sexta-feira, 30 de março de 2012

TV ON LINE

JULIANA ROSA ANALISA DADOS DA FGV SOBRE O CRESCIMENTO DA INDÚSTRIA BRASILEIRA TEMPO: 00:03:30


Em comentário ao Jornal Edição das Dez, da Globo News, a editora de economia Juliana Rosa analisou um levantamento da Fundação Getúlio Vargas (FGV) sobre a confiança do empresário da indústria. Além disso, ela comentou o anúncio da presidente Dilma Rousseff acerca da criação de medidas para ajudar no crescimento da economia brasileira.

*DILMA ROUSSEFF, presidente do Brasil.

TV: GLOBO NEWS
PROGRAMA: EDIÇÃO DAS OITO
APRESENTADOR: MARIA PAULA CARVALHO


5,5% DOS FINANCIAMENTOS DE CARROS NÃO FORAM PAGOS EM FEVEREIROS, REVELA BC  TEMPO: 00:02:40



Depois do recorde de produção e vendas de veículos em 2011. surge um novo número que não é positivo. A quantidade de pessoas que não conseguem pagar o financiamento dos carros é a maior dos últimos doze anos. Segundo o Banco Central, 5,5% dos financiamentos de carros não foram pagos em fevereiros.

TV: SBT DF
PROGRAMA: JORNAL DO SBT
APRESENTADOR: CARLOS NASCIMENTO


ECONOMISTA FALAM SOBRE O CENÁRIO ECONÔMICO NACIONAL - PARTE 1 TEMPO: 00:14:00


ECONOMISTA FALAM SOBRE O CENÁRIO ECONÔMICO NACIONAL - PARTE 2 TEMPO: 00:12:23


Em entrevista ao Programa Miriam Leitão, o economista da PUC do Rio de Janeiro, Marcelo de Paiva Abreu, e o economista da FGV, Armando Castelar, falaram sobre o cenário econômico nacional e o protecionismo na indústria brasileira.

SONORA

*MARCELO DE PAIVA ABREU, economista - PUC/RIO

*ARMANDO CASTELAR, economista - FGV

TV: GLOBO NEWS
PROGRAMA: MIRIAM LEITÃO
APRESENTADOR: MIRIAM LEITÃO








Petróleo segue firme e preço dos metais recua em março



Por Vanessa Dezem - Valor 30/03
De São Paulo

Enquanto o petróleo retorna ao pico verificado no início do ano passado - quando o mundo vivenciava os piores momentos da primavera árabe -, as commodities industriais, à frente os metais não ferrosos, vão bem no ano, apesar do recuo nas cotações em março. Mesmo com caminhos opostos, o momento do mercado internacional tem um ponto em comum: os preços têm sido mais influenciados pelas notícias sobre a recuperação da economia global e questões geopolíticas do que pelos fundamentos econômicos de oferta e demanda.

"Não é exatamente a demanda e a oferta que estão no foco. As crises geopolíticas têm sido o fator principal de estímulo das cotações do petróleo", afirmou o analista da Ágora Corretora, Luiz Otávio Broad. "Muitos dos fundamentos não têm apresentado influência direta nos preços. As cotações dos metais na LME (a Bolsa de Metais de Londres) têm sido amplamente influenciadas pelo fluxo de notícias, como as que envolvem a Grécia", completou Giles Lloyd, consultor da CRU International, consultoria global do setor de mineração.

O primeiro trimestre representou para os preços do petróleo uma alta de 13,81% na comparação com a última cotação de 2011. O Brent, de Londres - que fechou ontem a US$ 121,63 o barril - vem registrando um movimento de valorização que tem feito com que a commodity atinja os mesmos patamares verificados entre março e abril do ano passado. Enquanto naquela época os investidores temiam o desabastecimento devido à ebulição das crises políticas que ocorriam em diversos países produtores no Oriente Médio e no norte da África, hoje a preocupação está concentrada no Irã. A República Islâmica tem sofrido sanções da comunidade internacional, diante de sua insistência no programa nuclear. "As notícias do embargo do petróleo iraniano têm impulsionado os preços. Não há um grande alavancador da demanda por petróleo que justifique esse avanço", afirmou Broad.

A performance das commodities metálicas, por outro lado, tem sido bastante variada. Em geral, desde o início do ano, as cotações na LME têm apresentado recuperação, mas nos últimos dias esse movimento se inverteu.

O cobre, por exemplo, apresenta alta de 10,11% no acumulado do ano. Em março, no entanto, foi registrada queda de quase 3%. Ontem, a cotação do metal fechou a US$ 8.335 a tonelada. Aos US$ 2.146,50 a tonelada, o alumínio avançou 7,7% no acumulado do ano, mas recuou 8,33% neste mês. Depois da baixa dos preços no segundo semestre do ano passado, o nível em que esses metais se encontram atualmente é semelhante aos registrados no pós-crise, no terceiro trimestre de 2010.

Em janeiro, o impulso dos metais se deu diante dos sinais de que a economia americana - grande consumidora de commodities - estava se recuperando. Para o cobre, esse cenário se somou às expectativas de que a China estaria programando a reconstrução de seus estoques para o segundo semestre, o que deve fazer com que a oferta do país recue, ao mesmo passo que a demanda avance. "O alumínio, por sua vez, ganhou com anúncios de cortes na produção por parte das empresas e a demanda melhor do que o esperado nos EUA", afirmou o chefe para alumínio da CRU, Marco Georgiou.

Esse momento positivo, no entanto, passou a ser questionado. Há na cabeça dos investidores uma incerteza sobre a capacidade das economias emergentes de apresentarem uma demanda cujo desempenho compense a apatia dos países desenvolvidos. Os dados macroeconômicos chineses que têm revelado uma desaceleração da economia do país tem ficado no centro das atenções. "O declínio do final do primeiro trimestre é resultado de uma antecipação do mercado à possível redução da atividade econômica global no período de abril a junho", afirmou o gerente executivo do Instituto de Metais Não Ferrosos (ICZ), Ricardo Suplicy Goes.

Para 2012, analistas estimam menores flutuações. O BofA Merrill Lynch estima um avanço pequeno para a cotação do alumínio, para US$ 2.275 por tonelada. O cobre deve ter recuo, para US$ 7.750. Já o Brent deve alcançar a média de US$ 118 o barril.

Competitividade na incerteza



Por Stéphane Garelli - Valor 30/03

O World Competitiveness Center do IMD está preparando o Relatório Anual de Competitividade Mundial 2012, em meio a uma incerteza econômica global sem precedentes. Interpretar a enxurrada constante de informações - positivas e negativas - não é uma tarefa fácil.

Mas tudo será revelado quando o ranking for divulgado no final de maio. Enquanto isso, veja quatro tendências que irão influenciar a pontuação da competitividade deste ano:

1) A economia global está se fragmentando. É muito difícil falar de uma "economia global", pois há inúmeros modelos econômicos. Alguns países passam por um superaquecimento, como a China e talvez a Turquia. Outros estão em recessão, como - obviamente - a Grécia, e talvez a Espanha ainda este ano. Alguns estão sob o risco da inflação, como a Rússia e a Índia, enquanto outros podem experimentar a deflação, como o Japão e, possivelmente, a Suíça.
Talvez um dos maiores impactos da recessão tenha sido a fragmentação da economia global - um pouco como a difração da luz. A economia global era uma luz branca, mas agora há todos os tipos de tons, e as empresas não estão sabendo lidar bem com isso.

Elas terão de adotar modelos de negócios paralelos. Alguns serão orientados para países com inflação alta, outros para mercados com uma classe média forte. Nas economias emergentes, por exemplo, há um rápido crescimento de uma classe de "menos pobres", e as empresas precisarão adequar um modelo de negócio para isso também.

Portanto, as empresas precisam ser flexíveis, ágeis e sintonizadas com os mercados locais ou regionais. A dificuldade é gerir essa diversidade de modelos de maneira altamente eficiente.
2) As empresas usarão seu caixa. Grande parte do pessimismo atual provém de instituições financeiras e governos, e o mercado é extremamente sensível a isto. Porém, há um grande número de empresas - incluindo aquelas que vêm ao IMD - que estão melhores do que o esperado.

Por exemplo: no final de 2011, empresas norte-americanas tiveram US$ 2,15 bilhões em caixa em seus balanços (a Apple tinha cerca de US$ 98 bilhões - alguns bilhões a mais do que o Tesouro dos EUA). Nunca houve tanto dinheiro em caixa nos balanços corporativos.

O que as empresas fazem com todo esse dinheiro? Primeiramente, elas compram de volta suas ações e aumentam ligeiramente o preço, pois sentem que estão subvalorizadas e querem se proteger de uma possível oferta pública de aquisição. A segunda ação é adquirir outras empresas, então é de se esperar muitas fusões e aquisições em 2012.

Do ponto de vista do investidor, uma boa compra para 2012 será de empresas internacionais blue-chip que têm uma diversificação de risco e bastante dinheiro. Ainda há mercado, as pessoas ainda estão comprando e, provavelmente, farão o possível para manter seu preço de ação.

3) Economias desenvolvidas precisam se reindustrializar. Em 2012, o modelo "Made in" será um aspecto crítico por um motivo bastante simples: os índices de desemprego estão péssimos. A taxa é de 10,4% na Europa e 8,6% nos EUA. Entre os jovens, o índice dobra: 18,5% nos EUA, 21,3% na Europa e chega a 48,7% na Espanha. Isso é uma bomba-relógio social; e é inaceitável - especialmente agora com a proximidade das eleições na França, EUA e em outros lugares.

Como os países criam empregos? Eles têm de fabricar e exportar. Então, vão redescobrir a industrialização. Nos últimos 20 anos, os EUA, Europa e Japão perderam cerca de 20% de sua indústria em termos de percentagem do Produto Interno Bruto (PIB), e isso também é inaceitável.

Economias desenvolvidas terão de retomar a fabricação doméstica - o que é um grande problema nos EUA. Jeff Immelt, CEO da General Electric, defende fortemente esta empreitada, assim como Sarkozy na França, e estão certos em fazê-lo. O "Made in" é importante porque é o que define, fundamentalmente, um país.

Paralelamente, esperamos ver uma força de mão-de-obra muito mais flexível em todo o mundo. Em vez de demitir pessoas, muitas empresas tentarão reduzir horas de trabalho e baixar levemente os salários. Tanto os empregadores quanto os sindicatos têm um enorme papel a desempenhar.

4) O euro vai sobreviver. O euro não vai desaparecer. Por quê? Porque seria um choque tão grande para todos; porque muito foi investido politicamente; e porque abandonar não é bem do interesse das economias periféricas da zona do euro.

