quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

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REPRESENTANTE DA TENDÊNCIAS CONSULTORIA FALA SOBRE PRONUNCIAMENTO DE TOMBINI  TEMPO: 00:05:40


Em entrevista ao programa “Conta Corrente”, da Globo News, a representante da Tendências Consultoria, Alessandra Ribeiro, falou sobre o pronunciamento do presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, de que a economia vai crescer mais no segundo semestre do ano.

SONORA:

*ALESSANDRA RIBEIRO, representante da Tendências Consultoria
TV: GLOBO NEWS
PROGRAMA: CONTA CORRENTE
APRESENTADOR: RAQUEL NOVAES


ÚLTIMAS INFORMAÇÕES DO MERCADO FINANCEIRO COM NÚRIA SALDANHA TEMPO: 00:4:35  - 28/02


Direto da BM&FBovespa, a repórter Núria Saldanha traz as últimas informações do mercado financeiro.


TV: BAND NEWS
PROGRAMA: BAND NEWS MANHÃ
APRESENTADOR: VANESSA COCHI




'Economia brasileira cresce abaixo do potencial desde o 3º tri'

Valor 29/02

A uma semana da reunião em que o Banco Central (BC) definirá a nova Selic, o presidente da instituição, Alexandre Tombini, deu ontem ao mercado a mais clara sinalização do que baliza as últimas decisões da diretoria do BC. Em depoimento no Senado, Tombini afirmou que a economia está crescendo abaixo do seu potencial desde o terceiro trimestre de 2011. Em seguida, arrematou: "Não é por outra razão que o BC vem ajustando a Selic", afirmou.

De acordo com Tombini, a atividade está se recuperando do crescimento zero registrado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) no terceiro trimestre do ano passado, sem, no entanto, acelerar a inflação. Pelo contrário - o Brasil vive desde outubro do ano passado um "processo de desinflação forte", disse, levando em consideração o IPCA acumulado nos últimos 12 meses.

Desde 31 de agosto, quando o BC iniciou o afrouxamento, que já reduziu em Selic em dois pontos percentuais, o presidente do BC tem reiterado que a inflação iria convergir para o centro da meta de 4,5%. Ontem, no entanto, Tombini deixou claro que o manejo da política monetária leva em conta também o ritmo da economia. Ao crescer abaixo do potencial, portanto, a atividade pode ser estimulada sem gerar aumento de preços.

Os economistas divergem quanto ao Produto Interno Bruto (PIB) potencial do Brasil - ou seja, aquele crescimento econômico que é possível obter sem inflação. Para parte relevante do mercado, um avanço do PIB entre 3,5% e 4% seria o potencial da economia hoje, isto é, o máximo que a atividade pode crescer sem pressão sobre os preços. Outros acham que há possibilidade de crescer até 4,5%. Tombini não informou qual seria o PIB potencial estimado pelo BC, mas por dois momentos repetiu que desde o terceiro trimestre a economia cresce abaixo do seu potencial.

O dado oficial do PIB para o quarto trimestre será divulgado pelo IBGE nos próximos dias. O Índice da Atividade Econômica (IBC-Br) calculado mensalmente pelo BC, aponta para um avanço de 0,5%, feito o ajuste sazonal, entre o terceiro e o quarto trimestre. No terceiro, o IBGE já divulgou que o crescimento foi nulo na comparação com o segundo trimestre.

Para Tombini, a economia brasileira está acelerando e o segundo semestre ano vai registrar um ritmo mais forte que o primeiro. Isso ocorrerá especialmente devido ao incremento nos investimentos, algo que, como disse Tombini no Senado, "tem tido muita ênfase no governo em 2012". O avanço da economia, no entanto, não vai inviabilizar a convergência do IPCA para a meta, afirmou.

"Nossa perspectiva é de que a economia cresça mais no segundo semestre, ao mesmo tempo em que a inflação continua em sua trajetória de convergência à meta", disse Tombini na audiência realizada pela Comissão de Assuntos Econômicos (CAE). "O Brasil vai crescer mais em 2012 do que cresceu em 2011, sem dúvida."

A próxima reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) será na semana que vem. A maioria dos analistas do mercado entende que o Copom deve voltar a cortar a Selic, atualmente em 10,5% ao ano, em 0,5 ponto percentual. Na ata da última reunião do Copom, em janeiro, o BC deixou claro que há condições para a Selic atingir o patamar de um dígito neste ano.

Taxa natural de desemprego e a política monetária



Por Tony Volpon - Valor 29/02

A iniciativa do Banco Central (BC) de pesquisar junto ao mercado estimativas para a taxa neutra de juros e a taxa natural de desemprego (Nairu) oferece uma oportunidade de rever duas importantes variáveis para pautar o debate sobre a política monetária.

No nosso trabalho para responder o BC, os resultados mais interessantes vieram na estimativa da taxa natural de desemprego. Isso porque, enquanto há pouco debate sobre o fato de que a taxa neutra de juros no Brasil vem caindo, no caso da taxa de desemprego, há uma aparente dificuldade em explicar porque o nível de emprego continua a subir apesar da recente forte desaceleração da economia.

Uma queda no nível de desemprego, apesar das oscilações da atividade, sugere que a taxa natural de desemprego vem caindo, o que deve nos levar a explorar o que pode estar causando isso. Uma possibilidade seria o crescimento mais intensivo do setor de serviços. Olhando para o crescimento dos serviços dentro do Produto Interno Bruto (PIB), verificamos que a taxa média trimestral desde 2004 tem sido de 4,4% ao ano, contra 3,7% para a indústria e 3,3% para a agricultura. O crescimento maior do setor de serviço, por ser mais intenso em mão de obra, levaria naturalmente a uma queda na taxa de desemprego.

Para tentar capturar esse efeito, criamos uma variável usando dados da Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) que mede o crescimento de empregos no setor de serviços, além do crescimento esperado do setor dado a expansão do mercado de trabalho como um todo. Verificamos que, na média, desde 2006, o setor de serviços tem criado mais de 5 mil vagas por mês acima do que seria de se esperar, e que hoje esse número está acima de 15 mil empregos por mês.

A inclusão dessa variável, o hiato do produto, e o nível da taxa de juros real possibilitam explicar o desempenho da taxa de desemprego. Podemos, anulando o efeito do hiato do produto, calcular que a taxa natural de desemprego para a economia brasileira estaria hoje ao redor de 7,2%, portanto 1,7% acima do nível de 5,5% verificado no final do ano

Esse resultado confirma a impressão que o mercado de trabalho vem afetando negativamente a inflação, mas é importante entender por quê. Podemos verificar que no fim do ano passado o hiato do produto se encontrava em território levemente negativo, em função da desaceleração em curso, elevando a taxa de desemprego em 0,2%. Mas, ao mesmo tempo, o crescimento relativo de empregos no setor de serviços estava levando a taxa de desemprego a cair 1,6% do seu nível de equilíbrio. Isto é, a causa do mercado de trabalho aquecido não vem de uma política monetária excessivamente frouxa por parte do BC (o que geraria um hiato positivo) mas de um choque de demanda concentrado no setor de serviços.

Somos acostumados a pensar em "choques de oferta", como grandes movimentos nos preços de commodities, mas nada impede que a economia também sofra choques exógenos de demanda. Nos últimos anos é inegável a crescente demanda por serviços no Brasil, provavelmente devido a uma combinação de crescimento da renda com mudanças de hábitos de consumo devido a mudanças de classe social. Independentemente das razões, acreditamos que o Brasil hoje sofre um choque específico de demanda por serviços que tem no mercado de trabalho o principal mecanismo de transmissão para o resto da economia, elevando o custo de trabalho até em setores como a indústria, que sofrem situação bastante adversa.

Podemos ver isso também no comportamento da inflação de serviços subindo acima de 9%. O Brasil tem hoje muito mais um problema de inflação de serviços do que um problema com a inflação, e isso também é sintomático do choque pelo qual passamos.

A boa notícia é que esse choque não vai durar para sempre. Podemos ver a atual inflação de serviços como o "sinal" correto microeconômico dado pelo sistema de preços para puxar recursos para este setor e aumentar a sua oferta ao longo do tempo. Diferentemente de bens comercializáveis, que podem ser importados, a oferta da maioria dos serviços tem origem local e resposta de oferta menos elástica. Mas gradualmente essa oferta vai surgir, fechando o descompasso com a demanda.

Nossa análise permite uma interpretação nova da recente condução da política monetária pelo BC. Podemos interpretar a surpreendente decisão do Banco Central de cortar a taxa Selic em agosto e suas subsequentes decisões como uma escolha de acomodar o choque de demanda do setor de serviços e privilegiar o choque negativo causado pela crise europeia, um choque que já levou a inflação de bens comercializáveis para 4,01% ao ano em janeiro, abaixo do centro da meta. Enfrentando uma economia rodando a duas velocidades distintas, o BC fez sua opção.

Sabemos que só um aperto monetário draconiano levaria a inflação de serviços para a meta. Está claro que não há nenhum apoio na sociedade para isso. Mas, ao mesmo tempo, a insistência do BC que está perseguindo o centro da meta em um horizonte curto carece de plausibilidade: nos níveis atuais, com serviços sendo 25% do IPCA, a inflação de bens comercializáveis tem que rodar em deflação de 1,3% para a inflação cheia chegar ao centro da meta. Isso pode chegar a acontecer temporariamente, mas qualquer normalização nos componentes comercializáveis elevaria a inflação cheia de novo para acima, mais uma vez levando o mercado a questionar a credibilidade do sistema.

A nosso ver seria mais eficaz e transparente o BC reconhecer a existência do atual choque de demanda, que contribui hoje mais ou menos um por cento a inflação cheia, aumentando o centro da meta de inflação temporariamente para 5,5%. Isso já foi feito no passado quando enfrentamos choques de oferta, e não há razão prática ou teórica para não adotar igual estratégia frente a um choque exógeno de demanda. Haveria um ganho importante de transparência, alinhamento de expectativas e, quando o choque dissipar, ampla oportunidade para baixar a meta para níveis menores, preferencialmente abaixo dos 4,5%.



Tony Volpon é diretor do Nomura Securities International, Inc.

A China está certa em abrir-se devagar



Por Martin Wolf - Valor 29/02

A próxima grande crise financeira mundial virá da China. Não se trata de uma previsão inflexível. Poucos países, no entanto, conseguiram evitar crises depois de terem promovido liberalização financeira e integração internacional.

