quarta-feira, 28 de setembro de 2011

Medo e rejeição na zona do euro


Por Martin Wolf - Valor 28/09

A reunião anual do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional (FMI) no fim de semana foi um encontro de pessoas assustadas e zangadas. A crise financeira que se abateu sobre o mundo em agosto de 2007 entrou em nova e, sob aspectos cruciais, mais perigosa fase. Está surgindo uma retroalimentação positiva entre bancos e países debilitados, com um efeito potencialmente catastrófico sobre a zona do euro e a economia mundial - a zona do euro não é uma ilha. O que torna esse processo particularmente assustador é que as nações mais fracas são incapazes de enfrentar sozinhas as dificuldades, ao passo que a zona do euro não tem ninguém no comando e pode não dispor da capacidade para enfrentar a crise.

O perigo subjacente está no mais recente relatório de estabilidade financeira do FMI. O documento é convincente e corajoso. E qual é a mensagem? São duas frases: "Quase metade do estoque de € 6,5 trilhões em dívida pública dos governos da área do euro mostra sinais de intensificado risco de crédito"...... "como resultado, os bancos que têm montantes substanciais de dívida soberana de maior risco e volatilidade estão sofrendo pressão nos mercados".

Em seu livro "This Time is Different" (Desta vez é diferente), Kenneth Rogoff, de Harvard, e Carmen Reinhart, do Instituto Peterson de Economia Internacional, explicaram que grandes crises financeiras frequentemente produziram crises de dívida soberana. Esse é o estágio a que o mundo agora chegou, não mais em pequenos países periféricos na zona do euro, mas na Espanha e Itália. O surgimento de dúvidas sobre a capacidade das nações de administrar seu endividamento compromete a percepção de solidez dos bancos, tanto diretamente, pois os bancos detêm grande parte da dívida dos países como indiretamente, devido ao valor cada vez menor da cobertura de seguros sobre os títulos soberanos.

O mundo entrou em nova e perigosa fase. Está surgindo uma retroalimentação positiva entre bancos e países debilitados, com efeito potencialmente catastrófico sobre os países da União Europeia e a economia mundial

O relatório do FMI explica os processos: "Contágios de países emissores de títulos com spread elevado na área do euro afetaram os sistemas bancários locais, mas também se alastararm para instituições em outros países. Além dessas exposições diretas, os bancos assumiram risco soberano indiretamente, emprestando a bancos que detêm títulos soberanos de crédito incerto. Os bancos também estão afetados por riscos soberanos no lado dos passivos em seus balanços patrimoniais, pois as garantias implícitas dos governos foram corroídas, o valor dos títulos públicos usados como garantia caiu, as chamadas de margem aumentaram e rebaixamentos das classificações de crédito dos bancos vieram na esteira de rebaixamentos na pontuação de crédito dos títulos soberanos". À medida que recursos financeiros ficam sob pressão, o crédito encolhe e o setor privado torna-se mais cauteloso, debilitando as economias e e minando a solvência tanto fiscal como financeira.

Na pior das hipóteses, o mundo está à beira de uma grande crise. Por essa razão, autoridades como Tim Geithner, secretário do Tesouro dos EUA, e Christine Lagarde, diretora do FMI, exerceram feroz pressão para que as autoridades da zona do euro ponham-se em ação: os dias de "muito pouco, quase tarde demais", terminaram; não agir prontamente será, simplesmente, tarde demais, argumentam eles.

Então, o que estão exigindo os forasteiros? A resposta é dupla: uma recapitalização das instituições bancárias debilitadas em escala crível e liquidez suficiente para evitar que o pânico deságue em colapso de bancos e de nações vulneráveis. Estão circulando diferentes estimativas sobre os montantes necessários. Os americanos, cientes de sua experiência em 2008 e 2009, recomendam "choque e assombro". Dadas as necessidades de financiamento de bancos e soberanos, isso se traduz em bem mais que €1 trilhão e, muito plausivelmente, vários múltiplos desse número. É o suficiente para deixar atordoado um alemão cauteloso.

Como poderia isso ser feito? Meu colega Peter Spiegel ofereceu um excelente roteiro introdutório em "Europe thinks the unthinkable" (A Europa pensa o impensável). Primeiro, no decorrer de outubro, a zona do euro deveria ter ratificado o modificado Fundo Europeu de Estabilidade Financeira (EFSF, em inglês), no montante de € 440 bilhões. O Fundo seria, então, capaz de injetar capital nos bancos e comprar, no mercado aberto, títulos de governos em dificuldades. Mas esse fundo é muito pequeno. Aparentemente, cinco diferentes planos estão em discussão. Eles envolvem alavancar o dinheiro do EFSF, mediante a emissão de garantias, em vez de empréstimos, ou tomando empréstimos do Banco Central Europeu (BCE) ou nos mercados. A ação precisa ser imediata e a única entidade capaz de fornecer os fundos necessários é o banco central.

Isso funcionaria? Minha resposta a essa pergunta tem sete partes. Primeiro, se for obtido um acordo em torno de ação na escala necessária, isso deverá deter o pânico. Em segundo lugar, poderá ser impossível obter tal consentimento, especialmente se o recursos dependerem fortemente do BCE, pelo menos no curto prazo. Mario Draghi, o próximo presidente do BCE, iria ver-se na desagradável posição de ser obrigado a salvar seu próprio país em meio a queixas da opinião pública alemã contra uma perversão moral de seu banco central.

Em terceiro lugar, depois que os bancos e nações passarem a depender fortemente de financiamento oficial, poderão ver-se em grande dificuldade para retornar ao mercado. Quarto, essas ações não podem resolver a dificuldade mais profunda: os países atualmente não competitivos necessitarão um fluxo considerável de fundos externos por um tempo muito longo, e pouco desse fluxo provavelmente virá do agora temeroso setor privado.

Em quinto lugar, é provável que após tal socorro, os imprudentes simplesmente voltem a praticar seus maus velhos hábitos, tornando necessários socorros renovados. Sexto, será possível fazer cessar transferências internas somente se houver ajustes no interior da zona euro, inclusive nos países superavitários - mas há escassos sinais disso. Assim, a zona do euro corre o risco de transformar-se em uma união de transferência ilegítima. Finalmente, há o perigo de que um programa ambicioso degrade a posição dos países mais saudáveis, embora um colapso possa causar quase igual dano às suas pontuações de crédito.

A zona do euro ainda não decidiu o que será quando crescer. Mas, primeiro, precisa chegar a esse estágio. Os custos de um derretimento seriam graves demais para ser contemplados. Os membros simplesmente tem de impedir isso. Eles não têm outra alternativa sã. (Tradução Sergio Blum)

Martin Wolf é editor e principal comentarista econômico do FT.

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