Se a Grécia retomasse o dracma, ainda teria que pagar suas importações em euros ou dólares. Isto seria terrível pois elevaria sua inflação para níveis altíssimos como de Zimbábue.

Portanto, este problema do euro tem de ser resolvido, e a moeda única tem que funcionar. É essencial que os mercados vejam a Europa como o "credor de última instância". E tem que ser o Banco Central Europeu - ou uma instituição que diga: "Aqui está. Seja o que for a dívida, vamos pagá-la". O preço de fazer isso será alto, mas o preço de abandonar o euro será ainda maior.

O sonho da globalização - de uma economia mundial e modelo de negócios global unificada - claramente não se realizará em 2012. O maior desafio para os altos executivos este ano será de gerenciar simultaneamente os diversos modelos de negócios.

A principal preocupação é de que as empresas têm ouvido tantas más notícias de bancos e governos ultimamente, que muitos elaboraram um Plano B por precaução. O problema é que quando todo mundo faz um Plano B, o cenário desse plano pode realmente acontecer.



Stéphane Garelli é diretor do World Competitiveness Center do IMD e leciona no programa Orchestrating Winning Performance.


quinta-feira, 29 de março de 2012

Defasagem no preço e importação de combustíveis pressionam Petrobras



Por Cláudia Schüffner - Valor 29/03
Do Rio

Os preços da gasolina e do diesel vendidos no Brasil estão 28% mais baratos no Brasil quando comparados aos preços praticados nos Estados Unidos. Os valores se referem aos preços da gasolina A (antes da mistura com álcool) e do diesel com baixo teor de enxofre vendidos nas refinarias da Petrobras no país (antes do pagamento de impostos ao consumidor), comparados aos valores praticados no Golfo do México, incluindo custos com frete, na terça-feira.

Essa defasagem coloca pressão adicional sobre os custos da Petrobras, já elevados pela importação adicional de gasolina e diesel para atender ao consumo crescente. Se a situação permanecer ao longo de 2012, a Petrobras vai perder R$ 2,9 bilhões apenas com a importação dos dois combustíveis.

Pelos cálculos do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE), somente em janeiro a Petrobras perdeu quase R$ 1 bilhão em função da defasagem do preço da gasolina e do diesel. Se a Petrobras continuar importando gasolina e diesel para atender ao mercado sem corrigir os preços, vai perder cerca de R$ 6 bilhões este ano, prevê Adriano Pires, do CBIE.

Outro fator que afeta a companhia é o aumento da demanda por combustíveis, que só começará a ser parcialmente atendida a partir de 2013, quando a refinaria de Pernambuco (Rnest), entrar em operação. Segundo dados da Agência Nacional do Petróleo (ANP), no ano passado foram vendidos diariamente 489 mil barris de gasolina, o que exigiu, na média, importações diárias de 34 mil barris. O aumento do consumo de diesel exigiu importações de 162 mil barris/dia, já que a produção de 718 mil barris/dia não atendeu à demanda, de 880 mil barris/dia.

Com base no balanço de 2011, o aumento da demanda provocou elevação da parcela de combustíveis importados nas vendas da Petrobras, de 28% para 32% do total. No ano passado, o consumo aparente de gasolina A cresceu 15% em relação a 2010, e a importação cresceu 333% na mesma comparação. Já as vendas de gasolina C cresceram 18,8%, segundo dados da ANP. Já o consumo aparente de diesel cresceu 3% com relação a 2010, o que elevou em 3,6% as importações. Este ano a situação deve piorar para a companhia, devido à previsão de aumento no consumo.
O assunto se tornou fonte de constrangimento na Petrobras. Oficialmente, os diretores e a presidente da estatal, Graça Foster, afirmam que ainda não há perda. "Não existe defasagem, vendemos pela média", disse ontem uma fonte da companhia.

"Esse negócio de estar ou não na média é balela", afirma o analista de um grande banco, que prefere não ser identificado. "Ajuda a ter preços mais altos em determinados produtos, mas o problema é que como a empresa não tem capacidade de refino, tem que importar. E isso tem impacto no resultado."

O efeito da defasagem sobre os custos da empresa é grande, porque a Petrobras tem que comprar gasolina e diesel no mercado internacional, pagando preços estabelecidos com base em um barril de óleo que está custando mais caro do que o preço de venda no Brasil.

No último trimestre de 2011, o Preço Médio de Realização (PMR) - média do preço de vários combustíveis produzidos pela empresa, notadamente gasolina, diesel, nafta, GLP, combustível de aviação e óleo combustível - era de R$ 173,00 por litro, que equivaliam a US$ 96. O petróleo do tipo brent (utilizado como parâmetro nas contas da estatal) fechou ontem cotado a US$ 124,77 o barril.

Apesar de não comentar o assunto, a direção da Petrobras vem tentando faz tempo reajustar preços, sem sucesso. A Petrobras tem na presidência do conselho de administração o ministro da Fazenda, Guido Mantega. E é justamente a Fazenda quem segura os preços dos combustíveis para manter a inflação sob controle, como afirmou o ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, em recente entrevista ao jornal "O Estado de S. Paulo".

Maílson da Nóbrega, sócio da Tendências Consultoria, se diz impressionado com as afirmações de Lobão. Segundo o economista e ex-ministro, as declarações mostram a intervenção do acionista controlador na companhia.

"Eu fui da época do controle de preços e a Petrobras se machucou muito. Mas era diferente, havia um processo hiperinflacionário e o controle de preços era parte dos instrumentos de controle do governo. Agora estão usando a Petrobras como instrumento para atingir a meta da inflação", critica, lembrando que, em 2011, o IPCA variou 6,5%, não por acaso o limite superior da meta de inflação. Ele vê aí riscos para a credibilidade do Banco Central e também para o regime de metas.

"No ano passado, o governo só conseguiu cumprir a meta de inflação. Se o cumprimento da meta depender de intervenções do governo em preços relevantes como o do petróleo, o regime de metas foi para o espaço", afirma Maílson. Na opinião do ex-ministro, a utilização da Petrobras para controlar preços da economia gera um ambiente de incertezas para quem investe na Petrobras.

Pires, do CBIE, acha que a situação hoje é pior que na época de controle de preços, quando existia a conta-petróleo. "A Petrobras vendia mais barato, mas se creditava junto ao Tesouro para receber essa diferença. Agora não. Sem controle de preços, o governo tunga o acionista e a empresa. É um dinheiro que ela nunca mais vai ver", afirma.

Desprotecionismo e desindustrialização



Por Luiz Carlos Bresser-Pereira - Valor 29/03

O Brasil vem se desindustrializando prematuramente desde 1980, primeiro, devido à crise da dívida externa e à alta inflação; depois, a partir de 1990, com a abertura comercial e financeira. Estas, além de permitir entradas de capital que apenas apreciavam o câmbio e aumentavam o consumo, implicaram na eliminação do imposto sobre exportações que existia implícito no sistema cambial e tarifário.

O Brasil ficou, assim, à mercê da tendência cíclica à sobreapreciação da taxa de câmbio que caracteriza os países em desenvolvimento que não a administram adequadamente. E sua taxa de câmbio tornou-se apreciada ciclicamente (depreciações ocorrendo nas crises financeiras) e cronicamente, ou seja, no longo prazo. A consequência de tudo isto foi a perda de competitividade da indústria manufatureira brasileira e um grave processo de desindustrialização.

As organizações representativas dos empresários industriais compreenderam esses fatos e desde 2005 passaram a colocar o câmbio como um problema central para o setor. Mas uma associação perversa da ortodoxia neoliberal com os restos do desenvolvimentismo dos anos 1950 vem dificultando uma ação mais decisiva do governo. De um lado temos rentistas e financistas, preocupados com a queda do juros, e representantes do agronegócio, preocupados com a volta do necessário imposto sobre exportações de commodities, e, de outro, desenvolvimentistas, preocupados com a pequena e temporária redução de salários reais que implica levar a taxa de câmbio para o nível de "equilíbrio industrial" (a taxa de câmbio que torna competitivas empresas utilizando tecnologia no estado da arte mundial). Enquanto isso, o governo, calado sobre a questão, buscou baixar os juros e limitar as entradas de capitais, mas, não tendo apoio na sociedade, suas ações foram tímidas e os resultados, incompletos.

As evidências, entretanto, se acumulavam. A participação da indústria no Produto Interno Bruto (PIB) caiu de 35,8% em 1984 para 15,3% em 2011; o saldo da balança comercial de manufaturados, que era positivo de US$ 29,8 bilhões em 2006 transformou-se em um enorme déficit de US$ 48,7 bilhões em 2011. O PIB cresceu apenas 2,7%, e a principal responsável por esse mau resultado foi a indústria que cresceu 0,3% do PIB.

A causa desse óbvio processo de desindustrialização prematura foi, naturalmente, a sobreapreciação do real - uma sobreapreciação que, segundo a macroeconomia estruturalista do desenvolvimento, é cíclica e crônica. Segundo estudo de André Nassif, Carmen Feijó e Eliane Araújo, "The trend of the real exchange rate overvaluation in open emerging economies: the case of Brazil", a taxa de câmbio em abril de 2011 estava valorizada em 80% em relação a seu nível "ótimo", ou seja, em seu nível "de equilíbrio industrial". O número pode ser discutido, mas o trabalho desses competentes economistas mostra que a sobreapreciação da taxa de câmbio no Brasil é muito grande.

Diante do acúmulo das evidências, foi necessário afinal reconhecer o problema da desindustrialização. Mas o câmbio continua a não ser o culpado para os analistas. Para a ortodoxia neoliberal, o culpado é o velho custo Brasil, é a infraestrutura insuficiente, são os impostos altos demais, é a oneração excessiva da folha de salários com direitos trabalhistas. E qual é a solução neoliberal? Resolver esses problemas. Ou seja, nada fazer além do que já está sendo feito, porque esses são problemas antigos e permanentes que todos os governos procuram resolver. Não são fatos novos que são necessários para explicar um fato novo: a desindustrialização.

Já os desenvolvimentistas de mercado interno têm uma outra solução. Ao invés de mexer no câmbio, que implicaria aceitar o "modelo exportador", vamos proteger o mercado interno: vamos fazer política industrial, vamos subsidiar as empresas envolvidas no PAC, vamos desonerar as empresas do IPI e de encargos trabalhistas.

O governo sabe que está em dificuldade, mas hesita em adotar uma política mais firme de depreciação cambial, não compreendendo que a dicotomia crescimento puxado pelo mercado interno ou pelas exportações não faz sentido. O governo Lula distribuiu renda com sucesso. Assim, ele teria "defendido" o mercado interno para a indústria nacional. Engano: defendeu por pouco tempo, até que as importações de bens industriais, que sempre apresentam uma defasagem em relação à apreciação da moeda, chegaram e o mercado interno foi entregue aos exportadores. O governo Dilma tenta replicar o êxito do governo anterior, no qual a distribuição prevaleceu sobre o crescimento, não compreendendo que isto só foi possível devido ao enorme aumento do preço das commodities.

