segunda-feira, 5 de março de 2012

Chiclete do Banco Central

3 de março de 2012


Celso Ming

A política de juros do Banco Central mostra coerência interna. Mas o corpo de justificativas usadas para fundamentá-la é um chiclete que pega a forma de cada mastigada.

Na atual fase, o corte dos juros começou em agosto. Na ocasião, o presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, defendeu a derrubada dos juros como modo de melhor defender a economia brasileira para a catástrofe global que estaria próxima: seria o naufrágio de vários Titanics bancários, com todos os destroços que viriam com ele.
Logo se viu que esse pior dos mundos não se confirmaria: mal ou bem, os dirigentes dos países ricos ganharam tempo e blindaram o patrimônio dos bancos contra quebras em dominó. Mas a derrubada interna dos juros tinha de prosseguir.

A nova explicação veio da desaceleração do crescimento do PIB. Mesmo com desemprego recorde e expansão da massa salarial, os motores da indústria vinham batendo pino. Assim, passou a ser preciso, avisava o Banco Central, continuar a calibragem dos juros a essa quebra futura de poder aquisitivo do consumidor. Portanto, mesmo não se confirmando o quadro imaginado, o Banco Central estava correto, como quem atirasse no que viu, mas acertasse no que não viu.

Mas o governo Dilma parece contrariar esses prognósticos. Aposta num avanço do PIB para este ano entre 4,5% e 5,0% e não no devagar-quase-parando sugerido pelos documentos do Banco Central. Foi preciso, então, buscar nova justificativa para a derrubada dos juros. A ata da última reunião do Copom avisou que os juros neutros (ou seja, o nível dos juros que não provocam inflação) caíram substancialmente nos últimos anos, graças aos avanços de qualidade da economia. Não foi um argumento convincente e o próprio mercado passou a discordar abertamente do Banco Central.

Desse modo, o Copom está à procura de outras justificativas. As últimas manifestações de indignação da presidente Dilma Rousseff parecem ajudar o Banco Central nessa parada. Há um brutal tsunami de moeda estrangeira invadindo o mercado de câmbio do Brasil, adverte ela, não só por que melhorou a percepção global sobre a qualidade da economia, mas, também, porque as atuais condições favorecem a entrada de capitais destinados a especular com a diferença de juros.
Não é nada, o Banco Central Europeu acaba de despejar 1 trilhão de euros nos bancos em empréstimos de pai pra filho por três anos, a juros de apenas 1% ao ano. Para eles, a generosa acolhida do Brasil, que paga juros reais (descontada a inflação) de 4,0% a 4,5% ao ano, é sopa no mel.

Conclui-se pelo discurso presidencial que vivemos momento atípico, de forte canibalismo monetário. A melhor maneira de defender o Brasil desse jogo é manter implacavelmente a atual trajetória de derrubada dos juros. A hora é de dançar no salão a música que está sendo orquestrada pelos grandes bancos centrais – e injetar mais dinheiro na economia. O combate à inflação, se ela aparecer, fica para mais à frente.

Mas, afinal, estão certos ou errados o governo Dilma e o Banco Central, quando desenvolvem essa estratégia de política monetária? Podem até estar certos. Mas as explicações mudam a cada mastigada dos fatos.

Lições de uma guerra cambial


Por Sergio Leo - Valor 05/03

Ao criar obstáculos à entrada de moeda estrangeira no país, na semana passada, o governo apontou para um dos dois temores despertados em Brasília pelo que o ministro Guido Mantega definiu como "guerra cambial". Atacou-se o receio de que o país seja inundado por dinheiro especulativo, em busca de lucros com a diferença entre o baixo custo do capital no mundo e o alto rendimento pago aos investidores no Brasil. Há dúvidas se essa ação do governo será eficaz. E há ceticismo ainda maior em relação a maneira como se tem enfrentado o outro medo em Brasília, o de invasão de importações baratas, capazes de sufocar a indústria nacional.

Não se pode acusar o governo de não ter uma agenda clara e uma rota definida para lidar com os efeitos colaterais dessa guerra cambial, caracterizada por medidas monetárias nos principais mercados do mundo que, por diferentes caminhos, resultam na desvalorização das moedas desses países, tornando seus produtos e mercados mais competitivos.

