pré-crise. As estimativas oficiais indicam também muita capacidade excedente: o FMI estima a "hiato do produto" - a diferença entre a produção real e a potencial - em 4% deste último este ano.
Embora não esteja tão elevado quanto se poderia esperar, o desemprego está em cerca de 8%. Além disso, a expansão dos próprios resultados do banco central não neutralizou os efeitos da queda da disposição dos bancos em emprestar. Em consequência disso, o volume de crédito e dos chamados "meios de pagamento em conceito amplo" em circulação está encolhendo. Finalmente, a política fiscal é altamente contracionista. Mesmo no médio prazo, portanto, é difícil acreditar que a inflação será mais do que um fogo-fátuo. E no mais longo prazo?
Será que a década de 2020 poderá presenciar uma irrupção inflacionária? Muitos acreditam que sim porque existe uma ligação direta - o fator conhecido como "multiplicador de dinheiro" - entre o depósito compulsório dos bancos comerciais mantido no banco central e a atividade de concessão de empréstimos pelos bancos comerciais ao público.
Mas um banco solvente pode obter as reservas de que necessita junto ao banco central. Além disso, o banco central cuidará para que esse tipo de banco nunca fique sem reservas, uma vez que a alternativa pode bem ser um colapso do sistema de pagamentos.
Assim, o capital próprio do banco é, pelo mesmo critério, um determinante muito mais importante de sua capacidade de gerar dinheiro do que suas reservas. No caso de o banco central querer baixar o volume das reservas bancárias excedentes, ele poderá vender títulos do governo ao público ou elevar a alíquota do depósito compulsório. Portanto, a ideia de que um alto nível de reservas garante uma futura escalada dos meios de pagamento em conceito amplo é falsa.


Um argumento mais convincente da probabilidade de alta inflação não é o de que ela é uma consequência necessária das políticas de hoje, e sim o de que ela é a maneira mais simples de os formuladores de políticas públicas lidar com o excesso de dívida pública (ou privada). Sob esse ponto de vista, os conflitos distributivos - entre credores e devedores ou talvez entre jovens e velhos - são solucionados pelo calote inflacionário sobre os compromissos financeiros. É fácil lembrar de precedentes desse tipo de redistribuição inflacionária de riqueza. Quais, afinal, são as alternativas?
Em linhas gerais, são elas: a austeridade, o crescimento e a repressão financeira (reduções das taxas de juros, provavelmente associadas a controles cambiais e a outras restrições aos investidores).
Na verdade, o Reino Unido tem uma história recente interessante de gerenciamento da elevada dívida pública. Depois da Segunda Guerra Mundial, a dívida líquida correspondia a mais que 200% do PIB. Por volta do início da década de 70, esse percentual era de 50%. Como ocorreu essa mudança? A resposta é que a dívida nominal pendente subiu 29% entre 1948-1949 e 1970-1971, e o PIB nominal, 336%. Tanto o PIB real (que cresceu 91%) quanto o nível de preços (com alta de 128%) contribuíram para esse resultado auspicioso: a taxa composta de crescimento do PIB nominal foi de 6,9%, a da economia real, de 3% e a do nível dos preços, de 3,8%.
A menos que o Reino Unido acabe ficando exatamente como o Japão das últimas duas décadas, o nível de dívida pública em relação ao PIB deverá acabar, na década de 2020, em menos de metade do que era em 1948. Diante disso, mesmo um crescimento do PIB nominal de 4% ao ano deverá resolver. Isso pressupõe que será possível transformar o déficit público primário num superávit, digamos, de 2% do PIB no início da década de 2020 e que as taxas de juros reais de longo prazo também não excederão os 2%. Segundo esses pressupostos, a estratégia de crescer para além do endividamento torna-se perfeitamente plausível.
Quais são as maiores ameaças? A resposta tem de ser: uma queda acentuada do PIB real que esmague os preços dos imóveis residenciais, eleve o desemprego, empurre a economia para a deflação e, o que é bastante plausível, até gere um novo choque financeiro. Isso tornaria o numerador - a dívida pública - ainda maior e o denominador- o PIB nominal - ainda menor. O único fator neutralizador poderia ser a queda das taxas de juros. Mas, como mostra a experiência do Japão, mesmo taxas de juros ultrabaixas não protegem uma economia do impacto adverso de déficits públicos muito prolongados e da deflação.
O crescimento sólido e sustentável é a solução. Ele pode transformar a ameaça da inflação num tigre de papel. (Tradução de Rachel Warszawski)

Martin Wolf é editor e principal comentarista econômico do FT.




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