Não obstante, o governo é taxado de "protecionista" pela primeira-ministra da Alemanha, Angela Merkel, e o jornal "O Estado de S. Paulo" (26/3) descobriu 40 "medidas protecionistas" no governo Dilma. Não, senhora primeira-ministra, não, velha ortodoxia, o Brasil, com sua taxa de câmbio sobreapreciada, pratica, desde os anos 1990, desde que deixou de abrir em excesso sua economia, uma política econômica desprotecionista. As medidas de política industrial e de controle das entradas de capital que tem tomado nos últimos anos são acertadas, mas ficam longe, muito longe, de compensar uma taxa de câmbio que deveria girar em torno de R$ 2,30 e R$ 2,40 por dólar para ser uma taxa de câmbio equilibrada ou competitiva. E, assim, o Brasil continua a se desindustrializar e a crescer a taxas modestas, muito inferiores às dos países asiáticos dinâmicos.



Luiz Carlos Bresser-Pereira - Professor emérito da Fundação Getúlio Vargas. Autor de "Globalização e Competição"

quarta-feira, 28 de março de 2012

O Globo - Se meio ambiente contasse, PIB do Brasil seria de 3% e não 34% em duas décadas, diz especialista - O Globo


LONDRES — O Brasil paga um preço alto por seu rápido desenvolvimento econômico, de acordo com um novo estudo divulgado ontem na conferência Planeta sob Pressão, em Londres. Entre 1990 e 2008, a riqueza do país, medida pelo Produto Interno Bruto (PIB) per capita, aumentou 34%. Mas o foco econômico do índice pode mostrar um quadro não muito fiel da realidade nacional, segundo o trabalho. No mesmo período, o capital natural, ou seja, a soma dos recursos naturais — de florestas a combustíveis fósseis — caiu 46%, como revela o Indicador Inclusivo de Riqueza, um índice criado experimentalmente para se contrapor ao PIB como forma de avaliar o progresso de uma nação.

Leia mais sobre esse assunto em http://oglobo.globo.com/ciencia/se-meio-ambiente-contasse-pib-do-brasil-seria-de-3-nao-34-em-duas-decadas-diz-especialista-4436300#ixzz1qVNONVut

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Se meio ambiente contasse, PIB do Brasil seria de 3% e não 34% em duas décadas, diz especialista - O Globo

China defende acordo temporário sobre câmbio

Valor 28/03

Um dos mais altos representantes da China no setor financeiro defendeu ontem um cessar-fogo global na área cambial e a busca de cooperação após o confronto com os Estados Unidos na Organização Mundial do Comércio (OMC) sobre quem é o culpado pelas tensões atuais. "Temos de alcançar pelo menos um acordo temporário na comunidade internacional sobre como tratar da questão cambial", afirmou, em entrevista, Li Ruogu, o presidente do Export-Import Bank of China, depois de participar do primeiro grande seminário na OMC dedicado à relação entre comércio e taxa de câmbio, vista como central hoje.

Ao mesmo tempo, Ruogu acusou os EUA de negligenciar suas responsabilidades na gestão do dólar como moeda de reserva mundial, que Pequim aponta como o real causador de desequilíbrios na economia internacional. Foi a primeira vez que um representante chinês, que repete rigorosamente o roteiro traçado por Pequim, mencionou a possibilidade de acordo internacional na área cambial, num cenário de fricções sobre desvalorização competitiva de moedas e barreiras comerciais.

Já na sessão inicial do debate que a OMC teve de organizar, por iniciativa do Brasil, um ponto forte foi a fricção entre Pequim e Washington, com troca recíproca de acusação pelos problemas atuais. O subsecretário assistente do Tesouro dos EUA, Mark Sobel, pediu a palavra e começou a criticar a política cambial chinesa. Para Sobel, as tensões são resultado de intervenção direta de governos para controlar a taxa de câmbio, mais do que de volatilidade cambial induzida pelos mercados, conforme relataram alguns participantes do encontro a portas fechadas.

Ele perguntou ao representante brasileiro, o empresário Josué Gomes da Silva, de onde vinha a maior concorrência externa para os produtos brasileiros, procurando apontar os chineses como principais culpados. Ele respondeu que as importações vinham majoritariamente da Ásia, mas também dos EUA em razão do real valorizado e do dólar fraco.

Em seguida foi a vez de Li Ruogu jogar a culpa nos americanos. Ele acusou os EUA de política "errática", citando que Washington pedira no passado para Pequim não valorizar sua moeda. Foi uma forma de mencionar os benefícios das milhares de empresas americanas que exportam da China para o mundo todo.

Para a China, a principal fonte dos problemas cambiais vem das políticas fiscal e monetária frouxas dos EUA, com injeção maciça de liquidez nos mercados, provocando enormes fluxos de capital para outros países e forçando a valorização das moedas locais.

Ele argumentou que as estatísticas que apontam a China como o grande exportador mundial são distorcidas por causa das cadeias globais de produção. Ele exemplificou que a exportação de iPhones e iPads é atribuída à China, mas só uma pequena porcentagem do valor final é embolsada pelo país.

Na saída, Li Ruogu reclamou que o dólar americano é usado como moeda de reserva, mas que os EUA não assumem mais a responsabilidade pela questão. "Esse é o problema que temos de discutir. Os EUA têm o direito de dizer que não querem mais assumir esse papel, mas devemos perguntar a alguém ou a algum sistema para assumir esse papel", afirmou. Indagado se o yuan chinês poderia substituir a moeda americana, ele retrucou sorrindo muito: "A China não pode fazer isso, é ainda um país fraco, em desenvolvimento."

Pequim e Washington concordaram pelo menos num ponto: não é a OMC que deve tratar de câmbio para aliviar questões no comércio internacional. Os dois países, inclusive, exigiram da OMC que o seminário fosse fechado. Foi proibido fotografar os participantes, revelar nomes dos palestrantes e também não haverá sequer minuta dos debates.

Os EUA divulgaram comunicado dizendo que defenderam na OMC taxas de câmbio ajustadas em linha com os fundamentos, que resultariam em menos pressão por protecionismo. De seu lado, a China reiterou que os países devem discutir as raízes, e não os efeitos, dos problemas no sistema monetário internacional. Para o Brasil, os efeitos afetam duramente seu parque industrial e precisam de remédio pela OMC.

O embaixador brasileiro Roberto Azevedo reuniu a imprensa internacional no começo da noite, para relatar que nenhum país negou a existência de desalinhamento cambial. Mas tampouco há consenso sobre o tema na OMC.

Por que ficou tão caro produzir no Brasil?



Por José Ricardo Roriz Coelho - Valor 28/03

Caminhamos para ser a quinta economia global, mas até quando poderemos sustentar tal posição com tantas fragilidades no sistema produtivo, elevadas taxas de juros, alta carga tributária, infraestrutura precária e cara? Como queremos ostentar a condição de nação desenvolvida se os brasileiros pagam quase 40% de impostos e se deparam com um dos custos de vida mais elevados do mundo? Os graves efeitos do "Custo Brasil" na produção manufatureira são evidenciados em estudos de respeitados organismos nacionais e internacionais. O setor é o que mais sofre com os persistentes ônus.

Em 2011, segundo o Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT), os impostos pagos pelos brasileiros atingiram 33,99% do Produto Interno Bruto (PIB), superando os 32,72% de 2010. Isso está muito acima da média de 25,5% nos países com os quais competimos. Para a indústria de transformação o problema é mais grave. Embora responda por 16,2% do PIB (dados de 2010 - em 2011 sua participação diminuiu para apenas 14,6% do PIB), ela contribuiu com 33,9% dos impostos. O estudo "A Carga Tributária no Brasil: Repercussões na Indústria de Transformação", do Departamento de Competitividade e Tecnologia (Decomtec) da Fiesp, mostra que os tributos representam 40,3% dos preços dos produtos industriais, considerando-se toda a cadeia, à montante e à jusante.

Há, ainda, custos relativos ao pagamento dos impostos. A complexidade do sistema obriga a contratação de serviços não necessários em outros países. Segundo o estudo "Carga Extra na Indústria Brasileira", também do Decomtec/Fiesp, 1,16% do faturamento das empresas é gasto apenas para se manterem em acordo com a legislação, o que significa R$ 19,7 bilhões ao ano. Considerado o pagamento de tributos embutidos nos insumos, o índice sobe para 2,6%.

Além disso, o Bureau of Labor Statistics (BLS), responsável pelas estatísticas trabalhistas nos Estados Unidos, aponta que os encargos sobre a folha de pagamentos no Brasil, os mais altos dentre 34 países analisados, representam 32,4% dos custos com mão de obra na indústria de transformação. São 11 pontos percentuais acima da média das nações avaliadas (21,4%), ou 7,4 à frente da média europeia (25%). Mais grave é a diferença em relação aos emergentes: México, 27%; Argentina e Coreia do Sul, 17%.

O Brasil encontra-se em desvantagem também no custo da eletricidade. Nossa tarifa industrial foi estimada pelo Energy Information Administration (EIA), dos EUA, em US$ 138,00/MWh, a segunda mais alta do mundo. Um bom parâmetro para comparação é o Canadá, onde, como aqui, a matriz energética é baseada na hidroeletricidade. Mesmo assim, a tarifa brasileira é 182% maior. Os encargos e tributos contribuem para isso, mas, mesmo os eliminando, a energia brasileira ainda seria 108,3% mais cara. Resultado: a última Pesquisa Industrial Anual do IBGE mostra ser de 2,6% a participação da energia elétrica e consumo de combustíveis para aquecimento e operação de maquinaria nos custos totais da indústria brasileira de transformação. Ressalte-se: o cálculo não considera a cumulatividade na cadeia de valor.

Também são graves, conforme o Plano Nacional de Logística e Transportes (PNLT), do Ministério da Defesa, os custos nessa área, que representam 20% do PIB. Outro estudo, "Custos Logísticos no Brasil - 2006/2008", da Universidade Federal do Rio de Janeiro, mostra que o percentual da receita líquida das empresas comprometido com transporte, estoque e armazenagem foi de 7,5%.

Defrontamo-nos, ainda, com um dos mais elevados custos de capital do mundo, que se deve a dois fatores: taxa básica de juro real entre as mais elevadas do mundo e spreads bancários, que aumentaram significativamente após 2008, apesar da redução da Selic. Em função desses fatores, nosso custo financeiro é o mais alto do mundo, sendo 11,5 vezes maior do que o dos países que calculam os juros como o Brasil (Chile, Itália, Japão e Malásia).