A decisão de punir com maior imposto os empréstimos internacionais às exportações partiu da avaliação de que esses financiamentos encobriam a entrada de capital para especular no mercado interno, e antecipam um repertório ainda maior de medidas punitivas e de uma possível aceleração da queda de juros.

No caso da política comercial, há integrantes do governo que, em conversas reservadas, assumem que estão dispostos a levantar barreiras a importações mesmo que contrariem compromissos internacionais do país, como as regras da Organização Mundial do Comércio (OMC) - como foi o caso evidente do aumento do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), sobre automóveis importados. Admite-se quebrar as regras com o argumento de que seria ingenuidade respeitá-las quando outros governos as abandonam, e o Brasil, além disso, se defronta com competição desleal turbinada pela desvalorização excessiva dos preços de mercadorias em dólar, euros ou yuan.

As medidas protecionistas, arrumadas na prateleira da defesa comercial, na maioria dos casos, porém, são reação à demanda das empresas instaladas no país. Muitas delas são justificadas e necessárias, como as barreiras a importações com dumping, preço abaixo do normal, ou falsificações, ou ainda a mercadorias subsidiadas ilegalmente pelos seus países de origem. Um sinal de que há racionalidade e não mero protecionismo em muitas das ações nesse campo foi a decisão da Secretaria de Comércio Exterior (Secex), na semana passada, de mudar as regras de comprovação de norma de origem, para facilitar - e não dificultar - a entrada de mercadorias de países asiáticos que não concedem certificados aos exportadores locais antes do embarque.
Legais ou não, porém, as medidas protecionistas são armadura de pouca resistência. Seu efeito total sobre as importações brasileiras - e, portanto, sobre as contas externas do país - é limitado. Embora tenham garantido a sobrevivência de fabricantes em setores menores, como o de escovas ou de imãs de ferrite, as noventa medidas de defesa comercial dentro das regras da OMC em vigor não chegam perto de 5% dos US$ 255 bilhões de importações registrados no ano passado. E as medidas "criativas" de maior alcance, como o aumento do IPI de automóveis, só mostraram, até agora, como é perigoso improvisar nesse terreno.

O governo, que se prepara para anunciar o novo regime automotivo, com estímulos à instalação de fábricas e criação de pesquisa e desenvolvimento no país, argumenta que os anúncios bilionários de investimento por parte de montadoras estrangeiras, nos últimos meses, são sinal do sucesso do aumento do imposto, em 30 pontos percentuais, decidido no ano passado. Uma afirmação que só pode ser repetida pelos muito governistas ou muito crédulos.

A verdade é que praticamente todos os investimentos dos fabricantes de automóveis já estavam nos planos das empresas, alguns já tinham sido até anunciados. Se o aumento do IPI teve algum efeito foi o de criar incerteza entre esses investidores.

Fala-se no governo em eliminar o aumento do imposto para quem tiver planos de investir no país, mesmo que não cumpra de imediato as exigências de conteúdo nacional - que, aliás, até agora não ganharam definição clara. Na prática, isso significa recuar da decisão sobre o IPI até para montadoras chinesas, que, afinal, também estão vindo fabricar no Brasil. Um outro reconhecimento oficial da inutilidade do aumento do IPI foi o anúncio, pelo Planalto, da possível ruptura do acordo com o México, com o qual o Brasil tem livre comércio de produtos automobilísticos.

Mesmo antes do aumento, a balança comercial já mostrava uma escalada nas importações de automóveis do México que por causa do acordo automotivo, foram isentos do aumento de IPI. E, coerente com seu anúncio de preocupação com o forte influxo de importações, o governo decidiu forçar uma redução nas vendas mexicanas ao país, desta vez para surpresa das montadoras que têm no México um pilar de suas estratégia de produção.

Assim como não quer que o vigor da economia brasileira atraia capitais especulativos tornando o país mais vulnerável aos humores internacionais, a presidente Dilma Rousseff crê que seu projeto de estimular empregos e produção no país a partir das medidas de fortalecimento do mercado interno pode ser sabotado pelo crescimento de importações. É o que explica a pulsão protecionista em Brasília. Mas já há indicações suficientes para mostrar que as importações não são uma doença. São apenas sintoma de uma moléstia de muitas causas, chamada perda de competitividade da economia brasileira.



Nenhum comentário:

Postar um comentário