quinta-feira, 15 de março de 2012

Desigualdade democrática



Por Raghuram Rajan Valor 15/03

Por que o índice de poupança das famílias nos Estados Unidos despencou antes da Grande Recessão? Dois de meus colegas na University of Chicago, Marianne Bertrand e Adair Morse, propõem uma resposta intrigante: o crescimento na desigualdade de renda.

Bertrand e Morse detectaram que nos anos prévios à crise, em regiões (normalmente Estados) em que o consumo estava alto entre as famílias na faixa dos 20% mais ricos da distribuição de renda, o consumo também estava elevado nas faixas mais baixas. Depois de descartar várias explicações possíveis, eles concluíram que as famílias mais pobres imitavam o padrão de consumo das mais ricas em suas regiões.

De forma consistente com a ideia de que as famílias nas faixas de renda mais baixas estavam "acompanhando o ritmo dos Vanderbilt", os não ricos (mas não realmente pobres) morando nas proximidades de consumidores de alta renda e altos gastos inclinavam-se a gastar muito mais em itens que os ricos consumem normalmente, como joias, serviços domésticos, produtos de beleza e em esportes. Na verdade, muitos captaram empréstimos para financiar seus gastos, de forma que a proporção de famílias pobres com problemas financeiros ou declarando falência foi muito maior em áreas em que os ricos ganhavam (e gastavam) mais. Se não fosse por essa imitação dos padrões de consumo, as famílias não ricas teriam poupado anualmente, em média, mais de US$ 800 nos últimos anos.

Trata-se de um dos primeiros estudos detalhados sobre os efeitos adversos da desigualdade de renda que já vi. Vai além do debate sobre os "1%" - que costuma capturar as manchetes - e mostra que mesmo a desigualdade do dia a dia ante a qual a maioria dos americanos se depara - por exemplo, a desigualdade entre a renda dos leitores típicos deste artigo e o restante - possui profundos efeitos nocivos.

Igualmente interessante é a conexão que o estudo encontra entre a desigualdade de renda e a política econômica pré-crise. Parlamentares republicanos de distritos com maiores níveis de desigualdade de renda mostraram maior disposição em votar a favor de leis para expandir o crédito imobiliário aos pobres nos anos prévios à crise (quase todos os democratas votaram a favor dessas leis, o que torna difícil distinguir seus motivos). E o impacto dos gastos das famílias ricas nos gastos das não ricas foi maior em áreas em que os preços residenciais podiam oscilar mais, sugerindo que o crédito residencial e a capacidade de endividamento graças à alta no patrimônio residencial pode ter respaldado o consumo excessivo dos não ricos.

Fiquei mais fascinado, no entanto, pela diferença entre a reação dos parlamentares à desigualdade no passado e nos dias de hoje. Em estudo sobre as votações parlamentares da Lei McFadden de 1927, que buscou aumentar a concorrência na concessão de créditos, Rodney Ramcharan, do Federal Reserve (Fed, banco central dos Estados Unidos), e eu concluímos que os congressistas de distritos com alta desigualdade na distribuição de terras - a agricultura era a fonte principal de renda em muitos distritos na época - tendiam a votar contra a lei. A maior desigualdade levava os parlamentares, pelo menos nesse caso, a preferir menos concorrência e menos expansão nos empréstimos. E descobrimos que os condados com menos concorrência no setor bancário passaram por uma expansão agrícola mais moderada e, portanto, por uma queda menor nos anos antes da Grande Depressão.

A lição óbvia a ser extraída desses episódios é a importância das consequências imprevistas. No início do século XX, os proprietários ricos de terras tinham grande probabilidade de também ser donos dos bancos locais de seus distritos ou de ter parentesco ou amizade com os donos. Eles se beneficiavam da concorrência limitada e do controle ao acesso a financiamentos.

Os deputados votavam em nome dos interesses poderosos de seus distritos. Eles preferiam ter menos concorrência nos mercados de crédito, não por preocupação com agricultores imprudentes, mas para defender os lucros das poderosas instituições de crédito. Eles os defenderam, mas um efeito colateral imprevisto foi proteger esses distritos e evitar sua entrada na onda de frenesi financeiro.

Por que os congressistas do século XXI se comportaram de forma diferente? A opinião questionadora, cada vez mais popular, é que novamente eles estavam votando com o bolso - todas as leis financeiras aprovadas no período anterior à crise de 2008 teriam sido supostamente motivadas pelo apetite do setor financeiro por mais clientes para devorar seus créditos tentadores e hipotecas duvidosas.

Mas, se a votação fosse influenciada pelo setor financeiro, o suposto do partido dos plutocratas, o Republicano, deveria ter votado em peso a favor dessas leis. Em vez disso, ficaram divididos com base no grau de desejo de obtenção de financiamento por seus eleitores não ricos. No século XXI, os congressistas passaram uma impressão mais democrática, reagindo aos desejos de seus eleitores, mesmo que possivelmente imprudentes, em vez de ouvir primeiramente os interesses financeiros poderosos.

De fato, uma vez que as consequências imprevistas de suas ações - mais pressão financeira para os não ricos depois da crise - ficaram mais claras, Bertrand e Morse mostraram que os congressistas em distritos com mais desigualdade agiram contra o setor financeiro para proteger seus eleitores, votando a favor de limitar as taxas de juros cobradas pelas instituições de crédito de curto prazo (que emprestam para captadores de baixa renda muito endividados a juros altíssimos). Naturalmente, essa lei terá consequências imprevistas, que estudos futuros desvendarão, mas as intenções por trás dela não podem ser questionadas.

Não devemos pensar, a partir desses episódios, que expandir o acesso ao financiamento é algo negativo. Em geral, expandir o acesso é benéfico (apenas não antes de crises!), mas o financiamento é uma ferramenta poderosa que precisa ser usada de forma sensata. O acesso é bom; o excesso é ruim.

Mas há uma questão mais importante: embora existam muitas diferenças entre a intenção e as consequências de uma lei, no fim das contas os parlamentares parecem realmente importar-se mais com seus eleitores de menor renda do que no passado. A democracia está mais forte. Em tempos céticos como os atuais, isso é encorajador.

Raghuram Rajan, ex-economista-chefe do Fundo Monetário Internacional (FMI), é professor de Finanças na Booth School of Business, da University of Chicago, e autor de "Fault Lines: How Hidden Fractures Still Threaten the World Economy" (Linhas de falhas: como fraturas ocultas ainda ameaçam a economia mundial, em inglês).



Copyright: Project Syndicate, 2012.



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