Em outro estudo do Decomtec/Fiesp ("Juros em cascata sobre o capital de giro: o impacto sobre a indústria brasileira"), foi estimado que, em 2007, o custo do capital de giro para as indústrias equivaleu a 6,7% do preço dos produtos industrializados, contra 1,97% no conjunto de países incluídos no Índice de Competitividade da Fiesp. Em 2011, o impacto do custo de capital de giro aumentou para 7,5% do preço dos produtos industrializados, uma vez que cresce a taxa de juros para as empresas.

Os juros altos estão intimamente ligados à valorização cambial, cujo mercado é majoritariamente composto por fluxos financeiros, e os capitais são atraídos principalmente pelos juros elevados em comparação com as taxas baixíssimas dos países desenvolvidos. Tendo em vista o câmbio médio do ano e descontando a inflação do Brasil e dos Estados Unidos, o real valorizou-se 49,9% em relação ao dólar, entre 2006 e 2011. Isso é assustador frente a um aumento de produtividade física da indústria de transformação de apenas 9,2%, no mesmo período.

Devido a todas essas razões, e deprimida pela combinação da barata produção chinesa com a demanda combalida dos países ricos, a indústria defende a contínua e rápida redução da Selic e o equilíbrio do câmbio. A bomba que está estourando agora, atingindo primeiramente a manufatura, resulta de termos insistido muito tempo na combinação explosiva de câmbio livre com a maior taxa de juros do mundo. Por isso, o real teve valorização de 74,6%, de junho de 2004 a dezembro de 2011, sem que tivéssemos a mínima possibilidade de melhorar a nossa produtividade, devido ao brutal aumento de custos. Defendemos, sobretudo, a retomada das reformas estruturais, em especial a tributária e trabalhista. São medidas dependentes de políticas públicas, essenciais para conter a desindustrialização e resgatar a competitividade.



José Ricardo Roriz Coelho é presidente da Associação Brasileira da Indústria de Plástico (Abiplast) e da Vitopel e diretor titular do Departamento de Competitividade e Tecnologia da Fiesp.

Nova era de choques do petróleo



Por Martin Wolf  - Valor 28/03

Os preços do petróleo estão em alta. A culpa recai sobre Barack Obama. A solução é fazer perfurações nos Estados Unidos. Esse são os lemas dos críticos do presidente. Todos os presidentes tendem a receber a culpa quando os preços do petróleo estão elevados. Com o preço da gasolina se aproximando a US$ 4 por galão (3,785 litros), a culpa jorra em direção a Obama.

Talvez seja uma política eficiente. Mas é um absurdo. O petróleo, ao contrário do gás natural, é uma commodity negociada mundialmente, cujo preço é determinado nos mercados mundiais. Em 2010, os EUA produziram 7,8 milhões de barris por dia, 9% da oferta mundial. Ao contrário da Arábia Saudita, os EUA não possuem capacidade ociosa: é um seguidor de preços. Em resposta aos críticos Obama disse: "Estamos perfurando mais. Estamos produzindo mais. Mas o fato é que produzir mais petróleo em casa não é suficiente para fazer os preços caírem do dia para a noite". Esses comentários estão corretos, a não ser pelo fim. Produzir mais petróleo praticamente não terá impacto nos preços do petróleo.

Além disso, se há uma causa específica para a alta nos preços do petróleo, é o endurecimento das sanções contra o Irã, o que é apoiado pelos republicanos. Se, como muitos desejam, forem tomadas ações militares, o impacto sobre os preços do petróleo e a economia mundial será muito maior.

No longo prazo, uma grande redução na demanda do EUA, que ainda representa 20% do total mundial, poderia fazer diferença significativa nos preços. Mais do que isso, o relativo desperdício no uso de petróleo nos EUA, em comparação a outros países de alta renda, tornaria tal redução fácil de alcançar. A melhor forma de tornar isso realidade seria elevar os preços, por meio de impostos mais altos. Tal política, contudo, é considerada não americana. É uma política adequada apenas para os frouxos europeus.

Ainda assim, apesar da politicagem absurda, deveríamos estar preocupados quanto ao impacto econômico dos altos preços do petróleo: um aumento de US$ 10 no preço do petróleo transfere US$ 320 bilhões por ano dos consumidores de altos gastos para os produtores de baixos gastos, dentro e entre países. A alta de 15% desde dezembro de 2011 transferiu perto de US$ 500 bilhões. O preço real do petróleo também está muito alto pelos padrões históricos. Novos aumentos levarão o mundo a territórios inexplorados.

Em resumo, aumentos nos preços do petróleo são uma ameaça. Então, o que vai acontecer?

Em recente informe, o Goldman Sachs argumenta que uma alta de 10% nos preços do petróleo pode reduzir o Produto Interno Bruto (PIB) dos EUA em 0,2 ponto porcentual depois de um ano e em 0,4 ponto porcentual depois de dois. Na União Europeia (UE), o impacto é menor: redução de 0,2 ponto porcentual no primeiro ano, mas nenhuma no seguinte.

Como, na verdade, o aumento desde dezembro foi de 15%, o impacto nos PIBs dos EUA e UE será uma redução de 0,3 ponto porcentual no primeiro ano - considerável, mas não calamitoso. Esse aumento de preço reduz a renda das famílias dos EUA em cerca de 0,5%. Além disso, um galão de gasolina a mais de US$ 4 poderia ser significativo em um momento em que a confiança está fragilizada, como agora.

O Goldman Sachs também sugere que os fatores que vão determinar a escala de qualquer impacto adverso.

O primeiro é se a alta nos preços é causada pela demanda ou, ainda mais prejudicial, por choques na oferta. A resposta, indica, é que atualmente a demanda é a principal causa da alta dos preços, embora o endurecimento das sanções contra o Irã vai ser mais importante. Em seu informe mais recente, a Agência Internacional de Energia (AIE), com sede em Paris, até condiciona essa opinião. Concorda que "pode não haver interrupção real na oferta no momento decorrente da 'questão' iraniana". "Mas há interrupções fora da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep) em um total em torno a 750 mil barris por dia".

O segundo fator se refere à atual capacidade ociosa. A resposta: não muita. Os estoques nos mercados de petróleo de alta renda estão baixos. A produção na Arábia Saudita é a maior nos últimos 30 anos, o que sugere capacidade ociosa limitada. Além disso, o crescimento da oferta mundial de petróleo vem se mostrando persistentemente baixo, de menos de 1% nos últimos dez anos, apesar dos preços elevados do petróleo em termos gerais. Com o crescimento econômico mundial potencial em 4% ao ano, a oferta de petróleo crescendo a 1% e a falta de alternativas simples para o petróleo como combustível para o transporte, a oferta provavelmente ficará mais espremida.

Um terceiro fator é o que acontece em outros mercados de commodities. Aqui, as notícias são boas: os preços do gás natural estão em baixa, enquanto os preços agrícolas não vêm se mostrando um grande problema neste ano. Isso deverá limitar o impacto inflacionário.

Uma consideração final é a reação monetária. As notícias continuam favoráveis. Os bancos centrais deverão ignorar as oscilações nos preços das commodities, particularmente as que tiverem impacto recessivo, desde que não sejam passadas para os salários. Estão certos em agir assim.

O Goldman Sachs conclui, em termos gerais, que o aumento nos preços é um "freio" não uma "ruptura" para o crescimento econômico. O economista-chefe da AIE, Fatih Birol, no entanto, alerta para o risco de excesso de complacência. Destaca que as importações líquidas de petróleo pela UE custarão 2,8% do PIB pelos preços correntes, em comparação ao 1,7% verificado entre 2000 e 2010. Tendo em vista as fragilidades da economia da UE, os perigos são evidentes.

Além disso, em um mercado de petróleo no atual estado de tensão, novos aumentos nos preços são uma possibilidade bem real. Uma guerra contra o Irã seria a possibilidade mais assustadora. Mas o perigo está sempre presente, dada a instabilidade política nos lugares em que o petróleo é produzido. O mundo vai continuar preso nessa zona de perigo, uma vez que a demanda por petróleo dos países emergentes de alto crescimento está em alta. A AIE indica que as vendas na China de veículos utilitários privados chegarão a 50 milhões por ano em 2035, mesmo sob um cenário de eficiência energética. As implicações de tal aumento nas frotas de veículos são bastante óbvias.

O mundo estará vulnerável aos altos preços do petróleo e à repetição de choques enquanto houver estagnação na oferta, aumento na demanda subindo e probabilidade de instabilidade - em resumo, enquanto continuar como está agora. Para os EUA, a melhor resposta seria reduzir a magnitude que o petróleo representa para sua economia, para assim reduzir sua vulnerabilidade a esses choques. A alta nos preços ajudará a conseguir isso. Mas por que deixar toda essa receita ir para os estrangeiros? Em vez disso, faz muito mais sentido tributar as importações e ficar com parte disso.

Martin Wolf é editor e principal comentarista econômico do FT.

terça-feira, 27 de março de 2012

Resgate financeiro de fôlego curto



Por Wolfgang Münchau - Valor 27/03

Bem-vindos de volta à crise. E deverá ficar pior quando os mercados descobrirem que a região do euro pretende driblar a necessidade de aumento no "guarda-chuva" de proteção financeira contra a crise europeia. O argumento ouvido é um perfeito exemplo de lógica circular: não precisamos de um guarda-chuva maior porque as pressões do mercado arrefeceram.

Bem, as pressões do mercado voltaram a aumentar recentemente. Investidores estão preocupados com a Espanha.

Ao longo do fim de semana, Angela Merkel preparou uma de suas célebres mudanças de direção e lançou um balão de testes na imprensa alemã, o de que estava, no fim das contas, pronta para aceitar um aumento nos programas de resgate financeiro.

A aritmética, no entanto, é tediosa e a maioria das declarações que nos chega obscurece a questão, somando os mesmos números duas vezes. Os Estados Unidos e outros países do G-20, das principais economias mundiais, defendem que a contribuição da região do euro para o guarda-chuva de proteção total dobre, dos atuais € 500 bilhões para € 1 trilhão. Nesse caso, o Fundo Monetário Internacional (FMI) entraria com mais € 500 bilhões

Para conseguir isso, a região do euro teria de tomar duas medidas. Primeira, precisaria combinar o Fundo Europeu de Estabilização Financeira (EFSF, na sigla em inglês), o guarda-chuva temporário de € 440 bilhões, e seu sucessor permanente, o Mecanismo de Estabilidade Europeu (ESM). Segunda, teria de tornar permanente a contribuição do EFSF, já que de outra forma o fundo acabaria em 2013. As duas medidas seriam necessárias para chegar um total próximo a € 1 trilhão. Merkel, entretanto, não vai oferecer isso. Nem de perto.