Pense nos Estados Unidos dos anos 30, Japão e Suécia no início dos 90, México e Coreia do Sul no final dos 90 e nos Estados Unidos, Reino Unido e grande parte da região do euro dos dias de hoje. Crises financeiras atingem todos os tipos de países. Como Carmen Reinhart, do Peterson Institute for International Economics, e Kenneth Rogoff, de Harvard, ressaltaram, as crises representam "uma ameaça que paira igualmente" sobre todos os países. A China poderia ser diferente? Apenas se as autoridades chinesas mantiverem a cautela.

A cautela permeou o informe, na semana passada, em que o Banco do Povo da China, autoridade monetária do país, recomendou acelerar a abertura do sistema financeiro chinês. Tendo em vista o que está em jogo, tanto na China como no mundo, é essencial considerar as implicações. Assim, talvez, o mundo faça agora um trabalho melhor do que fez no passado ao administrar esse processo.

O plano foi divulgado pela agência de notícias estatal Xinhua, não no site do banco central chinês. Além disso, foi divulgado sob o nome de Sheng Songcheng, chefe do departamento de estatísticas, não do presidente ou vice-presidente. Isso deve significar que se trata mais de um exercício para sondar as opiniões a respeito da ideia do que uma política já definida. Ainda assim, o informe foi divulgado com a aprovação do Banco do Povo da China e, muito possivelmente, com a de pessoas bem acima na hierarquia.

O artigo apresenta três fases de reforma. A primeira, a ocorrer nos próximos três anos, abriria caminho para mais investimentos chineses no exterior uma vez que "o encolhimento dos bancos e empresas ocidentais deixou espaço livre para investimentos chineses" e, portanto, trouxe uma "oportunidade estratégica". A segunda fase, a ocorrer entre três e cinco anos, aceleraria a concessão de empréstimos internacionais em yuans. No longo prazo, de cinco a dez anos, os estrangeiros poderiam investir em bônus, ações e propriedades na China. A livre conversão do yuan seria o "último passo", a ser dado em algum momento não definido. Esse passo também seria combinado com restrições aos fluxos de capital "especulativos" e à captação estrangeira de curto prazo. Em resumo, a integração plena seria adiada indefinidamente.

Quais as implicações do plano? A resposta é que o plano parece ser sensato. Para chegar a essa opinião, é preciso levar em conta os benefícios e riscos para a China e o mundo da "reforma e abertura" financeira dos chineses.

Os argumentos a favor de tal abertura para o mundo estão ligados intimamente aos favoráveis à reforma doméstica. De fato, a primeira não pode ser promovida antes da última: abrir ao resto do mundo o sistema financeiro chinês altamente regulamentado seria uma receita para um desastre, como as autoridades chinesas já sabem. É por esse motivo que a conversibilidade plena chegaria apenas em um futuro distante, com indica o plano.

Felizmente, os argumentos para uma reforma doméstica são fortes. Mercados financeiros dinâmicos são elemento essencial em qualquer economia que deseje sustentar seu crescimento e começar a rivalizar com os países ricos em produtividade, como a China certamente aspira a fazer. De forma mais imediata, como destaca Nicholas Lardy, do Peterson Institute for International Economics, em recente estudo, "taxas de depósitos reais negativas impõem um imposto implícito elevado às famílias, que são grandes depositantes líquidos no sistema bancário, e levam a investimentos excessivos em imóveis residenciais". "Taxas de empréstimo reais negativas subsidiam investimentos em setores de uso intensivo de capital, minando, portanto, o objetivo de reestruturação da economia em favor da indústria leve e do setor de serviços."*

No entanto, como Lardy também sabe, esse regime financeiro distorcido faz parte de um sistema mais amplo de tributação da poupança, promoção dos investimentos e limitação do consumo, que levou a imensas intervenções nos mercados de câmbio e à vasta acumulação de reservas internacionais. O argumento mais forte pelas reformas é que esse sistema não mais contribui para um padrão de desenvolvimento desejável. A estrutura, porém, está tão arraigada à economia que reformá-la é algo politicamente tenso e economicamente destrutivo. A questão, inclusive, é se tal reforma é politicamente viável. Certamente, será um processo lento.

Como, então, as medidas de abertura propostas pelo banco central se encaixam em tal reforma cautelosa? Presumivelmente, a maior liberdade de fluxos de saída de capital prevista para os próximos cinco anos ajudaria a substituir em parte o acúmulo de reservas internacionais. Se isso, contudo, ocorresse paralelamente à rota indicada de aumento nos juros reais, os superávits da China em conta corrente e na poupança poderiam disparar, agravando os desequilíbrios externos.

Isso evidencia como é grande a aposta em jogo para o resto do mundo com o tipo de reforma e de abertura do setor financeiro que vier a ocorrer na China.

A poupança bruta da China está em um índice anual bem acima de US$ 3 trilhões, o que é mais de 50% maior do que a poupança bruta dos Estados Unidos. A integração total desses vastos fluxos certamente terá imenso impacto no mundo. As instituições financeiras da China, já enormes, quase certamente se tornarão as maiores do mundo nos próximos dez anos. Basta lembrar-se da integração do Japão da década de 80 e a subsequente implosão financeira para ver os possíveis perigos. Devemos ficar satisfeitos, portanto, de que a China esteja adotando uma abordagem cautelosa.

O mundo tem interesses enormes na reorientação da economia da China em direção a um crescimento mais equilibrado. Também tem interesse paralelo na forma como a China administrar sua reforma doméstica e abertura do sistema financeiro. Toda uma série de políticas precisa ser coordenada, particularmente no que se refere à regulamentação financeira, política monetária e regimes cambiais. Se isso for bem realizado, a atual crise dos países de alta renda não será seguida logo depois pela "crise da China' dos anos 2020 ou 2030. Se for mal realizado, até os chineses poderiam perder o controle, com resultados devastadores.

O Banco do Povo da China sugere um cronograma de reformas que se adequaria às necessidades da China e do mundo. Mas para que isso aconteça, discussões meticulosas de todas as implicações precisam ocorrer agora. As políticas da China não importam apenas aos chineses. É isso que significa ser uma superpotência - como os EUA deveriam saber. (Tradução de Sabino Ahumada)



* Sustaining China's Economic Growth After the Global Financial Crisis, (algo como "sustentando o crescimento econômico da China depois da crise financeira mundial") Peterson Institute for International Economics, 2012.



Martin Wolf é editor e principal comentarista econômico do FT.

O 'desenvolvimentismo de esquerda'


Por José Luís Fiori - Valor 29/02

No Brasil, a relação entre a esquerda e o desenvolvimentismo nunca foi simples nem linear. Sobretudo, depois do golpe militar de 1937, e do Estado Novo de Getúlio Vargas, que foi autoritário e anticomunista, mas foi também responsável pelos primeiros passos do "desenvolvimentismo militar e conservador", que se manteve dominante, dentro do Estado brasileiro, até 1985. Neste contexto, não é de estranhar que a esquerda em geral, e os comunistas em particular, só tenham mudado sua posição crítica com relação ao desenvolvimentismo depois da morte de Vargas.

Não é fácil classificar ideias e hierarquizar instituições. Mas mesmo assim, é possível identificar pelo menos três instituições que tiveram um papel central, nos anos 50, na formulação das principais ideias e teses do chamado "desenvolvimentismo de esquerda". Em primeiro lugar, o Partido Comunista Brasileiro (PCB), que apoiou a eleição de JK, em 1955, mas só no seu V Congresso de 1958 conseguiu abandonar oficialmente a sua estratégia revolucionária e assumir uma nova estratégia democrática de aliança de classes, a favor da "revolução burguesa" e da industrialização brasileira, que passam a ser classificadas como condição prévia e indispensável de uma futura revolução socialista.

Em segundo lugar, o Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB), que foi criado em 1955, pelo governo Café Filho, e que reuniu um número expressivo e heterogêneo de intelectuais de esquerda que foram capazes de liderar uma ampla mobilização da intelectualidade, da juventude e de amplos setores profissionais e tecnocráticos em torno do seu projeto nacional-desenvolvimentista para o Brasil.

Por fim, desde 1949, a Comissão Econômica para a América Latina (Cepal) produziu ideias, informações e projetos que influenciaram decisivamente o pensamento da esquerda desenvolvimentista brasileira. Mas, apesar de sua importância para a esquerda, a Cepal nunca foi uma instituição de esquerda.

Do ponto de vista político prático, no início da década de 60, a "esquerda desenvolvimentista" ocupou um lugar importante na luta pelas "reformas de base", mas, ao mesmo tempo, se dividiu inteiramente, na discussão pública do Plano Trienal proposta pelo ministro Celso Furtado, em 1963. Mas, logo depois do golpe militar de 1964, a esquerda e o desenvolvimentismo voltaram a se divorciar, e sua distância aumentou depois que o regime militar retomou e aprofundou a estratégia desenvolvimentista do Estado Novo.

Três dias depois do golpe, o ISEB foi fechado; o PCB voltou à ilegalidade e a própria Cepal fez uma profunda autocrítica de suas antigas teses desenvolvimentistas. Mesmo assim, apesar dessas condições políticas e intelectuais adversas, formou-se na Universidade de Campinas, no final dos anos 60, um centro de estudos econômicos que foi capaz de renovar as ideias e as interpretações clássicas - marxistas e nacionalistas - do desenvolvimento capitalista brasileiro.

A "escola campineira" partiu da crítica da economia política da Cepal e de uma releitura da teoria marxista da revolução burguesa para postular a existência de várias trajetórias possíveis de desenvolvimento para um mesmo capitalismo nacional. Por isso, a escola campineira fez sua própria leitura e reinterpretação do caminho específico e tardio do capitalismo brasileiro e dos seus ciclos econômicos. E se posicionou favoravelmente à uma política desenvolvimentista capaz de levar a cabo os processos inacabados de centralização financeira e industrialização pesada da economia brasileira.

Hoje, parece claro que a "época de ouro" da Escola de Campinas foi da década de 70 até a sua participação decisiva na formulação do Plano Cruzado, que fracassa em 1987. É verdade que logo depois do Cruzado, e durante a década de 90, a crise socialista e a avalanche neoliberal arquivaram todo e qualquer tipo de debate desenvolvimentista, independentemente do que passou em Campinas. Mas parece claro que a própria escola recuou, nesse período. E dedicou-se cada vez mais ao estudo de políticas setoriais e específicas, e para a formação cada vez mais rigorosa de economistas heterodoxos, e de quadros de governo.

