segunda-feira, 26 de março de 2012

Regulação bancária do crédito tributário



Por Jairo Saddi - Valor 26/03

A Basileia, fundada pelos romanos antes do século II, com o nome de Basilia (que vem do grego "reino" ou "domínio"), é a terceira maior cidade da Suíça, mas ficou mais conhecida pelo Acordo de Supervisão Bancária e pelo Banco de Compensações Internacionais do que por seus múltiplos encantos culturais. Com o advento da crise financeira de 2008-2009, surgiu a necessidade de um Novo Acordo da Basileia (já de número 2), que só agora vem recebendo maior atenção. Entre os temas importantes que estão em evidência, está a dedução dos créditos tributários sobre diferenças temporárias e, no que diz respeito ao Banco Central, o Edital de Audiência Pública nº 40/2012, contendo propostas de resolução que regulamentam a implementação no Brasil das novas recomendações.

O assunto central da proposta Basileia 3 de regulação é apurar o valor do Patrimônio de Referência (PR) para fins de verificação do cumprimento dos limites operacionais dos bancos. Para tal cálculo, considera-se uma provisão para eventuais ajustes temporais ou prejuízos que reduzem a base de cálculo do lucro da instituição, mas não o imposto recolhido, ainda que o crédito fiscal não seja dedutível no momento em que se constitui a provisão, mas apenas quando se concretiza de fato.

Isso gera um crédito que serve como "capital". Segundo alguns estudos divulgados pela imprensa, cerca de R$ 100 bilhões deixarão de fazer parte do capital dos dez maiores bancos brasileiros por causa da mudança de cálculo. Apenas para ter uma ideia, o peso do crédito nas instituições pátrias, conforme a Febraban, é de 34,2% do patrimônio líquido, enquanto, em média, nos Estados Unidos, é de 16,3%, na Ásia, 17,3% e na Europa, 16,6%. Segundo a proposta oficial, a implementação de Basileia 3 (e da adoção da metodologia dos cálculos no Brasil) seguirá o cronograma internacional acordado, com início em 1º de janeiro de 2013 e conclusão em 1º de janeiro de 2019.

Em vista disso, cabem algumas considerações. Primeiro, o crédito tributário só existe em razão de um "descasamento entre os critérios contábeis e fiscais". Para manter o conceito de crédito tributário será preciso mudar a cultura vigente até aqui, em especial, pensando em um regime de liquidez maior e mensuração mais objetiva. Se é um tipo atípico de "quase-moeda", já que advém de impostos pagos antecipadamente ou prejuízos fiscais e possíveis abatimentos do Imposto de Renda e da Contribuição Social sobre Lucro Líquido, ou mesmo pelo pagamento antecipado de tributos com direito à restituição, a noção corrente é que faz parte dos ativos dos bancos, já que se pressupõe que tais impostos possam ser recuperados.

No entanto, o sistema contém uma deformação intrínseca, uma vez que considera ativa uma expectativa de direito: nenhum banco tem imposto a pagar se não auferir lucro e somente esse lucro é que pode vir a ser compensado pelo crédito tributário. O crédito tributário dos bancos, mesmo que alguns pretendam tratá-lo como "ativo intangível" - por ter um valor relativo de mercado -, não pode ser considerado um ativo líquido; logo, prudente é a recomendação de que se obrigue sua dedução direta do patrimônio líquido, para fins de capital ajustado.

Em segundo lugar, o crédito tributário acaba por mascarar a qualidade do patrimônio das instituições. Essa opinião é compartilhada por analistas internacionais, já que, para alguns bancos, a representatividade sobre o patrimônio líquido realmente é elevada.

Portanto, relevante o debate sobre os impactos que virão. Hoje, o Brasil pauta sua supervisão bancária pelo conservadorismo (nosso padrão de Basileia é mais elevado do que a média internacional), mas a proposta é que haja uma sensível mudança de paradigmas, dando mais flexibilidade ao cálculo, passando dos atuais 11% dos ativos ponderados pelo risco para um intervalo de 10,5% a 13%, vinculado ao desempenho do ciclo econômico, num conceito de colchão amortecedor para os momentos de crise. Oxalá tais impactos revertam na oferta de crédito e nos custos de spread aos consumidores.



Jairo Saddi é pós-doutor pela Universidade de Oxford e doutor em Direito Econômico (USP). Professor de Direito do Insper (ex-Ibmec São Paulo).

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