quinta-feira, 22 de março de 2012

A Europa aprisionada



Por Simon Johnson e Daron Acemoglu - Valor 22/03

A elite política europeia - as pessoas que dão as cartas em nível nacional e na zona euro - estão em sérios apuros. Ela administrou mal a economia, enveredando por profunda crise e traindo todas as promessas grandiosas de unidade e prosperidade enunciadas quando o euro foi criado. A união monetária poderá sobreviver, mas para milhões de pessoas, o euro já descumpriu sua missão de sustentar o crescimento e assegurar a estabilidade. Como foi que isso aconteceu?

As economias grega, portuguesa, irlandesa e italiana estão sofrendo com a austeridade fiscal - com cortes orçamentários e impostos mais altos por tempo indeterminado. Esse mix de políticas retardará seu crescimento e o do restante da Europa.

Mas isso é apenas parte do problema. A dificuldade maior é o "excesso de endividamento" que tem obrigado os governos europeus a tomarem esse curso. Há fortes paralelos com o que aconteceu nos EUA nos últimos anos: muitas famílias sentiram-se esmagadas por suas dívidas, e por isso o consumo das famílias caiu e ainda não se recuperou. O ajuste será ainda mais doloroso na Europa, porque uma crise de dívida soberana tem um efeito depressivo sobre todos - sobre consumidores, investidores e sobre o setor público.

Há uma maneira simples de lidar com um excesso de endividamento: reduzir os pagamentos mediante uma reestruturação da dívida. Muitas empresas têm condições de renegociar os termos de financiamento com seus credores - geralmente alongando a duração de suas obrigações, o que lhes permite tomar novos empréstimos para financiar novos e melhores projetos. Se tais negociações não puderem ser obtidas de forma voluntária, as empresas americanas podem recorrer a concordatas, caso em que um juiz supervisiona e aprova a reorganização das responsabilidades. Assim, seria de esperar que o mesmo valeria tanto para as famílias americanas como para os governos europeus em apuros. Mas a reestruturação da dívida foi pequena demais e veio tarde demais. Por quê?

Nos dois casos, o principal argumento para não eliminar o excesso de endividamento veio dos bancos, que alegavam que isso criaria um caos nos mercados financeiros por duas razões. Primeiro, os bancos eram os principais credores e os prejuízos que eles teriam de sofrer numa reestruturação provavelmente deflagrariam um efeito dominó, em que ondas de pessimismo provocariam altas dos juros e arruinariam as perspectivas dos outros devedores. Em segundo lugar, os bancos também sofreriam porque tinha vendido seguro contra inadimplência - na forma de swaps de risco de crédito (CDS, sigla em inglês). Quando esses swaps fossem executados, os bancos incorreriam em prejuízos possivelmente maiores.

No caso da Grécia, os bancos internacionais argumentaram demorada e vigorosamente que a reestruturação da dívida geraria um contágio muito abrangente e profundo na zona do euro - e talvez além das fronteiras da zona do euro. E, apesar disso, no fim das contas, a Grécia teve escassa alternativa a reestruturar sua dívida, reduzindo o valor dos créditos do setor privado em cerca de 75% em relação a seu valor de face (embora isso provavelmente não seja suficiente para tornar sustentável a carga de endividamento do país). Isso foi considerado um "evento de crédito" (calote), e, portanto, os swaps de risco de crédito foram exercidos: quem tivesse vendido seguro contra inadimplência teria de pagar.

Tudo virou um pandemônio? Não. Os bancos não faliram e não há nenhum sinal de dominós capotando. Mas isso não se deve ao fato de os bancos terem se preparado, captando mais capital. Pelo contrário, em comparação com seus prováveis prejuízos futuros, os bancos europeus levantaram relativamente pouco capital recentemente, e muito disso não passou de contabilidade criativa, ao invés de captação efetiva de maiores aportes de capital dos acionistas.

Talvez o risco de que uma reestruturação da dívida grega pudesse produzir um colapso financeiro sempre tenha sido mínimo - e era de esperar calma nos mercados. Mas, nesse caso, por que toda essa balbúrdia?

Nesta altura dos acontecimentos, a resposta deve estar clara: as políticas dos grupos de interesse e a visão de mundo das elites responsáveis pelas políticas econômicas. Ainda que o risco para o sistema financeiro fosse mínimo, o impacto sobre os bancos e os detentores de títulos era substancial. Eles poderiam perder bilhões e muitos funcionários do setor financeiro poderiam perder seus empregos. Não surpreende que os principais banqueiros pressionassem contra a reestruturação da dívida, tanto nos bastidores como publicamente.

Por exemplo, o International Institute of Finance (IIF), um importante grupo lobista em Washington, e representante dos interesses dos grandes bancos, não para de insistir: salvem-nos ou sofram as consequências. Mas, tão importante quanto a narrativa desses lobistas é seu poder político, que cresceu muito nos últimos anos - a tal ponto que todos as principais autoridades econômicas nos EUA e na Europa preocupam-se com a sorte dos bancos, mesmo quando não há implicações mais amplas para a economia.

Mesmo agora, muitos dos prejuízos que os bancos deveriam ter absorvido estão sendo descarregados sobre o setor público, inclusive por meio de diversas formas de apoio direto e de iniciativas extraordinárias e arriscadas assumidas pelo Banco Central Europeu. A extensão dos subsídios nesse setor é estonteante e, no cenário das políticas atuais, só tenderão a crescer ao longo do tempo - dando, assim, sustentação ao estilo de vida do 1% de pessoas nos países muito ricos.

O calote grego acabou por ser o proverbial cão que não latiu. A lição para a Europa - e para os EUA - é clara: é hora de parar de ouvir o que dizem os bancos e começar a se prestar a atenção no que eles fazem. Devemos reavaliar a política econômica distorcida do setor financeiro antes que o poder excessivo de poucos imponham custos ainda maiores para todos os demais. (Tradução de Sergio Blum). Copyright: Project Syndicate, 2012. http://www.project-syndicate.org/.

Simon Johnson é professor da Faculdade Sloan de Administração no MIT e membro sênior do Instituto Peterson de Economia Internacional, é coautor de "White House Burning: The Founding Fathers, Our National Debt, and Why it Matters to You" (Casa Branca em chamas: os pais fundadores [dos EUA], nossa dívida nacional e porque isso é relevante para você).



Daron Acemoglu é professor de economia no MIT e coautor de "Why Nations Fail: The Origins of Power, Prosperity and Poverty", (por que os países fracassam: as origens do poder, da prosperidade e da pobreza


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