Seja como for, a verdade é que, com raras exceções, depois do Plano Cruzado, a "escola campineira" perdeu sua capacidade de criação e inovação dos anos 70, e a maioria de suas ideias e intuições originárias acabaram se transformando em fórmulas escolásticas. Por isso, não é de estranhar que neste início do século XXI, quando o desenvolvimentismo e a escola campineira voltaram a ocupar um lugar de destaque no debate nacional, a sensação que fica da sua leitura é que o "desenvolvimentismo de esquerda" estreitou tanto o seu "horizonte utópico" que acabou se transformando numa ideologia tecnocrática, sem mais nenhuma capacidade de mobilização social. Como se a esquerda tivesse aprendido a navegar, mas ao mesmo tempo tivesse perdido a sua própria bússola.

José Luís Fiori é professor titular do Programa de Pós-Graduação em Economia Política Internacional da UFRJ, e autor do livro "O Poder Global", da Editora Boitempo, 2007.

terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

O vazio pacto fiscal da Europa



Por Martin Feldstein - Valor 28/02

A força motora da política econômica da Europa é o "projeto europeu" de integração política. O objetivo é refletido no atual foco da União Europeia (UE) de criar um "pacto fiscal", que constitucionalizaria o compromisso dos países-membros com limites de déficit supostamente invioláveis. Infelizmente, o pacto é outro exemplo da subordinação da realidade econômica da Europa ao desejo dos políticos de se vangloriar sobre o avanço em direção a uma "união ainda mais forte".

O plano sobre o pacto fiscal evoluiu rapidamente nos últimos meses, deixando de ser uma "união de transferências", politicamente impopular, para tornar-se um perigoso projeto de austeridade fiscal e, por fim, uma versão modificada do falecido Pacto de Estabilidade e Crescimento de 1997. No fim das contas, o acordo que emergirá pouco fará para mudar as condições econômicas da Europa.

A primeira-ministra da Alemanha, Angela Merkel, de início, propôs a "união de transferências", na qual seu país e outras economias mais fortes da região do euro transfeririam fundos ano após ano para a Grécia e outros países em necessidade, em troca da autoridade de regulamentar e supervisionar os orçamentos e a arrecadação tributária dos governos auxiliados. A população alemã rejeitou a ideia de transferências permanentes dos contribuintes alemães para a Grécia, enquanto a população e as autoridades gregas rejeitaram a ideia de que a Alemanha controle a política fiscal do país.

O próximo passo foi o plano fiscal acertado em Bruxelas no fim de 2011, que abandonou completamente a ideia de uma união de transferências em favor de um acordo em que cada país da região do euro equilibraria seu orçamento. Pelo esquema, seriam impostas penas financeiras "automaticamente" a qualquer país que infringisse o compromisso. Com orçamentos equilibrados em todos os países, então, não haveria necessidade de transferências fiscais.

Como exatamente, no entanto, se definiria orçamento equilibrado? Em carta para as autoridades que negociam o acordo oficial, Jorg Asmussen, membro alemão do Conselho Executivo do Banco Central Europeu (BCE), enfatizou que um orçamento equilibrado significa exatamente isso. Se um país tiver déficit orçamentário porque enfrenta algum mau momento econômico cíclico que derrubou a arrecadação tributária e elevou as transferências de benefícios sociais, ainda assim, será obrigado a elevar impostos e cortar gastos para voltar a ter um orçamento equilibrado.

Se essa proposta fosse de fato adotada, teria como consequência tornar pequenas recessões em grandes retrações econômicas.

A forma mais provável de pacto fiscal, atualmente, parece ser um acordo bastante moderado obrigando cada país a "equilibrar seus orçamentos ao longo do ciclo econômico". Embora seu descumprimento, em teoria, resulte em penas financeiras automáticas, é difícil imaginar como seria possível determinar que houve descumprimento em um país como a Espanha. Em que momento, no futuro, se obrigaria a Espanha, com índice de desemprego persistente em mais de 15%, a elevar impostos e diminuir as transferências sociais? A decisão de obrigar a Espanha poderia caber à Comissão Europeia, com o que se trataria de uma decisão política, em vez de uma condição técnica "automática" como prometido por seus defensores.

Se essa for a essência do pacto fiscal que vai acabar sendo acertado, não terá efeito previsível no comportamento dos países da região do euro. Seu único efeito será permitir que líderes políticos da região do euro possam sair dizendo que criaram uma união fiscal e, portanto, direcionaram a Europa a uma união política mais coesa, o que é seu objetivo final.

Uma união fiscal concebida dessa forma, no entanto, é completamente diferente do que a maioria das pessoas entende pelo termo. Nos Estados Unidos, por exemplo, o governo central arrecada cerca de 20% do Produto Interno Bruto (PIB) do país e paga mais ou menos o mesmo. A centralização dos impostos e gastos cria um estabilizador automático para qualquer região que passe por um mau momento econômico: os residentes da região afetada pagam menos dinheiro a Washington e recebem mais transferências.

O papel fiscal centralizado nos EUA também permite que todos os Estados operem com orçamentos verdadeiramente equilibrados, modificados apenas por fundos relativamente pequenos para os "dias chuvosos".

Embora o atual processo político europeu não vá criar uma forte disciplina fiscal, os mercados financeiros provavelmente obrigarão os governos da região do euro a reduzir suas dívidas soberanas e limitar déficits fiscais. Durante os primeiros dez anos da moeda única, a crença dos investidores do setor privado na uniformidade de todos os bônus soberanos da região do euro manteve as taxas de juros relativamente baixas nos países periféricos, mesmo enquanto seus governos acumulavam grandes déficits e dívidas maciças. Os investidores não repetirão o erro: mordidos uma vez, agora serão duplamente cautelosos.

Para os governos da região do euro, isso significa que os mercados financeiros colocarão em prática o que o processo político não consegue. O pacto fiscal da UE, não importa qual seja sua forma, será pouco mais do que uma questão secundária. (Tradução de Sabino Ahumada)



Martin Feldstein é professor de economia em Harvard, foi presidente do conselho de assessores econômicos do presidente dos Estados Unidos, Ronald Reagan, e foi presidente do Gabinete Nacional de Análises Econômicas dos EUA. Copyright: Project Syndicate, 2012. Podcast no link: traffic.libsyn.com/projectsyndicate/feldstein45.mp3



www.project-syndicate.org

Keynes e os juros



Por José L. Oreiro

Recentemente o Banco Central (BC) solicitou às instituições financeiras estimativas a respeito do valor da taxa de juros neutra para a economia brasileira, ou seja, o valor da taxa real de juros para o qual a demanda agregada é igual ao produto potencial de forma que a inflação seja mantida constante ao longo do tempo. Essas estimativas apontam para uma taxa neutra em torno de 5,5% ao ano, o que significa uma redução de 1,25 ponto percentual desde novembro de 2010, quando uma consulta indicou a taxa neutra em torno de 6,75%. A redução observada na taxa neutra seria o resultado de "mudanças estruturais significativas na economia brasileira", segundo a ata do Copom, não tendo nenhuma relação com a condução da política monetária.

Uma reflexão um pouco mais aprofundada sobre quais seriam essas mudanças estruturais significativas, contudo, não aponta para nenhuma mudança em particular. De fato, a condução da política fiscal continua basicamente a mesma do segundo mandato do presidente Lula, a poupança pública não apresentou nenhuma melhoria significativa, o crédito doméstico continua se expandindo a taxas elevadas, o grau de indexação formal da economia brasileira ainda é alto e os títulos pós-fixados mantêm uma participação expressiva na dívida pública. Daqui se segue que não há nenhuma razão concreta para se acreditar que tenha ocorrido nos últimos anos um aumento da eficácia da política monetária e/ou uma redução da taxa de juros de "equilíbrio". Sendo assim, como explicar a mudança nas expectativas do mercado a respeito da taxa de juros neutra?

Na sua Teoria Geral do Emprego, Keynes criou o conceito de taxa de juros segura, ou seja, o valor da taxa de juros que o público acredita que irá prevalecer no longo prazo. A taxa de juros segura nada mais é do que uma convenção social, ou seja, uma crença compartilhada entre os agentes econômicos a respeito do valor em torno do qual a taxa de juros flutua ao longo do tempo. Essa convenção não está baseada em "fatores objetivos" como pensa a teoria neoclássica. Em particular, a taxa de juros segura não é equivalente ao conceito de taxa natural de juros dos modelos Dynamic Stochastic General Equilibrium (DSGE) tão em voga atualmente. A taxa natural de juros é tida, nesses modelos, como independente da política monetária, sendo determinada pela produtividade do capital e pelas preferências intertemporais das famílias.

Do ponto de vista keynesiano, o conceito de taxa natural de juros é um completo nonsense porque pressupõe a independência entre o produto potencial e a demanda agregada. Isso porque, em função da existência generalizada de economias de escala e de equilíbrios múltiplos gerados a partir de efeitos de histerese no mercado de trabalho, o produto potencial não é uma variável exógena, mas é dependente da trajetória seguida pelo produto efetivo (e, portanto, pela demanda agregada) ao longo do tempo.

Voltando à taxa de juros segura, Keynes afirma na sua Teoria Geral que: "A autoridade monetária controla, com facilidade, a taxa de juros a curto prazo, não só pelo fato de não ser difícil criar a convicção de que sua política não mudará sensivelmente em um futuro muito próximo, como também em virtude de a possível perda ser pequena, quando comparada com o rendimento corrente (a não ser que este chegue a ponto de ser quase nulo). Mas a taxa a longo prazo pode mostrar-se mais recalcitrante no momento em que caia a um nível que, com base na experiência passada e nas expectativas correntes da política monetária futura, a opinião abalizada considera "inseguro".

Isso não quer dizer, obviamente, que o Banco Central não seja capaz de influenciar a taxa de juros de longo prazo. Ele poderá fazê-lo desde que consiga induzir uma mudança nas expectativas que os agentes econômicos formulam a respeito da taxa segura de juros. Em outras palavras, uma redução da taxa de juros de longo prazo envolve necessariamente a mudança da convenção prevalecente no mercado financeiro sobre o valor da taxa segura. Se o BC não for capaz de produzir uma mudança nas convenções sobre a taxa de juros segura, então a redução da taxa de juros de longo prazo resultante da redução do valor corrente da taxa de juros de curto prazo irá induzir uma expectativa de elevação da taxa longa no futuro próximo. Em função disso, as expectativas a respeito dos valores futuros da taxa de juros serão reajustadas para cima, produzindo o realinhamento do valor corrente da taxa longa na direção da taxa de juros segura.
Daqui se segue que uma condição fundamental para que o BC seja capaz de influenciar a taxa de juros de longo prazo é que a política monetária tenha credibilidade. Credibilidade não significa o compromisso único e exclusivo da autoridade monetária com uma taxa de inflação baixa, como entendem os economistas neoclássicos; mas deriva-se do entendimento por parte dos agentes econômicos de que a política monetária é compatível com o interesse público, sendo conduzida com convicção por parte de uma autoridade monetária, que não corra o risco de ser suplantada. Sendo assim, "uma política monetária que a opinião pública considere experimental em sua natureza e facilmente sujeita a mudanças pode falhar no seu objetivo de reduzir consideravelmente a taxa de juros a longo prazo".

