terça-feira, 27 de setembro de 2011

Estímulo econômico infla a tensão social na China


Por Tom Orlik | The Wall Street Journal, de Pequim

O programa gigantesco de estímulo econômico da China tem conseguido manter um crescimento de quase dois dígitos, mas também tem causado inflação, endividamento e alimentado outra evolução: a da turbulência social.

A China lidou com 180 mil protestos, tumultos e outros incidentes com multidões em 2010 - mais de quatro vezes o total de uma década antes. Esse número, divulgado por Sun Liping, professor da Universidade Tsinghua, e não por fontes oficiais, não revela o quadro completo da tensão social naquela que é agora a segunda maior economia do mundo.

Mas o que está claro é que o nível de tensão e o número de protestos contra o governo está aumentando. Esse assunto é delicado, já que o Partido Comunista chinês, que governa o país, planeja celebrar em 1º de outubro os 62 anos da fundação da República Popular da China.

Tão preocupante para o Partido Comunista quanto o aumento no número de protestos é o fato de que muitos deles são motivados por injustiças econômicas diárias. A insatisfação social não se limita às áreas de minorias étnicas, como Tibete e Xinjiang. A maioria dos protestos é contra construtoras, que praticam grilagem de terras, e contra abusos de poder de autoridades locais, ou ainda contra construtoras que não pagam salários.

Centenas de pessoas participaram de um protesto na semana passada em Lufeng, cidade da Província de Cantão, motivado por acusações de que terras de moradores locais foram confiscadas para empreendimentos imobiliários. Trabalhadores migrantes em Zengcheng, também em Cantão, incendiaram em junho prédios do governo, depois que policiais empurraram para o chão uma grávida que trabalhava como camelô.

A alta de preços pode não ser a principal causa dos protestos, mas continua sendo uma importante fonte de insatisfação. A inflação foi o maior problema apontado pelos chineses em 2010, segundo uma pesquisa anual de atitudes sociais publicada pela Academia Chinesa de Ciências Sociais; em 2009, era só o quinto de preocupação.

Existe uma razão para a inflação se tornar mais preocupante. Um estímulo monetário amplo em 2009 e 2010 - em que os bancos concederam 17,5 trilhões de yuans (US$ 2,7 trilhões) em novos empréstimos - se traduziu em inflação maior, que se refletiu principalmente no preço dos alimentos. Os problemas pioraram em 2011. Os dados mais recentes mostram que o preço da alimentação subiu 13,4% em agosto, em comparação a um ano antes. Os preços da carne suína, a favorita na China, subiram 52,3% e bateram recorde. A população urbana de baixa renda, que gasta a maior parte do salário com alimentação, é a mais prejudicada pela alta no preço da comida.

O aumento veloz no custo de vida pode afetar a estabilidade social, como ficou claro nos protestos de 1989, que terminaram reprimidos de maneira sangrenta na Praça da Paz Celestial, em Pequim. O desejo de reformas políticas motivou esses protestos, mas a raiva com a alta no preço dos alimentos também foi um fator. Cartazes políticos espalhados pela capital criticavam as refeições suntuosas da elite governamental da China num momento em que os trabalhadores lutavam para sobreviver.

Mais de duas décadas depois, muita coisa mudou. A corrida às lojas em 1989, motivada pela transição do tabelamento governamental para a economia de mercado, foi um dos fatores que impulsionou o custo dos gêneros básicos. O governo não precisa se preocupar com isso desta vez.

Mas algumas coisas continuam as mesmas. "Você não encontra mais tumultos causados pelos alimentos, mas analise a fundo qualquer distúrbio social e descobrirá que a insatisfação com a inflação é um dos fatores", disse Murray Scott Tanner, analista de segurança da consultoria CNA e especialista em China. Os dados respaldam essa análise. Na última década, a alta nos casos de "distúrbio da ordem pública" acompanhou a alta no preço dos alimentos e subiu sensivelmente quando os preços começaram a subir, em 2004 e 2007.

Se a inflação é o barril de pólvora, a fagulha que incendeia os problemas sociais provavelmente virá do confisco de terras. Um boom imobiliário que já dura uma década tornou a terra uma commodity valiosa. As frágeis garantias judiciais ao direito à propriedade privada e as alianças entre incorporadoras e governos locais significam que as terras muitas vezes são confiscadas sem indenização adequada aos moradores.

Veja o exemplo do condado de Xianghe, em Hebei, uma província que faz divisa com Pequim. A imprensa local informou que as autoridades confiscaram de maneira fraudulenta desde 2008 centenas de hectares de produtores rurais, que foram vendidos a incorporadoras para a construção de casas de luxo.

Li, que informou só o último nome por medo de represália, disse que seus pais foram expulsos da casa deles em Xianghe com indenização de apenas 3.000 yuans por metro quadrado, quando o valor de mercado é de mais de 6.000 yuans. Transações como essas aumentam o faturamento dos governos locais em centenas de milhões de yuans, mas à custa das terras e do meio de sustento dos produtores rurais. Autoridades de Xianghe encaminharam as perguntas sobre esse tema para o escritório de relações públicas, onde os telefonemas não foram atendidos.

O caso de Xianghe não é um incidente isolado. Yu Jianrong, especialista em problemas sociais da Academia Chinesa de Ciências Sociais, escreveu em 2010 que disputas relacionadas a terras estavam por trás de 65% dos distúrbios sociais no interior da China.

Esse número pode aumentar. Os governos locais da China passaram os últimos três anos se endividando - 10,7 trilhões de yuans segundo estimativa de junho do Escritório Nacional de Auditoria. As dúvidas sobre a capacidade dos governos locais de pagar essa dívida têm aumentado. A imprensa local divulgou este mês que 85% das cidades devedoras em Liaoning, uma província no nordeste da China, não tinham receita suficiente para pagar os juros das dívidas.

Por que os bancos fizeram tantos empréstimos para projetos em que a expectativa de receber de volta era tão pequena? A resposta são as terras. Segundo o Escritório Nacional de Auditoria, 2,5 trilhões de yuans em empréstimos para governos locais - 23% do total - dependem das vendas de terrenos para pagar as dívidas. Alguns analistas dizem que o porcentual é muito maior.

Os governos locais da China faturaram 2,9 trilhões de yuans com a venda de terras em 2010. Pagar todas as dívidas significará vender quase a mesma quantidade de terras novamente. Se as prefeituras quiserem continuar financiando hospitais, escolas e outros serviços, a consequência é uma alta gigantesca na venda de terras. E o pior é que, à medida que os governos locais encherem o mercado de terrenos para poder pagar suas dívidas, o excesso de oferta pode derrubar os preços, o que elevaria mais a área que teria de ser vendida.

Nem todos os produtores rurais prestes a serem expulsos de suas terras ou moradores prestes a serem expulsos de suas casas vão deixar barato. Como o confisco de terras já é a principal causa da instabilidade social e a inflação está aumentando ainda mais o problema, o governo da China pode não conseguir quitar todas as suas dívida sem quebrar o contrato social do país. (Colaborou Yang Jie, de Xangai)

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