Da forma como compreendi, ela está preparada para oferecer apenas uma fusão parcial e, ainda assim, apenas por um período de transição. Especificamente, os alemães propõem agregar os compromissos existentes do EFSF - os programas da Grécia, Irlanda e Portugal - ao ESM. Isso nos levaria a um total aproximado de €700 bilhões. O problema é que esses números não podem ser somados simplesmente. Uma vez que os programas antigos expirem, eles acabaram. Mais dinheiro, portanto, teria de vir do ESM. Com o tempo, o teto voltaria aos € 500 bilhões. Esse acordo, no máximo, proporcionaria um aumento pequeno e temporário no teto.

Ainda assim, elevaria o risco máximo temporário da Alemanha de € 211 bilhões para cerca de € 280 bilhões. Isso representa um problema político enorme para a primeira-ministra, porque exigiria uma votação no Bundestag, o Parlamento alemão, que anteriormente havia acertado que o passivo total de € 211 bilhões não deveria ser superado. A quantia de € 211 bilhões ganhou ares simbólicos nos debates na Alemanha. Merkel e outros políticos comprometeram-se várias vezes a não quebrar o limite. O CSU, ala da Baviera do partido de Merkel, se opõe. Depois da eleição de domingo em Sarre, a coalizão da primeira-ministra enfrentará um desafio ainda maior na Renânia do Norte-Vestfália, com eleições marcadas para maio. Não se esqueçam que as eleições lá acabaram atrapalhando o primeiro pacote de resgate financeiro da Grécia.

A fusão total dos dois fundos, do EFSF e do ESM, elevaria temporariamente o risco da Alemanha para cerca de € 400 bilhões. Acho difícil de ver como o Parlamento alemão simplesmente aceitaria quase dobrar o risco, depois de ter dito e repetido que isso não seria necessário. E mesmo isso não iria satisfazer o resto do mundo, uma vez que seria apenas um aumento temporário.

A reação europeia típica a impasses do tipo é valer-se de contabilidades criativas. Ouvi a sugestão de que se poderia "esticar" o capital resgatável do ESM. Isso deixaria intocado o número mágico de € 211 bilhões. Também significaria, contudo, que a capacidade total de resgate em nenhum momento seria maior do que 500 bilhões de euros. O resultado, ainda assim, seria mais parecido a um revólver de brinquedo do que a uma "grande bazuca". O mercado precisou de várias semanas para entender o significado dos recentes desenvolvimentos políticos e econômicos na Espanha. Podem ser necessárias mais algumas até que se compreenda a posição da Alemanha sobre o ESM.

O significado real, contudo, apenas fica claro quando se avaliam as duas questões juntas.

O atual ESM é grande o suficiente para lidar com países pequenos, mas não com a Espanha. Acredito que Madri acabará tendo de solicitar algum programa, especificamente para lidar com as dívidas paralisantes do setor financeiro espanhol. Mesmo uma versão minimamente expandida do ESM, no entanto, não seria suficientemente grande.

O que esse impasse nos revela é que estamos nos aproximando dos limites políticos dos programas multilaterais. Caso se queira pedir recursos nessa escala, será necessária "responsabilidade conjunta e solidária" - ou seja, todos os países da região do euro precisam ser responsabilizados conjuntamente - sem passivos específicos para cada país. Chamem de eurobônus ou como quiserem. Caso tampouco se queira isso, então será preciso aceitar que simplesmente não haverá proteções para a Espanha. Como disse, bem-vindos de volta à crise.


Wolfgang Münchau é editor do FT, especialista em União Europeia.

Política monetária



Por Antonio Delfim Netto - Valor 27/03

Com as recentes medidas tomadas pelo Copom, tem havido uma salutar discussão entre os economistas brasileiros sobre a natureza e a qualidade da política monetária que ele está implementando. De um lado, o avanço mais notável é o aumento dos cuidados de alguns participantes com relação às posições ideológicas apoiadas na religiosa devoção às misteriosas "forças" do mercado. De outro, é o aumento da desconfiança dos que acreditam que o Estado é habitado por seres privilegiados, para os quais a incerteza essencial do futuro é suspensa pela onisciência que aquele lhes confere.

Ninguém hoje, nem os mais extravagantes libertários (a não ser os candidatos do Partido Republicano nos EUA!), propõe o fim dos bancos centrais ou defendem sua "independência" da política. E por três motivos: 1) porque seria um escândalo o poder incumbente eleito por dezenas de milhões de votos entregar o destino dos seus cidadãos a uma dúzia de supostos portadores da "verdadeira" (inexistente) ciência monetária; 2) porque mesmo com poderosos instrumentos econométricos, não foi possível provar de forma convincente que os bancos centrais "independentes" produzem menor taxa de inflação (e maior bem-estar), pela simples e boa razão que hoje sabemos: o conjunto dos bancos centrais "realmente" independentes é vazio; e 3) porque a profissão, a despeito de suas múltiplas "escolas", introjetou a verdade expressa pelo competente economista, professor Alan Blinder, vice-chairman do Board do Fed, de 1994 a 1996, no último parágrafo do seu extraordinário livro "Central Banking in the Theory and Practice" (The MIT Press, 1998): "... o banco central moderno deve assumir sua independência dos mercados financeiros tão vigorosamente quanto deve fazê-lo com relação ao poder político".

O livro de Blinder é resultado de palestras proferidas em 1996. Hoje, 15 anos depois, continua no estado da arte. Na página 22, nos informa que "trabalhando em sua reclusão universitária, Tinbergen, Theil, Brainard e outros ensinaram valiosas lições abstratas, que têm uso prático e direto nos bancos centrais"... "entretanto não dão respostas às suas questões centrais e suas técnicas não podem ser aplicadas mecanicamente. O mundo é muito mais complicado do que elas supõem. Portanto, deve haver arte e ciência na ação dos bancos centrais, mas a ciência é útil. Pelo menos foi o que aprendi no Board do Fed".

Com relação às contribuições teóricas que em condições especiais permitem determinar uma "política monetária ótima", da qual se deduz a regra pedestre que, com um único instrumento (a taxa de juros de curto prazo), pode-se controlar apenas um objetivo (a taxa de inflação), o pensamento de Blinder é muito crítico.

"O que está errado com essa estrutura" pergunta ele? (página 4). A resposta é "nada e tudo"! E passa a enumerar a lista de objeções à simplicidade do modelo. "Exceto pelos instrumentos da política monetária que você controla, você tem de aceitar a economia como ela é. Você tem múltiplos objetivos - os seus e os ditados pelo poder incumbente - e deve ponderá-los de alguma forma..."

Blinder é cético com relação ao próprio conceito e à estimativa da "taxa de juros neutra", definida como "a taxa de juros real de curto prazo que é consistente como uma taxa de inflação constante" (página 50).

Um dos pontos altos do livro de Blinder é a análise que ele realiza da proposição demonstrada por Brainard (1967). Este sugeriu que, em condições adequadas dentro do modelo simples acima referido, quando há incerteza sobre os parâmetros do modelo (o que sempre há), o formulador da política monetária deve computar a "taxa de juros ótima", mas fazer um pouco menos, isto é, ser mais "conservador".

Com isso, potencialmente, ele reduz a variança do PIB. Com relação a essa norma, Blinder é enfático (página. 12) "Minha intuição é que a regra é mais geral, ou pelo menos mais sábia, no mundo real, do que sugere sua matemática. E eu espero que seja assim, pois nunca a tive longe de meu pensamento enquanto fui vice-chairman do Fed."

Alan Blinder esteve no Brasil em maio de 2001, a convite do Credit Suisse First Boston (CSFB). Em palestra em São Paulo, afirmou que "as longas (e variáveis) defasagens entre decisões sobre a política monetária e seus efeitos na economia, estão entre os principais fatores que tornam difícil, na prática, determinar a reação retardada das taxas de juros de longo prazo às variações das taxas de curto prazo"... e acrescentou que "o controle monetário, afinal de contas, é uma arte imprecisa".

Nos últimos 15 anos, os economistas não se cansaram de explorar as consequências da regra de Brainard e suas limitações. A maior prova desse fato é o extraordinário e interessantíssimo artigo de Gadi Barlevy ("Robustness and Macroeconomic Policy", na Annual Review of Economics, vol. 3, 2011), onde se explora e critica uma nova forma de enfrentar o problema da incerteza sobre os parâmetros com a adoção do comportamento "mini-max", ou seja, minimizar a perda máxima que as políticas monetárias podem impor à sociedade. A conclusão importante é que a nova norma "não contraria, essencialmente, a regra de atenuação descoberta por Brainard", que parece ter sido levada em conta na última decisão do Copom.



Antonio Delfim Netto é professor emérito da FEA-USP, ex-ministro da Fazenda, Agricultura e Planejamento.

segunda-feira, 26 de março de 2012

Sistema financeiro à sombra entra na mira do BC



Por Carolina Mandl e Aline Lima - Valor 26/03
De São Paulo

A partir deste ano, quando o Banco Central for avaliar o risco de crédito do sistema financeiro, pouco importará se um crédito está no balanço dos bancos ou em fundos de investimento. Em ambos os casos, a autoridade estará com a lupa a postos para analisar o risco de inadimplência dos tomadores de empréstimos e, consequentemente, a saúde das instituições financeiras.

A constatação da autoridade foi que os empréstimos vinham sendo tratados de forma menos rigorosa quando estavam fora dos livros dos bancos, o que embutia um potencial de trazer problemas para o sistema. Eram bilhões que estavam fugindo da central de risco do Banco Central.

É o que a autoridade chama de "sistema financeiro à sombra" - veículos e empresas com atividade semelhante à de um banco, a exemplo dos fundos de investimento e securitizadoras. "Essa é uma das maiores preocupações hoje do BC", disse Carlos Donizeti Macedo Maia, chefe do departamento de supervisão do BC, durante evento na semana passada. No Morada, a venda de créditos podres para uma empresa não-financeira controlada pelos mesmos donos do banco foi um dos fatores que levaram à liquidação.

O recado já foi dado pelo BC às instituições em 2011. A partir deste ano, a autoridade exige mensalmente um detalhamento das operações que estão fora do balanço, como nome do tomador do empréstimo, risco atribuído a ele, parcelas não pagas e taxas cobradas. De posse disso, o BC vai conseguir cruzar o risco entre os créditos acima de R$ 1 mil que estão dentro e fora de balanço, exigindo de bancos e fundos o mesmo tratamento em termos de provisão. É um trabalho feito a quatro mãos, unindo Banco Central e Comissão de Valores Mobiliários. A partir de 2013, o Banco Central também vai exigir que os bancos reservem capital para as atividades que envolvam crédito fora de balanço.