Nesse contexto, as convenções prevalecentes a respeito do valor da taxa de juros segura podem ser alteradas se o público perceber que a política monetária é conduzida de maneira lógica e firme por parte do BC. Via de regra, isso exige mudanças moderadas e graduais na taxa de juros de curto prazo, dando tempo para que o público se acostume com patamares mais baixos de taxas de juros.

Com base nesse arrazoado, uma explicação possível para a redução observada das estimativas da taxa neutra é que nos últimos anos o BC tem sinalizado de forma clara e consistente seu desejo de reduzir gradualmente o patamar dos juros. Como essa sinalização é vista pelo mercado como baseada no julgamento técnico da autoridade monetária, e não como resultado de ingerência política no BC, segue-se que a mesma é vista como compatível com o interesse público e, portanto, crível. Mantidas essas condições, o BC poderá obter uma redução ainda maior da taxa de juros se persistir com sua política gradualista.



José Luis Oreiro é professor do Departamento de Economia da Universidade de Brasília (UnB). E-mail: joreiro@unb.br.

Está no radar...



Por Antonio Delfim Netto - Valor 28/02

O Banco Central construiu e publica, mensalmente, um Índice da Atividade Econômica (IBC-Br) que tenta simular e antecipar as variações do Produto Interno Bruto (PIB). Trata-se de um conjunto de informações convenientemente ponderadas, que quando comparadas às estimativas do PIB trimestral construídas pelo IBGE mostram uma alta covariação. A base do IBC-Br é a média de 2002 = 100. No início de 2011 ele revelou a perda de dinamismo do PIB em resposta às medidas macroprudenciais tomadas pelo governo para prevenir uma aceleração da taxa de inflação. No último trimestre, como mostram os dados a seguir (2002 = 100, dessazonalizado), houve uma recuperação: 1º trimestre/2011 = 140,26; 2º trimestre/2011 = 139,92; 3º trimestre/2011 = 139,29; 4º trimestre/2011 = 140,02.

Aparentemente, o PIB atingiu sua maior queda em outubro (139,32). Retomou ritmo mais vigoroso a partir de novembro, também em respostas às medidas do próprio governo. Em novembro o nível foi de 140,33 (um acréscimo de 1,29%) e em dezembro, 141,13 (um acréscimo de 0,57%), aumentos mais altos dos que os previstos pela maioria os analistas do mercado, o que sugere algum otimismo para 2012.

Todas as "previsões" estão sujeitas a condicionalidades frequentemente não explicitadas. Como disse o grande economista e membro do comitê de Política Monetária do Banco da Inglaterra Charles Goodhart, "as previsões são razoáveis quando tudo permanece constante e o futuro acaba sendo parecido com o passado. Os modelos comuns utilizados pelos bancos centrais forçam, praticamente, as previsões e as remetem às tendências passadas. Entretanto, quando há uma mudança da situação eles - como todos os outros 'previsores' - encontram-se em graves dificuldades". E continua: "Nem os bancos centrais, nem qualquer outro organismo (ou pessoas) detém uma fórmula aceitável para prever, quer o PIB, quer a taxa de inflação ou mesmo a taxa de juros para além de uns poucos meses. Se você acredita (Goodhart usa a palavra "believe" = tomar como verdade) que existem poderosas forças que fazem a economia retornar a um equilíbrio, tais projeções de prazo médio são satisfatórias. Mas se tais forças centrípetas existem, a política monetária torna-se muito fácil, com ou sem o benefício das previsões ("Longer-Term Forecasts are a Step Backwards", "Financial Times", 1º de fevereiro de 2012). No nosso caso é claro que nem estamos em condições normais, nem existem forças poderosas que nos levem de volta a um "equilíbrio". Esse, obviamente, só existe nos "modelos" com os quais tentamos organizar nossos pensamentos e têm pouco a ver com a realidade.

Em momentos como o atual, a ideia conservadora "que o tiver que ser, será" é inaceitável, porque a política econômica do governo está vigilante: o Banco Central está antenado com a realidade nacional e cuidadoso com a internacional. Dispõe de instrumentos macroprudenciais cujos efeitos foram minimizados por alguns analistas, mas aos quais a economia respondeu com bastante rapidez (como foi o caso no início de 2011), além da manobra com a taxa de juros (no segundo semestre). A difícil situação orçamentária construída ao longo de muitos anos e, pelo menos em parte, resultante do desejo de construir uma sociedade mais "justa" (com maior igualdade de oportunidades) implícita na Constituição de 1988, foi mantida de forma muito razoável em 2011 e a despeito de toda a descrença de uma parte do "mercado" deve sê-lo em 2012. As últimas semanas revelam que a política econômica prossegue na mesma linha, com o corte do Orçamento, a baixa da taxa de juros, a ampliação controlada do crédito, o aumento dos investimentos dos três níveis de administração pública e a cooptação do setor privado, a despeito da curiosa disputa semântica entre "concessão" e "privatização".

É certo que continua a pressão de preços do setor de serviços. Mas sabemos que não pode e não deve ser resolvida, como sugerem alguns, reduzindo ainda mais o crescimento do PIB por meio do aumento da taxa de juro real. Por outro lado, espera-se que o Congresso aprove já no primeiro semestre, a lei da previdência do funcionalismo público. Com isso abre-se o caminho para que o Executivo acelere a remessa de projetos de lei que facilitem a melhoria do "ambiente de negócios", reduzam o "custo Brasil" e estimulem a rápida criação de novas empresas.

Nos últimos dois meses, três mudanças foram importantes: 1ª) com relação ao misterioso "produto potencial" parece que agora o "mercado" aceita que ele anda às voltas de 4,5%; 2ª) o Banco Central quis saber do sistema financeiro como ele calcula a taxa de juros "neutra"; e 3ª) houve uma melhora dos humores do setor privado em matéria de confiança no governo. Isso, somado aos sinais positivos do IBC-Br de novembro e dezembro mostra que, se tivermos disposição de fazê-lo, um crescimento de 4% a 4,5% em 2012 não está fora do radar, mesmo porque ele é bissexto!



Antonio Delfim Netto é professor emérito da FEA-USP, ex-ministro da Fazenda, Agricultura e Planejamento.

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

Alta do petróleo já ameaça economia global



Por Javier Blas
Financial Times

"Até recentemente eu começava as minhas manhãs verificando o rendimento dos bônus italianos", diz Ed Yardeni, que trabalha como estrategista financeiro em Wall Street. Não é mais assim. Agora, ele verifica primeiro o preço do petróleo Brent.

Na semana passada, quando os preços do petróleo subiram para mais de US$ 125 por barril, maior patamar desde a guerra civil na Líbia em 2011, a atenção dos investidores mudou nitidamente de direção: da crise na Grécia para a ameaça representada pelo petróleo mais caro.

Se continuar em alta - e a Vitol, maior comercializadora de petróleo independente do mundo, já alertou para a possibilidade de a cotação atingir US$ 150 - então, qualquer perspectiva imediata de recuperação econômica, especialmente na Europa, ela provavelmente perderá força.

Há vários motivos para a alta d preço do petróleo, sendo que o mais importante é a tensão cada vez maior em relação ao programa nuclear iraniano.

As sanções planejadas pela União Europeia (UE) e as ameaças do Irã, de cortar o fornecimento a alguns países europeus, vêm preocupando os operadores do mercado de petróleo.

O petróleo do tipo Brent chegou a recorde, em euros e em libras, na semana passada. Na sexta, atingiu o maior valor em nove meses, de US$ 125,32, impulsionado por um informe da agência de supervisão nuclear da Organização das Nações Unidas (ONU) apontando um grande aumento na produção de urânio de alto grau de enriquecimento pelo Irã.

"O petróleo encaminha-se para um ponto crucial", afirma Michael Lewis, chefe de análise de commodities no Deutsche Bank, em Londres.

O aumento nos preços do petróleo, justamente quando os EUA começam a dar sinais de sair do atoleiro econômico, é ameaçador para a economia mundial. Quase todas as recessões anteriores dos EUA foram precedidas por grandes aumentos no custo das fontes de energia. O valor da gasolina nos EUA aproxima-se da marca psicológica dos US$ 4 por galão (3,785 litros), nível que provavelmente enfraquecerá a confiança dos consumidores.

Para o economista James Hamilton, da Universidade da Califórnia, em San Diego, que estudou o impacto do preço do petróleo na atividade econômica, "todas as 11 recessões do pós-guerra [nos EUA], menos uma, estiveram associadas a aumentos no preço do petróleo, com a única exceção sendo a de 1960".

A Europa poderia sofrer impacto maior que os EUA. Apesar de todos os esforços das refinarias da região para assegurar fornecimentos alternativos, a alta desta semana afetará países como Grécia, Itália e Espanha, cujas economias já estão fragilizadas.

Didier Houssin, diretor de mercados de energia e de segurança energética da Agência Internacional de Energia (AIE), o órgão dos países ocidentais de supervisão do setor, disse em conferência nesta semana que os preços elevados do petróleo já agem como um freio ao crescimento econômico.

O "fardo do petróleo", que indica o custo do produto em relação ao Produto Interno Bruto (PIB), está perto dos níveis de 2008, quando o petróleo chegou ao recorde, em dólares, de US$ 147.

O Deutsche Bank estima que, mesmo se os preços do petróleo continuarem no nível atual pelo resto do ano, esse indicador aumentará para 5,5%, acima dos 4,8% verificados em 2008 e o maior nível desde 1983.

A alta acentuada do petróleo decorre dos vários casos de interrupção no fornecimento, assim como dos temores quanto ao impacto que as sanções europeias e americanas terão nas exportações iranianas.

A forte demanda por petróleo na Ásia, particularmente no Japão, aumentou ainda mais a tensão no mercado.

Colin Fenton, chefe de análise de commodities no JPMorgan, em Nova York, diz que a onda de valorização é "guiada pela economia e tem raízes reais". A parcela no preço resultante dos temores com o Irã representa apenas "alguns dólares por barril", diz.

O Sudão do Sul parou de extrair cerca de 300 mil barris por dia de petróleo com baixo índice de enxofre, um dos mais cobiçados. Inquietações políticas e greves reduziram a produção em cerca de 250 mil barris diários no Iêmen. A Líbia está extraindo cerca de 1 milhão de barris por dia, o que ainda está bem abaixo do patamar pré-guerra civil, de 1,6 milhão de barris. Na Síria, a produção caiu cerca de 150 mil a 200 mil barris por dia, afetada pela agitação política no país.

Essas interrupções no fornecimento pressionaram o mercado físico - em que as entregas realmente ocorrem e não se negocia o petróleo apenas como investimento - a ponto de surpreender executivos de tradings de commodities na Suíça e muitos analistas experientes.

Paul Tossetti, da empresa de consultoria PFC Energy, em Washington, diz que o mercado físico está "apertado e parece que poderia ficar mais apertado".

O envelhecimento da infraestrutura e dos campos petrolíferos também influencia a alta. A produção de petróleo no Mar do Norte está em queda, e a da Venezuela também vem caindo de forma acentuada.

A demanda na Ásia cresceu, em grande parte porque as geradoras de energia no Japão recorreram ao petróleo como alternativa à energia atômica, depois do terremoto e do tsunami de 2011 e do desastre nuclear na usina de Fukushima.

O analista David Wech, da empresa de consultoria JBC Energy, afirma que o Japão consumiu um total de 635 mil barris diários de petróleo e derivados para gerar de energia em janeiro, mais que o dobro em comparação com um ano atrás.

A AIE, por sua vez, estima que o consumo mundial de petróleo aumentará 830 mil barris diários neste ano, acima da alta de 740 mil barris verificada em 2011.

"Permanece a perspectiva de duas velocidades", destacou a AIE em seu informe mensal mais recente, no qual antecipa "crescimento robusto na demanda por petróleo" nos países emergentes e continuidade do declínio do consumo na maioria dos países desenvolvidos.

Caso o petróleo encaminhe-se aos US$ 150 por barril, a elevação poderia ter vida curta, se houver repetição do verificado em 2008, quando a recessão levou de novo os preços para baixo. Isso, contudo, serviria de pouco consolo.

Aumento de preços pressiona Petrobras


Por Cláudia Schüffner - Valor 27/02
Do Rio

O embargo da União Europeia ao petróleo iraniano como represália ao programa nuclear daquele país vai pôr mais pressão sobre os preços da gasolina e diesel comercializados pela Petrobras no Brasil. Tanto o petróleo tipo Brent, usado como referência na Europa, como o WTI, do mercado americano, estão subindo rapidamente. O Brent chegou a ser cotado a US$ 125 na sexta-feira e os contratos para entrega em maio fecharam o dia cotados em US$ 124,48 o barril depois que a Agência Internacional de Energia Atômica divulgou um relatório mostrando um aumento do programa nuclear do Irã e da produção de urânio enriquecido.

No ano, a alta do Brent já chega a 16,48%, ante 12,03% nos últimos 12 meses. Em euro, a cotação na sexta também foi a maior desde julho de 2008. A nova crise internacional do petróleo ocorre em um momento em que a Petrobras está com preços defasados e aumentou importações, pagando em dólar e a preços internacionais pelos derivados trazidos do exterior para suprir o mercado interno.

Essa combinação de fatos aumentou o processo de sangria das receitas da companhia e deve ficar mais crítica com a nova alta dos preços internacionais. A estatal vinha deixando de elevar suas receitas por não vender derivados no Brasil pelos preços que obteria se fossem oferecidos no mercado internacional. Mas, com a retomada de pesadas importações, o impacto dos subsídios passou a ser sentido direto no caixa.

Os resultados da atual política de preços são difíceis de mensurar, pois a Petrobras não divulga detalhes de sua política comercial. Mas não faltam projeções. O Centro Brasileiro de Infra Estrutura (CBIE) calcula que a estatal teve prejuízo de R$ 3,7 bilhões somente com importações de gasolina e diesel em 2011, valor que pode subir para R$ 6,1 bilhões em 2012. O economista Adriano Pires destaca que o impacto pode ser maior, já que os cálculos foram feitos tomando como base a cotação de US$ 100 o barril de petróleo, com o câmbio a R$ 1,80 e sem considerar reajustes de preços no mercado doméstico.

"Estamos prevendo um crescimento de 20% das vendas, inferior aos 24% de 2011, e crescimento de 240% nas importações em 2012, o que é conservador, já que em 2011, em relação ao ano anterior, elas cresceram 300%. O problema da Petrobras é que sua capacidade de refino bateu no teto e qualquer crescimento adicional será por meio de importações até que as novas refinarias fiquem prontas", afirma Pires, para quem as perdas totais da Petrobras este ano podem ficar entre R$ 12 bilhões e R$ 15 bilhões.

Um relatório do Bank of America (Bofa) Merrill Lynch, divulgado na sexta-feira, lembra que se o petróleo continuar subindo poderá prejudicar a meta do Brasil de obter um superávit primário de 3,1% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2012. Isso porque há riscos ascendentes de uma transmissão dos preços dos combustíveis para a inflação. O analista Marcos Buscaglia, autor do relatório, vê poucos mecanismos para controlar um eventual aumento dos preços. E cita apenas duas possibilidades: a redução da Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide) ou da mudança do percentual de mistura de etanol na gasolina, ressaltando que elas podem prejudicar a meta de inflação.

A estimativa do Bofa é que os preços da gasolina no Brasil estão com 15% de defasagem em relação aos preços internacionais, enquanto no diesel é de 13%. Esse "desconto" é maior do que a defasagem de 5% e 3%, respectivamente, que existia em março de 2011.

O cenário global pode piorar a partir de 1º de julho, quando entra em vigor o embargo que pode reduzir entre 500 mil e 700 mil barris ao dia - as estimativas variam - as importações dos países membros da União Europeia originárias do Irã. Adicionalmente, os Estados Unidos ameaçam com sanções a quem furar o embargo, o que deve reduzir as compras da India.

Na Zona do Euro, o Deutsche Bank aponta que as maiores reduções das importações serão da Itália (190 mil barris), Espanha (160 mil) e Grécia (120 mil). Esses países já começaram a cortar importações do Irã, que foi substituído pela Arábia Saudita, maior produtor do mundo. O reino saudita tem capacidade ociosa de produção de 2 milhões de barris ao dia, o equivalente à capacidade de produção da Petrobras.

Greg Priddy, diretor global da área de petróleo da consultoria Eurasia Group destaca que nos últimos dois meses houve alta de 300 mil barris nas exportações de petróleo leve da África em direção à China, enquanto, em fevereiro, o Irã exportou 400 mil barris a menos. Ele chama a atenção para o fato de a China ter motivações comerciais para a medida, pois a trading estatal Unipec estava em renegociação do contrato de venda a termo entre os dois países concluído semana passada. Agora, segundo Priddy, a expectativa é de que o Irã tente cooptar compradores, reduzindo seus preços. Para o mercado, essa nova tensão está longe de um desfecho.


sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

BC atua e segura dólar acima de R$ 1,70



Por Eduardo Campos - Valor 24/02
De São Paulo

Está claro que o Banco Central (BC) vai defender a linha de R$ 1,70 no câmbio. Qualquer dúvida que existia ficou para trás depois de ontem, quando a autoridade monetária fez duas intervenções no mercado.

A primeira, foi um leilão de swap cambial reverso, operação que equivale à compra de dólares no mercado futuro e estava na gaveta desde o fim de agosto do ano passado. A segunda foi mais uma compra à vista.

Embora de grande volume, o leilão de swap reverso movimentou apenas 3,5 mil contratos, ou US$ 174,7 milhões, dos até 80 mil swaps ofertados em dois vencimentos. A compra à vista teve taxa de corte de R$ 1,7112.

Segundo o economista para América Latina do Standard Chartered, Ítalo Lombardi, a atuação do BC está obviamente ligada à queda do dólar para baixo da linha de R$ 1,70 no começo do pregão de ontem. Na mínima, a moeda foi a R$ 1,698.

"Esse é um nível psicológico forte. Se ele é furado, o mercado começa a aumentar as apostas sobre a possibilidade de o câmbio testar preços ainda mais baixos. E é isso que o Banco Central tenta conter com as atuações", diz.

Para o economista, o BC sabe que é praticamente impossível segurar um nível de taxa de câmbio. Quando há fluxo e o quadro internacional é favorável, a valorização é inevitável.

"O que a autoridade monetária faz é tentar suavizar esse movimento de baixa e postergar a quebra desses níveis que levam o mercado a apostar ainda mais na alta do real", explica.

Lombardi aponta que uma apreciação muito rápida do câmbio também carrega o risco de uma depreciação muito rápida, o que soma ruído à condução da política monetária.

Além desse fator, há, também, a parte do governo e de seu discurso, pois o real forte prejudica as exportações e tira competitividade da indústria brasileira. "Mas gostamos de acreditar que o BC atua sem olhar para essas questões", diz.

Para um gestor, o BC vai lutar para segurar a linha de R$ 1,70 até quando aguentar. Depois terá de seguir lutando, mas em linhas de preço mais baixas. Algo já observado em outros momentos de forte valorização do real.

Outro resultado dessa "briga" direta do BC é a perda de volatilidade do mercado.

Como o real não sobe junto com seus pares de outros países, também não cai de preço com a mesma intensidade. O que acaba acontecendo é uma perda de volatilidade do câmbio. Algo que já foi observado e vinha sendo visto desde a primeira atuação do BC no câmbio no dia 3 de fevereiro.

As duas intervenções de ontem mostraram resultado. O dólar subiu no mercado local enquanto caiu no restante do mundo. De fato, o real foi a moeda que mais perdeu para o dólar, ontem, dentro de uma cesta com moedas de países emergentes e desenvolvidos

No mercado à vista, o dólar subiu 0,23%, para R$ 1,711. Mas ainda tem queda de 8,45% no ano.

No mercado futuro, a dólar para março ganhava 0,43%, a R$ 1,7165, antes do ajuste final.

No câmbio externo, o DXY, que mede o comportamento do dólar ante uma cesta de moedas perdeu 0,74%, a 78,64 pontos. Enquanto o euro chamou atenção ao registrar alta de 0,89%, para US$ 1,336, maior preço desde dezembro do ano passado.