Alguns bancos carregam parcelas significativas dos créditos em fundos ou vendem empréstimos para companhias que não têm obrigação de prestar informações ao BC. O Cruzeiro do Sul, especializado em crédito consignado, por exemplo, carrega quase 100% da sua carteira em fundos de direitos creditórios. São cerca de R$ 8 bilhões.

Diante da fiscalização mais rigorosa do Banco Central já no ano passado, bancos como Cruzeiro do Sul, Votorantim e Bicbanco informaram nos balanço do fim de 2011 que tornaram as provisões para créditos cedidos mais rigorosas. O resultado foi um salto nas despesas para créditos duvidosos. No caso do Cruzeiro, essas provisões para fundos de direitos creditórios somaram R$ 136 milhões, sendo que no ano anterior o balanço não registrava nenhum gasto para esse tipo de operação. No caso do Bic, foram cerca de R$ 100 milhões.

O Valor apurou que era bastante comum os bancos atribuírem nota de risco de crédito diferente para as operações que estavam dentro e fora de seus balanços. Um cliente que era tido como mais arriscado dentro da instituição financeira podia receber uma classificação bem mais amena do fundo. A partir de agora, porém, essas informações serão cruzadas pelo Banco Central.

Outro recurso usado era postergar a constituição de reservas para calotes. Se uma parcela de uma operação de crédito vencesse dentro de um fundo, só se fazia a provisão daquela parcela vencida e não do que ainda estava por vencer. Dentro de um banco, isso enseja a necessidade de uma provisão sobre o valor total do empréstimo.

Além disso, em geral, as provisões em fundos de direitos creditórios só ocorriam no momento em que um calote era registrado. Em instituições financeiras, dependendo do risco do tomador do empréstimo, as reservas são adotadas mesmo quando a operação está sendo paga em dia.

Além de cruzar as informações dos créditos que estão dentro e fora do balanço, o Banco Central também mudou a partir deste ano a forma como os bancos registram o lucro com a venda de créditos. O resultado não poderá ser reconhecido no ato da venda se a instituição continuar carregando o risco das operações. Isso porque o banco continuará responsável por uma eventual inadimplência.

"A retenção do risco que antes não estava no balanço [dos bancos] é o grande mote dessa norma", disse Maia. "É fundamental trazer esses dados para dentro de um ambiente de maior controle e transparência", acrescentou.

Os bancos que costumam originar novos créditos a partir do ganho obtido com as cessões de carteiras - movimento conhecido no jargão de mercado como "pedalada" - terão o desafio de rever esse modelo de atuação.

O técnico do BC admite também a possibilidade de instituições pequenas e médias passarem po fusões e aquisições a partir da implementação das novas regras de contabilização das cessões de crédito. "É preciso ter resultado saudável para enfrentar os ajustes", diz.

Bill Gates está em busca de um milagre para a energia



Por Alan Murray
The Wall Street Journal

O que será preciso para produzir energia mais barata e, ao mesmo tempo, reduzir emissões de carbono? Bill Gates tem uma receita: vontade política, inovação e muita verba.
O empresário e filantropo discutiu o assunto com o The Wall Street Journal na conferência ECO:nomics, promovida pela publicação na Califórnia na semana passada. Eis alguns trechos editados da conversa:

WSJ: A Fundação Gates é focada em saúde, desenvolvimento, educação. Ela não é focada em energia. Por que o sr. está aqui?

Bill Gates: Se você quer melhorar a situação dos dois bilhões mais pobres do planeta, reduzir substancialmente o preço dos combustíveis seria a melhor coisa a fazer por eles. Isso, juntamente com a restrição ao carbono, é muito importante, em parte porque o aquecimento global torna a agricultura tropical praticamente impossível.

WSJ: O sr. já disse que não basta reduzir o crescimento das emissões de carbono: é preciso zerá-las. Por quê?

Gates: Nunca vamos chegar a zero. Mas se você quer que o aquecimento pare de subir todo ano, é preciso conseguir números extremamente baixos.

WSJ: Quanto tempo vai levar para que apenas 50% das nossas necessidades mundiais de energia, e não 80% como é hoje, sejam atendidas por combustíveis fósseis?

Gates: As pessoas subestimam a dificuldade de se fazer essas mudanças. Elas veem fontes de energia intermitentes, sem pensar em armazenamento e transmissão. Elas olham para coisas que são profundamente subsidiadas e esquecem que são profundamente subsidiadas. Elas olham só para o mundo rico, e não olham para onde todo o aumento de energia está acontecendo, em áreas de renda média e baixa.

Se financiarmos pesquisa básica num nível razoável, o que os Estados Unidos e outros países não fazem, vamos encorajar a experimentação, se fizermos a coisa certa, há uma chance de atingirmos metas bem agressivas num prazo de 75 anos.

WSJ: O sr. disse numa ocasião que há cinco milagres de que precisamos para isso acontecer.

Gates: Nós não precisamos de cinco. Precisamos de um dos cinco.

Vamos analisar a captura de carbono. Se o suprimento de gás natural continuar a crescer e a tecnologia de perfuração continuar melhorando, tudo que vamos precisar é iniciar a captura de carbono sobre esse negócio e estar disposto a pagar por isso. Você pode imaginar um futuro onde se usa muito gás natural e se consegue fazer captura extremamente boa, tipo 95%. Esse milagre, sozinho, já ajudaria bastante, porque o planeta tem muito carvão e muito gás natural.

O próximo milagre é energia nuclear. As usinas que existem hoje no mundo são basicamente de primeira ou segunda geração. Há poucas de terceira geração no planeta. Estou investindo num desenho de quarta geração.

WSJ: Dá para o sr. explicar como essa tecnologia funciona?

Gates: A parte do urânio que é físsil - quando você a atinge com um nêutron, ela se parte em duas - é de cerca de 0,7%. Os reatores que temos hoje estão queimando esses 0,7%. Havia um conceito pelo qual você faria um tipo diferente de reator que geraria um punhado de outro elemento chamado plutônio, e então você extrairia isso e depois o queimaria. Isso é chamado de regeneração num reator rápido. Mas o plutônio é material de armamento nuclear, ele é difícil e o processo para sua produção não só é ecologicamente complicado como também extremamente caro.

O conceito do reator TerraPower é que no mesmo reator, você tanto queima quanto regenera. Em vez de fazer plutônio e depois o extrair, pegamos o urânio - os 99,3% que geralmente não servem para nada -, convertemos e queimamos tudo. Os 99,3% são muito baratos e há um monte disso [no Estado americano de] Kentucky, isso é suficiente para abastecer os EUA por centenas e centenas de anos.

WSJ: Qual o cronograma para isso?

Gates: Em 2022, se tudo correr perfeitamente, nosso reator de demonstração estará pronto. E em 2028, presumindo que tudo continue a correr perfeitamente, vai ser um projeto que poderá ser reproduzido.

WSJ: Com que frequência as coisas correm perfeitamente?

Gates: Em energia nuclear? Se você ignorar 1979, 1986 e 2011, nós tivemos um bom século. Não, sério. Energia nuclear, em termos de histórico geral de segurança, é melhor do que qualquer outra forma de energia.

WSJ: Faltam três milagres...

Gates: Você pode ter um milagre que tenha a ver com o resto dessas fontes de energia, seja sol, vento ou biocombustíveis. A quantidade de terra envolvida, os lugares em que você pode fazer isso de maneira adequada e - no caso de vento e do sol - a intermitência cria um problema enorme. Todas requerem armazenagem e transmissão.

WSJ: Por armazenagem o sr. quer dizer baterias?

Gates: Não necessariamente. Há uma empresa de armazenagem com gravidade, com a qual estou envolvido.

WSJ: Isso é levantar e depois derrubar coisas ao pico de sua energia.

Gates: É basicamente cascalho em teleféricos. Se você tem um período de disponibilidade de energia, você pega o teleférico e despeja cascalho nele e leva [o cascalho] para o topo do morro. E então se você não tem energia, você rola [o cascalho] morro abaixo para gerar energia.

WSJ: O sr. põe probabilidades em cada um desses milagres?

Gates: É difícil. Acho que pelo bem da sociedade, precisamos financiar pesquisa básica de energia pelo menos duas vezes mais do que fazemos hoje. E para algumas dessas coisas, você tem de impor um sério imposto de carbono.

WSJ: Qual a possibilidade de isso acontecer nos próximos dois anos?

Gates: Depende do QI do público dos EUA.

WSJ: E sua atual avaliação dele?

Gates: Em qualquer momento que você olhar a política de perto, ela vai parecer bem feia. Ainda assim, os EUA têm conseguido fazer a coisa séria em várias questões. Eu acho que, com o tempo, esse consenso vai emergir.

WSJ: O gás natural é uma coisa boa ou ruim?

Gates: Se você esquecer a mudança climática, o que não se deve fazer, esse negócio do gás natural é fenomenal. É fantástico que possa haver muito mais do que as reservas comprovadas que temos hoje. Infelizmente, mesmo que o gás natural tenha menos emissões de CO2 por unidade de energia, há um pouco de vazamento, e qualquer vazamento é um ponto negativo drástico.

WSJ: O sr. preferiria um preço um pouco mais alto pelo combustível?

Gates: O ideal é um gás natural bem barato com um imposto de carbono.

Regulação bancária do crédito tributário



Por Jairo Saddi - Valor 26/03

A Basileia, fundada pelos romanos antes do século II, com o nome de Basilia (que vem do grego "reino" ou "domínio"), é a terceira maior cidade da Suíça, mas ficou mais conhecida pelo Acordo de Supervisão Bancária e pelo Banco de Compensações Internacionais do que por seus múltiplos encantos culturais. Com o advento da crise financeira de 2008-2009, surgiu a necessidade de um Novo Acordo da Basileia (já de número 2), que só agora vem recebendo maior atenção. Entre os temas importantes que estão em evidência, está a dedução dos créditos tributários sobre diferenças temporárias e, no que diz respeito ao Banco Central, o Edital de Audiência Pública nº 40/2012, contendo propostas de resolução que regulamentam a implementação no Brasil das novas recomendações.

O assunto central da proposta Basileia 3 de regulação é apurar o valor do Patrimônio de Referência (PR) para fins de verificação do cumprimento dos limites operacionais dos bancos. Para tal cálculo, considera-se uma provisão para eventuais ajustes temporais ou prejuízos que reduzem a base de cálculo do lucro da instituição, mas não o imposto recolhido, ainda que o crédito fiscal não seja dedutível no momento em que se constitui a provisão, mas apenas quando se concretiza de fato.