No mercado de juros futuros, os contratos de prazos mais longos tiveram firme valorização. Mas, mais uma vez, o baixo volume do dia não permitiu grandes conclusões. Os vencimentos curtos não se mexeram muito e continuam sugerindo Selic ao redor de 9% ao ano.

Segundo o gestor da Vetorial Asset, Sérgio Machado, essa puxada nos contratos longos tem forte viés técnico. Essas foram as taxas que mais caíram recentemente e mesmo "comprando" a estratégia do BC, os prêmios de risco estavam muito deprimidos.

Os vértices longos da curva de juros passaram por um período de firme baixa conforme se difundiu a ideia de que o BC poderia lançar mão de medidas macroprudenciais para fazer frente a possíveis problemas com a inflação ou descompasso entre oferta e demanda. Dessa forma, a Selic poderia cair e permanecer baixa por mais tempo.

O lado técnico ganha algum respaldo no aspecto fundamental, já que alguns indicadores econômicos sugerem que a atividade local não estaria tão fraca quanto se antecipava.

TV ON LINE

ESPECIALISTAS FALAM SOBRE OS BRICS - PARTE 1 TEMPO: 00:11:15 23/02/2012 - 21:50:00 Em entrevista ao Espaço Aberto, o economista indiano e secretário-geral da Câmara de Comércio Brasil/Índia, Rakeshi Vaidyanathan, e o economista e diretor do Instituto de Relações Insitucionais da PUC/Rio, João Pontes Nogueira, falaram sobre o bloco econômico formado por Brasil, Rússia, China e, Índia: o BRICs. SONORA *RAKESHI VAIDYANATHAN, Secretário-Geral da Câmara de Comércio Brasil/Índia *JOÃO PONTES NOGUEIRA, Diretor do Instituto de Relações Insitucionais da PUC/Rio TV: GLOBO NEWS | PROGRAMA: ESPAÇO ABERTO | APRESENTADOR: MIRIAM LEITÃO RELACIONADOS: ASSUNTOS ECONÔMICOS

ESPECIALISTAS FALAM SOBRE OS BRICS - PARTE 2 TEMPO: 00:11:43

ECONOMISTA FALA SOBRE O CENÁRIO ECONÔMICO INTERNACIONAL TEMPO: 00:05:51 23/02/2012 - 20:07:00
Em entrevista ao Conta Corrente, o economista-chefe da ABC/Brasil, Luis Otávio de Souza Leal, falou sobre o cenário econômico mundial. SONORA *LUIZ OTÁVIO DE SOUZA LEAL, economista-chefe da ABC/Brasil TV: GLOBO NEWS | PROGRAMA: CONTA CORRENTE | APRESENTADOR: GUTO ABRANCHES RELACIONADOS: ASSUNTOS ECONÔMICOS

Dez maiores bancos vão 'perder' R$ 100 bilhões em capital



Por Carolina Mandl e Fernando Torres - Valor 24/02
De São Paulo

Sob as novas regras de Basileia 3, que definem os parâmetros de capital dos bancos, cerca de R$ 100 bilhões vão deixar de fazer parte do capital dos dez maiores bancos do país por causa da exclusão dos créditos tributários, mostra levantamento feito pela KPMG. Este é avaliado como o maior impacto de Basileia 3 para as instituições financeiras no Brasil, reduzindo os índices das instituições, conforme mostram cálculos feitos por Itaú BBA e Deutsche (ver quadro).

Quando uma instituição faz uma provisão para eventuais perdas com calote em sua carteira de crédito, isso reduz o lucro do banco, mas não o imposto pago. É isso o que dá origem à maior parte do crédito tributário no Brasil, que, pelas regras atuais, pode ser contabilizado como capital. Por exigir um capital de mais qualidade, a partir da adequação às regras internacionais de Basileia 3, o Banco Central acabará por limitar o uso desse tipo de ativo, considerado mais incerto.

O maior alento que o BC deve dar às instituições é a possibilidade de retirar os créditos tributários do capital só a partir de 2014, em um processo que deve ir até 2018, conforme publicado no edital com as novas exigências de Basileia 3 na sexta-feira passada. No começo de 2011, a autoridade sinalizou que poderia começar a fazer essa redução já em julho deste ano, mas acabou esticando o calendário.

Além da mudança no cronograma, o BC também deve permitir que os créditos tributários sejam abatidos de forma líquida, ou seja, já descontados de alguns impostos que foram adiados.

Em relatório divulgado ontem, a Febraban (Federação Brasileira de Bancos) considerou como positivas essas mudanças. Porém, a entidade alertou para o peso que o crédito tributário tem para as instituições brasileiras, que é de 34,2% do patrimônio líquido. Nos Estados Unidos, esse ativo representa 16,3%; na Ásia, 17,3%; e na Europa, 16,6%. "Atualmente, o descasamento entre os critérios contábeis e fiscais, notadamente no que se refere à questão das perdas de crédito, gera montantes desproporcionalmente elevados de créditos tributários nos balanços", afirma o documento da entidade.

O tema deve ser alvo de sugestões ao Banco Central. O edital com a prévia das regras de Basileia 3 está aberto a comentários das instituições até maio.

"Existe um esforço para adaptar as peculiaridades do sistema bancário nacional, já que a fonte principal de créditos tributários no Brasil são diferenças temporais e não prejuízos fiscais, como em outros países", informou o Santander por meio de uma nota ao ser procurado pela reportagem para comentar o edital. Pelas projeções dos analistas, o banco deve ser um dos menos afetados pelas novas regras. Itaú Unibanco, Bradesco e Banco do Brasil não comentaram até o fechamento da edição.

No caso do Banco do Brasil, outro ativo que deve ter um impacto relevante em seu balanço é o fundo de pensão dos seus funcionários, a Previ. Por isso a instituição será uma das mais afetadas por Basileia 3. Pelas novas regras, a instituição precisará retirar do capital o superávit que a fundação gera para o banco pelos planos de benefício definido, cifra de R$ 13,4 bilhões. A autoridade permitiu, porém, que fossem deduzidos os impostos que o BB deverá pagar sobre esse ganho, o que deve reduzir o abatimento a R$ 8 bilhões.

Europa diz adeus à solidariedade



Por Philip Stephens - Valor 24/02

Algumas palavras são propriedade dos europeus continentais. Não costumamos ouvir muitos britânicos ou americanos falando sobre "solidariedade". A expressão pertence ao "meloso" (para as mentes anglo-saxãs) consensualismo de capitalismo de mercado social e aos profetas da unidade europeia. O que aconteceu recentemente é que a solidariedade se dissolveu. Isso explica por que o euro, e a União Europeia, estão emaranhados em tantos problemas.

Nova semana, mais um curativo. O acordo para dar sustentação à Grécia comprou mais algum tempo. O importante - ou assim somos levados a crer - é que a ferida foi cauterizada. Mais uma vez. No entanto, deve ser ululantemente óbvio para todos que, no grande esquema de coisas, a mais recente operação de salvamento é um evento secundário.

Duas coisas são necessárias para que a Grécia evite um catastrófico colapso econômico e social. Elas são relevantes tanto se os gregos continuarem usando ou deixarem de usar o euro. A primeira é vontade política suficiente na própria Grécia para reformar radicalmente o Estado e a economia; a segunda é uma disposição recíproca dos outros europeus para pagar uma conta considerável pelas falhas e fraudes de recentes governos gregos.

A questão pertinente é saber se tal barganha é possível. Os sinais não são encorajadores. Por trás dos xingamentos que marcam a relação da Grécia com os seus parceiros da zona do euro há um colapso total de confiança. Muitos europeus - e não estou falando apenas de alemães - não acreditam que os políticos em Atenas cumprirão suas promessas; muitos gregos pensam que a austeridade draconiana cobrada como preço do alívio da dívida foi calculada para punir, em vez de reabilitar. Um observador imparcial provavelmente diria que ambos os lados têm alguma razão.

Em determinado nível, a Grécia pode ser vista como exceção. A Grécia é pequena e diferente. Em maior ou menor grau, os outros países na periferia da zona do euro aproveitaram a oportunidade apresentada pela UE para se tornarem modernos Estados europeus. A Irlanda, apesar de todos os seus problemas atuais, floresceu como nação autoconfiante libertada de uma obsessão histórica com o Reino Unido. A Espanha abraçou a modernidade com entusiasmo. Os políticos gregos nunca realmente se importaram. Do ponto de vista ateniense, a atividade da UE foi uma fonte de dinheiro, em vez de inspiração política.

Portugal tem se modernizado com lentidão. Sua economia, como a da Grécia, é uma bela bagunça. Mas seus políticos demonstram uma vontade comprovável de recuperação. Portanto, o reservatório de confiança não foi esgotado. As autoridades econômicas em Bruxelas e Berlim colocam Grécia e Portugal em categorias bem distintas.

Estabelecer essa linha divisória não é tão fácil quanto gostariam esses políticos e autoridades. A razão pela qual a Grécia assumiu tal importância - afinal, os gregos respondem por apenas alguns pontos percentuais do PIB da zona do euro -, é porque as autoridades econômicas permitiram que os gregos fizessem declarações grandiosas sobre o futuro da zona do euro. O contágio não é um fato econômico, mas um produto da política.

Se os mercados tivessem sido persuadidos de que a Grécia é realmente uma exceção, os gregos poderiam ter sido postos em quarentena já há algum tempo. Em vez disso, a Grécia passou a ser vista como um teste mais amplo de intenção política - um teste, se quiser o leitor, da solidariedade na zona do euro.

Há dois tipos de solidariedade, como um ilustrativo estudo do Notre Europe, um think-tank parisiense, observou recentemente. Há o simples arranjo transacional - uma apólice de seguro comum contra a possibilidade dessa ou aquela calamidade - e há o autointeresse esclarecido que leva governos a identificarem objetivos nacionais numa estratégia compartilhada e sustentada de integração.

A União Europeia foi construída com base no segundo tipo. Foi relativamente fácil, uns 60 anos atrás. Os horrores de duas guerras mundiais, a ameaça comum da União Soviética e a insistência dos EUA proveram uma lógica irresistível ao que os pais fundadores denominaram processo de construção europeia.

Solidariedade não era a noção sentimental de sonhadores federalistas. Era parte do cálculo objetivo de interesses. Esse conceito permitiu que a França reivindicasse liderança política e a Alemanha reconstruísse sua economia e mantivesse viva a perspectiva de reunificação, ao passo que a Itália poderia aspirar à modernidade e Estados menores poderiam ter voz nos assuntos do Continente. Claro, solidariedade também pôde dizer respeito a um altruísmo elevado que fez as pessoas sentirem-se bem com si mesmas - mas, na raiz, tudo tinha a ver com autointeresse.

A moeda única era a expressão máxima desse casamento de interesses nacionais e mútuos - a crença em que o futuro econômico e político de seus membros eram tão inextrincavelmente interligados que valia a pena estabelecer uma "conta conjunta" inédita de soberania. O enorme infortúnio do projeto foi ser inaugurado apenas quando a maioria dos outros impulsos de solidariedade - memórias da Segunda Guerra Mundial, a ameaça existencial do comunismo, uma Alemanha dividida - estavam se desvanecendo.

Há ainda uma abundância de razões pelas quais seria vantajoso que as nações europeias operassem em conjunto. A mais evidente é a necessidade de uma voz num mundo que pertence cada vez mais a outro. Alemanha, França, Reino Unido, todos são pequenos demais para esse mundo. Entretanto, por mais importantes que sejam, nenhuma dessas ambições - moldar regras comerciais, combater alterações climáticas, assegurar suprimentos energéticos ou promover democracia e estabilidade parecem tão necessários ou urgentes quanto a preservação da paz europeia.

Até onde ficou evidenciada solidariedade na crise do euro, foi do tipo transacional, de soma zero: os países credores só farão X se os devedores fizerem Y. Pode-se dizer que isso é melhor que nada. Até agora, isso manteve o espetáculo em cartaz. Mas nunca explicará adequadamente por que os contribuintes setentrionais devem pagar as dívidas dos meridionais, ou por que os sulistas deveriam encarar as reformas dolorosas como oportunidade e não punição. Isso exige um outro tipo de solidariedade. (Tradução de Sergio Blum)



Philip Stephens é editor e comentarista político do FT.

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

Grande demais para ir para a cadeia



Por Simon Johnson - Valor 23/02

Um dos princípios fundamentais de um sistema judicial é o seguinte: não minta para um juiz nem falsifique documentos apresentados a um tribunal ou você irá para a cadeia. Descumprir um juramento de dizer a verdade é perjúrio e mentir em documentos oficiais é, a um só tempo, perjúrio e fraude. São transgressões criminais graves, a não ser que você esteja no coração do sistema financeiro americano. Ao contrário, figuras importantíssimas parecem ser bem recompensadas por seus crimes.

Como argumentou Dennis Kelleher, da Better Markets, o recente acordo a que chegaram os processos envolvendo as denominadas "assinaturas robotizadas" - em que cinco grandes bancos "aceitaram" firmar acordos para pôr fim à responsabilidade legal a que estavam sujeitos devido a sua prática de retomada fraudulenta de imóveis financiados - é uma rendição total ao setor financeiro.

Em primeiro lugar, não fora formulada nenhuma acusação penal grave - o que significa que ninguém será acusado de crime e ninguém irá para a cadeia. Em termos de afetar os incentivos que balizam as ações de executivos, isso é a única coisa que importa.

Até mesmo a terminologia usada para formular a discussão é errônea. Kelleher, um advogado com vasta experiência de trabalho em firmas de advogacia e no setor público, define a coisa como ela é: "Assinaturas robotizadas é conduta criminal em larga escala, sistemática e fraudulenta". Alternativamente, como salienta Kelleher, poderíamos chama isso de "mentir, enganar e roubar".

Em segundo lugar, as penalidades cíveis nesse acordo - uma forma de multa - são minúsculas em comparação com o tamanho das companhias envolvidas. Como disse secamente Shahien Nasiripour, um dos melhores repórteres na cobertura desse assunto: "Nenhuma das cinco instituições bancárias disse que espera incorrer em um encargo substancial devido ao acordo". Em outras palavras, de uma perspectiva empresarial, as penalidades são uma ninharia.

Terceiro, essas multas são, de todo modo, pagas pelos acionistas das companhias, e não por seus executivos ou membros de conselhos de administração (todos eles cobertos por seguros). Nos raros casos em que multas foram aplicadas a pessoas físicas, suas seguradoras cobriram a maior parte da conta ou as penalidades foram relativamente triviais em comparação com os ganhos monetários resultantes da prática de seus crimes - ou as duas coisas.

Como se tudo isso não fosse suficientemente ruim, as notícias indicam que os bancos poderão usar dinheiro do governo para depreciar o valor das hipotecas, o que equivale subsidiá-los para que paguem suas próprias irrisórias multas.

O governo Obama e seus aliados têm se empenhado em propagandear que o acordo com os bancos - mediante o pagamento de aproximadamente US$ 20 bilhões -, terá um impacto significativo sobre o mercado imobiliário. Nada, porém, poderia estar mais longe da verdade. Como enfatiza Kelleher, os EUA têm "mais de 10 milhões de casas 'underwater' (quando a dívida no financiamento excede o próprio valor da casa)." US$ 20 bilhões não fazem diferença alguma nisso: por exemplo, significariam um milhão de casas com um perdão de US$ 20 mil da dívida em cada caso.

Na realidade, o acordo firmado pelo governo Obama com as financiadoras de casas é coerente com sua prática anterior em todas as suas políticas relacionadas ao setor financeiro, que têm sido péssimas. Mas são também incompreensíveis. Por que o governo continua a fazer de tudo para agradar os maiores banqueiros nessas circunstâncias?

Eu honestamente não acredito que a postura do governo reflita alguma forma de corrupção - pagamentos feitos a pessoas físicas ou até mesmo em benefício de campanhas políticas. E, nesse caso, sequer parece refletir o poder de pressões de grandes agentes financeiros. Esse poder certamente explica por que as reformas financeiras Dodd-Frank promulgadas em 2010 não foram mais vigorosas e por que há agora tanta oposição à implementação eficaz dessa legislação - por exemplo, há atualmente uma grande briga em torno da "regra Volcker", que limitaria o "proprietary trading" (operações financeiras com recursos próprios) de megabancos. Mas as atividades criminais das financeiras habitacionais são uma outra questão.

De fato, o que está em jogo, nesse acordo envolvendo os financiamentos habitacionais, são violações fundamentais e sistêmicas do Estado de Direito: perjúrio e fraude numa escala que abrange toda a economia. O Departamento de Justiça, sem dúvida, dispõe de todo o poder de que necessitaria para processar plenamente os responsáveis por esses crimes. E apesar disso, as mais altas autoridades policiais americanas abstiveram-se sistematicamente - e, agora, completamente - de cumprir plenamente seu papel.

A principal motivação para a indulgência do governo em face dos graves crimes cometidos é, evidentemente, o temor às consequências da tomada de medidas duras contra banqueiros individuais. E talvez as autoridades governamentais tenham razão em ter medo, dada a enorme escala dos bancos em questão em relação à economia. Com efeito, esses bancos são maiores, agora, do que antes da crise, e - como James Kwak e eu documentamos pormenorizadamente em nosso livro "13 Bankers" -, são muito maiores do que 20 anos atrás.

Banqueiros importantes querem ganhar muito dinheiro. Eles também querem ficar fora das cadeias. Os líderes políticos podem esbravejar quanto quiserem, mas sem uma ameaça crível de pobreza e de tempo atrás das grades, os banqueiros não têm por que cumprir a lei. Para eles, tudo é negócio - e você pode ser o otário em política pública tão facilmente quanto pode ser o otário em um contrato de empréstimo individual.

A mensagem para os executivos do banco hoje é simples: faça seu banco ficar tão grande quanto possível - e depois continue a fazê-lo crescer. Se você conseguir tornar-se suficientemente grande, você e seus funcionários não serão apenas grandes demais para falir - mas também grande demais para serem levados à cadeia.

O governo Obama acaba de fazer todo mundo de otário - exceto os banqueiros. (Tradução de Sergio Blum)



Simon Johnson ex-economista chefe do FMI, é cofundador de um respeitado blog de economia, BaselineScenario.com, professor na MIT Sloan, membro sênior do Instituto Peterson de Economia Internacional, e coautor, com James Kwak, de "13 Bankers" (13 banqueiros). Copyright: Project Syndicate, 2012. Podcast no link:



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www.project-syndicate.org

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

Petroleo

Preço sobe para o maior valor em nove meses


Por Reuters

Os contratos futuros do petróleo nos Estados Unidos e na Inglaterra tiveram alta ontem pelo quarto dia seguido, fechando no maior valor em nove meses, com temores sobre a oferta da commodity pelo Irã e um alívio com o pacote de resgate para a Grécia.

Em Nova York, o contrato para março fechou a US$ 105,84 o barril, com alta de US$ 2,60, ou 2,52%. Foi o maior valor de fechamento desde 4 de maio de 2011, quanto o primeiro contrato encerrou a US$ 109,24. O petróleo do tipo Brent também fechou em uma máxima de nove meses, em Londres, com o contrato para entrega em abril encerrando cotado a US$ 121,66 o barril, alta de 1,34%.

O governo da Grécia minimizou ontem a revolta local contra o plano da União Europeia de austeridade fiscal imposta para que o país receba um aporte financeiro de € 130 bilhões. Entre as medidas está a indicação de uma equipe permanente de inspetores estrangeiros para monitorar as finanças gregas.

Já no Irã as tensões aumentaram. Novas sanções ocidentais nos últimos meses tentam bloquear as exportações iranianas de petróleo, vitais para a economia do país. A República Islâmica ameaça reagir fechando o estreito de Ormuz, única saída do golfo Pérsico, rota crucial para o comércio petrolífero mundial.

"Nossa estratégia é que, se sentirmos que nossos inimigos querem colocar em perigo os interesses nacionais do Irã (...), vamos agir sem esperar suas ações", disse ontem Mohammad Hejazi, comandante-adjunto das Forças Armadas.

A idade de ouro do gás



Por Martin Wolf  - Valor 22/02

O mundo está em meio a uma revolução do gás natural. Até mesmo a sóbria Agência Internacional de Energia (AIE) refere-se a um cenário denomina "idade de ouro do gás". Se tal otimismo revelar-se correto, as implicações seriam não só muito maiores do que as de uma dissolução dolorosa da zona do euro, mas também economicamente positivas. Nunca nos esqueçamos de que nossa civilização baseia-se em fontes baratas de energia comercial. O crescimento econômico dos países emergentes fará a demanda por energia comercial crescer enormemente nas próximas décadas. O gás é relevante.

Essa revolução tem um nome: "fraturamento hidráulico", coloquialmente conhecido, em inglês, como "hydrofracking" ou apenas "fracking". Como aconteceu em quase todas as revoluções tecnológicas do século passado, essa também originou-se nos EUA. A Administração de Informações Energéticas dos EUA explica que "o uso de perfuração horizontal em associação com o fraturamento hidráulico ampliou a capacidade dos produtores de extrair gás natural de formações geológicas de baixa permeabilidade, em particular formações de xisto" *.