Isso gera um crédito que serve como "capital". Segundo alguns estudos divulgados pela imprensa, cerca de R$ 100 bilhões deixarão de fazer parte do capital dos dez maiores bancos brasileiros por causa da mudança de cálculo. Apenas para ter uma ideia, o peso do crédito nas instituições pátrias, conforme a Febraban, é de 34,2% do patrimônio líquido, enquanto, em média, nos Estados Unidos, é de 16,3%, na Ásia, 17,3% e na Europa, 16,6%. Segundo a proposta oficial, a implementação de Basileia 3 (e da adoção da metodologia dos cálculos no Brasil) seguirá o cronograma internacional acordado, com início em 1º de janeiro de 2013 e conclusão em 1º de janeiro de 2019.

Em vista disso, cabem algumas considerações. Primeiro, o crédito tributário só existe em razão de um "descasamento entre os critérios contábeis e fiscais". Para manter o conceito de crédito tributário será preciso mudar a cultura vigente até aqui, em especial, pensando em um regime de liquidez maior e mensuração mais objetiva. Se é um tipo atípico de "quase-moeda", já que advém de impostos pagos antecipadamente ou prejuízos fiscais e possíveis abatimentos do Imposto de Renda e da Contribuição Social sobre Lucro Líquido, ou mesmo pelo pagamento antecipado de tributos com direito à restituição, a noção corrente é que faz parte dos ativos dos bancos, já que se pressupõe que tais impostos possam ser recuperados.

No entanto, o sistema contém uma deformação intrínseca, uma vez que considera ativa uma expectativa de direito: nenhum banco tem imposto a pagar se não auferir lucro e somente esse lucro é que pode vir a ser compensado pelo crédito tributário. O crédito tributário dos bancos, mesmo que alguns pretendam tratá-lo como "ativo intangível" - por ter um valor relativo de mercado -, não pode ser considerado um ativo líquido; logo, prudente é a recomendação de que se obrigue sua dedução direta do patrimônio líquido, para fins de capital ajustado.

Em segundo lugar, o crédito tributário acaba por mascarar a qualidade do patrimônio das instituições. Essa opinião é compartilhada por analistas internacionais, já que, para alguns bancos, a representatividade sobre o patrimônio líquido realmente é elevada.

Portanto, relevante o debate sobre os impactos que virão. Hoje, o Brasil pauta sua supervisão bancária pelo conservadorismo (nosso padrão de Basileia é mais elevado do que a média internacional), mas a proposta é que haja uma sensível mudança de paradigmas, dando mais flexibilidade ao cálculo, passando dos atuais 11% dos ativos ponderados pelo risco para um intervalo de 10,5% a 13%, vinculado ao desempenho do ciclo econômico, num conceito de colchão amortecedor para os momentos de crise. Oxalá tais impactos revertam na oferta de crédito e nos custos de spread aos consumidores.



Jairo Saddi é pós-doutor pela Universidade de Oxford e doutor em Direito Econômico (USP). Professor de Direito do Insper (ex-Ibmec São Paulo).

sexta-feira, 23 de março de 2012

As rachaduras nos Brics



Por Brahma Chellaney - Valor 23/03

Ao preparar-se para realizar sua última reunião de cúpula anual em Nova Déli, quarta e quinta-feiras da próxima semana, o grupo dos países do Brics- Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul - continua sendo um conceito em busca de uma identidade comum e de uma cooperação institucionalizada. Isso dificilmente surpreenderia, tendo em vista que esses países têm sistemas políticos, economias e objetivos nacionais muito distintos, e estão localizados em diferentes regiões do mundo. Apesar disso, as cinco economias emergentes orgulham-se de constituir a primeira importante iniciativa mundial não ocidental.

A ausência de consenso entre os países do Brics levou os céticos a qualificarem o agrupamento de sigla sem qualquer substância. Para seus protagonistas, porém, trata-se do produto das atuais mudanças de poder no mundo e poderão evoluir de modo a constituir um importante instrumento na definição da arquitetura de governança mundial - parteira de uma nova ordem internacional.

Afinal de contas, as economias do Brics são, provavelmente, a mais importante fonte de crescimento mundial futuro. Elas representam mais de um quarto das massas terrestres no planeta, mais de 41% de sua população, quase 25% do Produto Interno Bruto (PIB) mundial e quase metade de todas as reservas em divisas e ouro. O Brics, na realidade, também pode ser chamado de R-5, derivado das moedas de seus membros (real, rublo, rupia, renminbi e rand).

Na cúpula de Nova Deli, os líderes do Brics discutirão a criação de instituições comuns, em particular, de um banco de desenvolvimento comum capaz de mobilizar a poupança desses países. Atualmente, os países do Brics constituem um bloco frouxamente articulado e informal. Se os líderes do grupo não fizerem progressos na criação de uma estrutura institucional, darão credibilidade à afirmação de que não passam de um fórum de discussões reunindo países tão diversos que seus interesses comuns, se é que existem, não podem ser traduzidos num plano de ação compartilhado.

Foi apenas no ano passado que o Brics (Brasil, Rússia, Índia e China) converteu-se no Brics, com a inclusão da África do Sul. O conceito do grupo, concebido em 2001 por Jim O'Neill, do Goldman Sachs, e abraçado pelos quatro países originais apenas em 2008, quando seus ministros de Relações Exteriores reuniram-se informalmente durante uma reunião trilateral envolvendo a Rússia, a Índia e a China. A inclusão do Brasil abriu caminho para a primeira cúpula do Bric, em 2009, que, curiosamente, pegou carona na reunião da Organização de Cooperação de Xangai, em Ecaterimburgo, na Rússia, naquele ano.

Essa associação ajudou a SCO - ainda em grande parte uma iniciativa sino-russa - a ganhar mais evidência, mas deixou os países do Bric com pouco espaço para começar a formular um plano de ação unificado. A subsequente inclusão da África do Sul transformou o Brics num agrupamento de cunho mais mundial, que ameaça tornar irrelevante ainda outra iniciativa: o Ibas (Índia, Brasil e África do Sul).

Para o Brasil, Rússia, Índia e África do Sul, o grupo Brics serve de fórum para enfatizar sua crescente influência econômica e exibir sua ascensão ao palco mundial. Mas para a China, que não necessita reconhecimento como potência mundial emergente, o Brics proporciona vantagens tangíveis - e não apenas simbólicas. Em consequência, a China projetou, efetivamente, uma longa sombra sobre o grupo, buscando abertamente, por exemplo, controlar o proposto banco de desenvolvimento comum - algo que a Índia e a Rússia, em particular, recusam-se a aceitar.

Num momento em que a China está sob pressão para manipular o valor do yuan para manter a competitividade de suas exportações, o Brics lhe oferece uma plataforma para expandir o papel internacional de sua moeda. Como parte de seu anseio em dispor de uma moeda internacionalmente aceita capaz de rivalizar com o dólar ou o euro, a endinheirada China planeja oferecer empréstimos em yuans aos outros membros do Brics.

Conceder empréstimos e praticar o comércio em yuans provavelmente ampliaria a reputação e a influência internacional da China. Mas sua moeda subvalorizada e subsídios ocultos às exportações vêm minando sistematicamente a indústria de transformação em outros países do Brics, especialmente a Índia e o Brasil.

Apesar disso, os defensores do conceito Brics continuam esperançosos em que o grupo possa servir como um catalisador para reforma institucional mundial. Os arranjos internacionais existentes permanecem praticamente estáveis desde meados do Século XX (apesar do surgimento de potências econômicas não ocidentais e de dificuldades não tradicionais), e por isso o mundo necessita mais do que os passos titubeantes e desconexos dados até agora. A formação do G-20, por exemplo, foi uma improvisação concebida para adiar uma genuína reforma financeira.

Na verdade, as modestas medidas implementadas em resposta às mudanças na distribuição de poder mundial limitaram-se à esfera econômica, e ao pilar fundamental das relações internacionais - paz e segurança - de competência exclusiva de pequeno número de países.

A agenda chinesa não é a mesma das dos outros países do Brics, quando se trata de reforma institucional mundial. Trata-se de uma potência revisionista no que diz respeito à arquitetura financeira mundial, empenhada numa revisão do sistema de Bretton Woods. Mas é uma defensora do status quo, no que diz respeito ao sistema das Nações Unidas, e opõe-se firmemente à ampliação do quadro de membros permanentes do Conselho de Segurança. A China quer continuar sendo o único país na Ásia com um assento permanente no CS - uma posição que a coloca em oposição à Índia.

Para que os países do Brics se consolidem como grupo de pressão nas relações internacionais, precisam acordar em torno do que acreditam ser objetivos políticos e econômicos capazes de serem atingidos. Por exemplo, eles mostram-se geralmente unidos em sua frustração com - mas não em sua reação ao - status do dólar como moeda de reserva mundial. Com efeito, a relação bilateral mais importante de cada país do Brics é com os EUA.

O conceito de Brics representa, acima de tudo, o desejo de seus membros de criar uma ordem mundial mais plural. Mas é incerto se os membros do grupo algum dia evoluirão de modo a formar um agrupamento coerente com objetivos definidos e mecanismos institucionais. Nos próximos dias, poderemos descobrir se o Brics será, algum dia, mais que uma sigla simpática associada a uma reunião anual inútil. (Tradução de Sergio Blum)



Brahma Chellaney é professor de Estudos Estratégicos no Centro de Pesquisa de Políticas em Nova Déli, é autor de "Asian Juggernaut and Water: Asia's New Battleground" (A avassaladora ascensão da Ásia e a água: o novo campo de batalha asiático).

Sustentabilidade do setor elétrico ameaçada



Por Nelson Fonseca Leite - Valor 23/03

Desde 2004, com o Novo Modelo do Setor Elétrico, as distribuidoras de energia passaram a ter uma atribuição extra, além de levar energia a 99,2% dos lares brasileiros. Trata-se da garantia do fornecimento futuro de energia, evitando-se assim situações emergenciais de racionamento, como o ocorrido em 2001 e que teve impactos negativos na economia brasileira.

Por meio de um mecanismo eficaz, as empresas de distribuição declaram anualmente as necessidades futuras de energia elétrica para atender a seus clientes, com base em suas projeções de mercado. O Ministério de Minas e Energia consolida essas necessidades e promove leilões para decidir os projetos de usinas que atenderão a demanda de energia do país. A escolha é realizada com base no preço do megawatt por hora (MWh) e os empreendedores que se propuserem a construir seus projetos e atender às necessidades de energia com a menor tarifa sagram-se vencedores.