Embora algumas inovações datem da década de 1970, a AIE afirma que "o advento da produção do gás de xisto em larga escala não ocorreu até que a Mitchell Energy and Development Corporation tentasse, durante os anos 1980 e 1990, tornar a produção de gás de xisto profundo uma realidade comercial em Barnett Shale, no centro-setentrional do Texas". Mas hoje, acrescenta a AIE, "a extração de gás de xisto mudou o cenário do mercado de gás natural nos EUA".

A nova atividade incrementou a produção de gás de xisto seco nos EUA de 0,39 trilhões de pés cúbicos em 2000 para 4,8 trilhões de pés cúbicos em 2010, ou 23% da produção seca de gás nos EUA. E muito, muito mais, está por vir. A EIA estima haver 860 trilhões de pés cúbicos de gás de xisto "tecnicamente recuperáveis" nos EUA, contra apenas 273 trilhões de pés cúbicos nas atuais "reservas comprovadas". Se essa estimativa estiver correta, apenas o gás de xisto supriria o consumo americano de gás durante 40 anos, com base no ritmo atual.

Qual a dimensão das reservas mundiais de gás de xisto? A AIE pediu a consultores que examinassem 48 bacias de gás de xisto em 32 países. O relatório estima os recursos "tecnicamente recuperáveis" de gás de xisto em todo o mundo em 6,6 quatrilhões de pés cúbicos, volume aproximadamente igual às atuais reservas comprovadas. As maiores reservas identificadas, além das localizadas nos EUA, estão na China (1,275 quatrilhões de pés cúbicos), Argentina (774 trilhões), México (681 trilhões), África do Sul (485 trilhões), Canadá (388 trilhões), Líbia (290 trilhões), Argélia (231 trilhões), Brasil (226 trilhões), Polônia (187 trilhões) e França (180 trilhões). Regiões excluídas dessa análise incluem a Rússia, Ásia Central, Oriente Médio, Sudeste Asiático e África Central. O potencial mundial deve ser ainda muito maior.

Que diferença poderá a abundância de gás natural (inclusive a de gás mais convencional) fazer para o futuro energético mundial? Em seu World Energy Outlook 2011, a AIE comenta que "em todos os cenários analisados,,, o gás natural tem uma participação maior no mix mundial de energia em 2035 do que hoje". Segundo o cenário de sua "idade do ouro", a demanda de gás crescerá 2% ao ano entre 2009 e 2035. Mesmo em um cenário mais cauteloso, referido como "novas políticas", a previsão de crescimento da demanda é de 1,7% ao ano, ou um total de 55% durante esse período. Como resultado, o gás substituirá outros combustíveis, particularmente em geração de eletricidade e aquecimento. Ele também tem grande potencial como combustível para os transportes. No geral, argumenta a BP em seu mais recente "Energy Outlook" (panorama energético), em torno de 2030, o gás poderá vir a rivalizar com o carvão e o petróleo como fonte de energia primária.

A substituição do carvão ou petróleo por gás é desejável do ponto de vista das emissões de gases estufa e muitos outros poluentes. Por unidade de produção de energia, o gás emite pouco mais de metade das emissões de dióxido de carbono do que o carvão e 70% das emissões de CO2 originadas do petróleo. As emissões de monóxido de carbono na queima de gás equivalem a 20% das emissões originadas do carvão. As emissões de dióxido de enxofre e de partículas são desprezíveis. Em qualquer cenário plausível visando controlar as emissões de gases que provocam o efeito estufa, o gás natural terá que substituir outros combustíveis, embora o desenvolvimento de técnicas baratas de captura e armazenamento de carbono também poderão reforçar as justificativas para o uso do carvão. Para a China, em especial, com seu ônus poluidor devido ao uso de carvão, o gás parece fazer sentido.

Mas, trará o gás de xisto a transformação benéfica que alegam seus defensores? Talvez não. O aspecto controvertido dessa tecnologia é o impacto sobre o ambiente. Em artigo publicado na edição de novembro da "Scientific American", Chris Mooney, que escreve sobre ciência, observa que o "fraturamento horizontal exige enormes volumes de água e substâncias químicas. Enormes lagoas ou tanques são também necessários para armazenar o 'refluxo de água' quimicamente poluído que retorna pelo buraco perfurado, após os poços terem sido fraturados". Um único eixo perfurador lateral, requer entre 2 e 4 milhões de galões de água e 15 a 60 mil litros de produtos químicos. Não admira que os críticos aleguem que a nova tecnologia ameaça poluir lençóis freáticos e seja, portanto, um pesadelo ambiental. O artigo sugere não se saber, ainda, se tal contaminação ocorreu. Nessa fase, conclui, os riscos são incertos. As atividades da nova indústria precisam ser rigorosamente monitoradas.

Se é adequado seguir em frente rapidamente com essa tecnologia dependerá de várias considerações: 1- os custos de oportunidade locais da água; 2- as competências e a confiabilidade dos operadores; 3 - a capacidade das agências fiscalizadoras; 4 - os benefícios do eventual gás extra obtido, em comparação com os benefícios de combustíveis alternativos (ou da conservação), inclusive para a segurança; 5 - melhor conhecimento do impacto das tecnologias. Para dar um exemplo, a competição da demanda por água e os perigos da poluição poderão tornar perigosa a extração em larga escala de gás de xisto na China.

O gás de xisto evidencia a engenhosidade dos envolvidos na descoberta de novas fontes de energia. Também sugere a bem-vinda possibilidade de obter gás natural barato por muitas décadas. Mas essa revolução poderá revelar-se um pacto faustiano. É preciso cuidado em como - e quão rapidamente - a tecnologia poderá ser adotada: os custos ambientais podem revelar-se pesados. "Apressa-te lentamente", como os antigos romanos costumavam dizer.



* World Shale Gas Resources: An Initial Assessment of 14 Regions Outside the United States (Recursos de gás de xisto no mundo: uma estimativa inicial de 14 regiões fora dos EUA, 5 de abril de 2011, www.eia.gov. (Tradução de Sergio Blum)



Martin Wolf é editor e principal comentarista econômico do FT.

domingo, 19 de fevereiro de 2012

Recuperação sob risco

Nouriel Roubini - FSP 19-02


Crise na Europa, freada na China, incertezas nos EUA e tensões no Oriente Médio ameaçam retomada global

Desde o fim de 2011, diversos desdobramentos positivos reforçaram a confiança dos investidores e conduziram a uma alta acentuada nos ativos de risco, a começar por ações e commodities em todo o mundo.

Os dados macroeconômicos dos EUA melhoraram, as companhias de primeira linha dos países avançados se mantiveram lucrativas, a China e os emergentes registraram somente ligeira desaceleração, e o risco de uma moratória unilateral e/ou saída de alguns membros da zona do euro se reduziu.

Além disso, sob seu novo presidente, Mario Draghi, o BCE (Banco Central Europeu) parece disposto a fazer o que for preciso para reduzir o desgaste do sistema bancário e dos governos europeus e também para baixar os juros. Os bancos centrais das economias avançadas e emergentes realizaram injeções maciças de liquidez. A instabilidade se reduziu, a confiança está em alta e a aversão ao risco se moderou -por enquanto.

Mas ao menos quatro riscos de baixa devem se concretizar neste ano, solapando o crescimento global e terminando por afetar a confiança dos investidores e o valor de mercado dos ativos de risco.

Primeiro, a zona do euro está em profunda recessão, especialmente os países periféricos, mas agora também as economias centrais, para as quais os mais recentes dados mostram contração na produção da Alemanha e da França.

Segundo, surgiram indícios de um enfraquecimento no desempenho da China e do restante da Ásia. Na China, a desaceleração em curso é inconfundível. O crescimento nas exportações se desacelerou acentuadamente e caiu abaixo do zero com relação aos países periféricos da zona do euro. A expansão nas importações, que sinaliza alta futura nas exportações, também se reduziu.

De forma semelhante, o investimento chinês em imóveis comerciais e residenciais está se desacelerando de maneira acentuada, e o preço das casas começa a cair.

O investimento em infraestrutura também recuou, e muitos projetos de ramais ferroviários de alta velocidade estão suspensos.

Terceiro, embora os números quanto aos EUA tenham sido surpreendentemente encorajadores, o ímpeto de crescimento parece estar perto do pico. O aperto fiscal será mais forte em 2012 e em 2013, o que contribuirá para a desaceleração, e o mesmo se aplica ao fim dos benefícios fiscais que estimularam os investimentos de capital em 2011.

Além disso, dados os problemas continuados nos mercados de crédito e de habitação, o consumo privado se manterá contido.

Por fim, os riscos geopolíticos no Oriente Médio estão em ascensão, graças à possibilidade de uma resposta militar de Israel às ambições nucleares iranianas.

Embora o risco de conflito armado permaneça baixo, a batalha verbal em curso está se ampliando, bem como a guerra clandestina que Israel e os EUA travam contra o Irã.

Além disso, existem tensões geopolíticas mais amplas e que não devem se atenuar, no Oriente Médio.

É possível até que se intensifiquem. A Primavera Árabe produziu resultados relativamente favoráveis na Tunísia, onde começou, mas os desdobramentos no Egito, na Líbia e no Iêmen continuam bem menos previsíveis, e a Síria está à beira de uma guerra civil.

Em outras palavras, há muito que poderia sair errado no Oriente Médio, e diversas combinações de incidentes causariam medo nos mercados e resultariam em alta considerável no petróleo.

A despeito do crescimento econômico fraco nas economias avançadas e da desaceleração em muitos mercados emergentes, o petróleo já está cotado a mais de US$ 100 por barril. Mas o ágio imposto pelo medo poderia trazer alta significativa de preço, com os efeitos negativos previsíveis que isso teria sobra a economia mundial.

Com tantos riscos em tantas áreas, os investidores, para surpresa de ninguém, darão preferência à liquidez em suas carteiras e rejeitarão ativos fixos de risco quando esses riscos de baixa previsibilidade vierem a se materializar.

Essa é ainda outra razão para acreditar que a economia mundial continua longe de obter uma recuperação equilibrada e sustentável.



NOURIEL ROUBINI é presidente da Roubini Global Economics (www.roubini.com) e professor na Escola Stern de Administração de Empresas (Universidade de Nova York).

Este artigo foi distribuído pelo Project Syndicate.