São eles que assinam contratos com as distribuidoras, comprometendo-se a fornecer energia por períodos longos, de 15 a 30 anos. Em 2011, por exemplo, houve leilões com início de fornecimento de energia previsto a partir de janeiro de 2016, com prazos de até 30 anos. Os contratos são utilizados pelas distribuidoras para garantir, que no futuro, haja energia a ser entregue aos seus clientes, reduzindo o risco de um racionamento. As receitas futuras desses contratos são utilizadas pelos empreendedores para financiar suas obras com bancos e instituições financeiras, são as chamadas garantias.

Todo esse procedimento garante ao país a segurança energética para suportar o crescimento econômico e a demanda cada vez mais crescente por energia elétrica. Ganham os investidores pelas oportunidades de negócio e ganha o consumidor pela garantia de oferta de energia ao menor preço possível. Desde 2004, foram licitadas cerca de 60 mil MW de nova capacidade instalada, o que corresponde a pouco mais de quatro usinas hidrelétricas de Itaipu.
Para as distribuidoras, o mecanismo é, a princípio, neutro, pois os custos com a compra de energia são repassados à tarifa sem nenhuma margem. Resta, no entanto, um risco às empresas de distribuição. Se o consumo previsto com cinco anos de antecedência não se realizar haverá sobra de energia e, a partir de certo volume, o custo adicional será arcado somente da própria empresa de distribuição. Há mecanismos de correção desses desvios de projeção, que funcionaram bem até 2010, mas que estão limitados e insuficientes.

Existem no Brasil dois mercados de energia: os grandes consumidores, que podem escolher comprar diretamente dos geradores e comercializadores (Mercado Livre) e os consumidores pequenos atendidos obrigatoriamente pelas distribuidoras (Mercado Regulado). Quando um cliente convencional de grande porte (demanda contratada superior a 3 MW) exerce a opção de adquirir energia de outro fornecedor, ou seja, resolve tornar-se um cliente livre, a energia que a distribuidora adquiriu para atender este cliente passa a não ter um consumo associado, havendo uma sobra contratual de energia. Para diminuir este excesso, a distribuidora pode reduzir os volumes que contratou, mas não aqueles associados aos leilões de expansão, pois esta opção dificultaria a obtenção de financiamento pelos empreendedores. Neste caso, as reduções contratuais podem ser realizadas em contratos de energia existente, firmados com usinas que já estão em operação.

Ao longo dos últimos anos, muitas empresas de distribuição já reduziram a totalidade dos contratos de energia existente, de modo que quando um cliente migra para o Mercado Livre a sobra de energia da distribuidora transforma-se em um custo sem receita equivalente, provocando desequilíbrio econômico.

Situação mais crítica tem se configurado com a migração ao Mercado Livre de clientes menores, de até 500 kW, que adquirem energia de fontes incentivadas (pequenas usinas hidrelétricas, usinas a biomassa e eólicas), com subsídios dos demais clientes. Nesses casos, mesmo que haja contratos de energia existente, eles não podem ser reduzidos. O fato preocupante é que as sobras de energia associadas a estas migrações já representam, em algumas distribuidoras, até 10% de seus mercados consumidores.

O caráter emergencial da situação pode gerar sérios riscos ao setor. Com custos elevados de compra de energia e sem os respectivos clientes para realizar as receitas, as distribuidoras de energia podem começar a não ser capazes de honrar os contratos de energia firmados. A solidez financeira também é afetada pelo fato de que a parcela da tarifa de fornecimento associada à remuneração e custeio das distribuidoras vem se reduzindo nos últimos anos. O que está em jogo é a segurança energética nacional e a sustentabilidade do setor elétrico.

Observa-se um movimento amplo em prol da ampliação do Mercado Livre, aumentando os clientes que podem deixar de adquirir energia das distribuidoras e escolher seu fornecedor. A competição em si entre geradores de energia seria saudável, desde que se estabeleçam as condições para que a expansão da oferta de energia seja mantida para que os contratos já firmados possam ser honrados. A atual política de incentivos aplicada ao setor elétrico, via isenções ou reduções tarifárias merece atenção. O desconto tarifário obtido por alguns segmentos onera a tarifa dos demais usuários. Assim, a mensuração desses impactos deve ser contínua e a manutenção deste tipo de incentivo deve ser bem justificada.

As distribuidoras acreditam que a sustentabilidade do Modelo do Setor Elétrico, sabiamente implantado em 2004, só será atingida se houver o justo equilíbrio entre mercado regulado e mercado livre com mecanismos que permitam atribuir a responsabilidade pela garantia de expansão da geração também a este último. Com regras claras e contratos respeitados ganham todos, inclusive os consumidores residenciais.



Nelson Fonseca Leite é presidente da Associação Brasileira de Distribuidores de Energia (Abradee).

quinta-feira, 22 de março de 2012

A janela e o espelho

Carta Maior - Blog do Emir Sader 

A mais importante função da teoria nos nossos tempos é a de historicizar a realidade, isto é, a de demonstrar como toda realidade é produto da ação – consciente ou inconsciente – dos homens, revelar como foi produzida, quem a produziu, para desembocar em como pode – e deve – ser desarticulada e reconstruída conforme a ação consciente dos seres humanos.

O mecanismo mais alienante de todos hoje é o da naturalização do mundo: as coisas são como são, não podem ser diferentes, a pobreza, a miséria, as catástrofes sempre existiram e sempre existirão. Os próprios pobres não querem sair da sua pobreza. Os países pobres sempre foram e sempre serão pobres. A riqueza é produto do trabalho, do empenho, da seriedade de alguns países, enquanto o atraso é resultado de mentalidades retrogradas, de gente que não gosta de trabalhar, de preguiçosos.

Não por acaso, no auge do seu ufanismo, ideólogos do sistema capitalista proclamaram o “fim da história”. Houve história até o momento em que festejavam sua vitória. A partir dali se teria chegado ao suprassumo do desenvolvimento humano – economia capitalista de mercado e democracia liberal -, insuperável patamar da felicidade e da realização da civilização.

O capitalismo seria o ponto de chegada natural da história e a burguesia sua encarnação. A pós-modernidade é a teoria dessa visão. O abandono das grandes narrativas representa a renúncia à compreensão dos processos contemporâneos, que já não seriam nem possíveis, nem necessários. Faz parte de um ceticismo profundo, que marca esse pensamento e que contribui para o fatalismo.

A pós-modernidade se define contra a totalidade, contra a teleologia e contra o utopismo, sob o pretexto de lutar contra o totalitarismo e os reducionismos. Renuncia assim às grandes interpretações de compreensão global da realidade, mais ainda aos projetos de sua transformação. Contribuem para naturalizar a realidade.

Compreender o mundo é, sobretudo, historicizá-lo, entender como ele foi constituído da forma que o conhecemos e como a ação humana reproduz essa realidade. Para poder captar a forma pela qual é possível desmontar e reconstruir de outra forma essa realidade.

Dessa maneira podemos olhar a realidade não desde uma janela, como algo alheio a nós, mas como um espelho, reflexo da ação humana.





Carta Maior - Blog do Emir Sader - A janela e o espelho

Risco de um default da Espanha é crítico, alerta Citigroup



Por Bloomberg

NOVA YORK - A Espanha nunca esteve tão perto de um calote e a Grécia, Irlanda e Portugal podem precisar de um socorro financeiro adicional, disse nesta quarta-feira o economista-chefe do Citigroup, Willem Buiter.

“A Espanha é o país-chave que mais me preocupa”, disse Buiter em entrevista à Bloomberg. “Ela realmente se moveu para o lado errado do espctro e nunca correu um risco tão grande de reestruturação da dívida soberana quanto agora.”

As tensões dos últimos dois anos, causadas pela dívida nos mercados europeus, diminuíram com a Grécia evitando o calote desordenado, com a criação de uma nova gestão econômica europeia e com o Banco Central Europeu (BCE) injetando mais de um trilhão de euros no sistema bancário.

“O BCE afogou os mercados e os bancos em liquidez”, disse Buiter. “Há uma sensação geral de quase euforia no momento, que leva aqueles que foram afogados em liquidez a acreditar que todos os problemas acabaram”, acrescentou.

Nesta tarde, os bônus da Espanha caíram, puxando a taxa de rendimento dos títulos de 10 anos para o nível mais elevado em mais de um mês, a 5,388%. O spread dos bônus soberanos espanhois de 10 anos sobre os títulos alemães similares subiu 20 pontos-base para 3,4 pontos porcentuais.

ESPANHA EM FOCO

Na terça-feira, a Espanha vendeu 5,04 bilhões de euros em títulos com vencimento em 12 meses e 18 meses, a taxas de juros mais baixas em quase dois anos. Ainda assim, o déficit orçamentário do país, o quarto maior da zona do euro, irá, em 2012, ultrapassar a meta definida pela União Europeia pelo segundo ano seguido. A dívida pública global no ano passado atingiu o nível mais elevado em mais de duas décadas.

A economia do país, a quarta maior da zona do euro, deve entrar em sua segunda recessão desde 2009 no primeiro trimestre deste ano, como resultado da queda na demanda doméstica em reação às profundas medidas de austeridade e desaceleração das exportações em meio à contração econômica da região.

O crescimento das exportações da Espanha desacelerou em janeiro para 3,9% ao ano, de uma expansão de 6,6% ao ano em dezembro.

“A Espanha é um dos grandes perdedores do primeiro trimestre, substituindo a Itália” como o país mais problemático da zona do euro, disse o estretegista-chefe global de câmbio da Brown Brothers Harriman, Marc Chandler.

Em 12 de março, os ministros de Finanças da zona do euro concordaram com o argumento da Espanha, de que não alcançará a meta orçamentária pelo segundo ano seguido em 2012, e flexibilizaram essa meta de 4,4% para 5,3% do PIB. Em 2011, o governo espanhol registrou um déficit orçamentário de 8,5% do PIB, resultado que ficou bem acima da meta de 6%.

GRÉCIA, PORTUGAL E IRLANDA

O economista-chefe do Citibank afirmou que a Grécia pode precisar de um novo socorro financeiro antes do fim deste ano ou, no mais tardar, em 2013.

“A [dívida] soberana grega não está em um caminho sustentável, então eles terão de se reestruturar novamente”, disse Buiter. "Portugal e Irlanda também não estão fora de perigo", acrescentou.

O risco de uma reestruturação da dívida de Portugal é "bastante alta" e isso pode ocorrer no ano que vem, enquanto que a Irlanda precisa de "suporte oficial adicional", na avaliação do economista-chefe do Citigroup.

“Os esforços de recapitalização no caso dos bancos e a desalavancagem para os governos tendem a diminuir" quando eles não são mais confrontados com dificuldades extremas de financiamento, disse Buiter.