sexta-feira, 9 de setembro de 2011

Analistas veem real mais fraco


Por Fernando Travaglini | De São Paulo Valor 09/09

O real completou ontem o sexto dia consecutivo de queda em relação ao dólar. A moeda americana fechou a quinta-feira cotada a R$ 1,661, alta de 0,18%, praticamente zerando as perdas acumuladas no ano. O movimento dos últimos dias pode não ter sido apenas um reflexo da volatilidade causada pela crise internacional. Começam a surgir análises indicando que o real perdeu a tendência de alta que apresentava nos últimos meses e poderia continuar a se desvalorizar nos próximos meses.

Segundo economistas consultados pelo Valor, no curto prazo o real deve continuar perdendo valor frente ao dólar, podendo chegar a uma cotação entre R$ 1,70 e R$ 1,75 até outubro.

"A dinâmica do mercado mudou", diz Tony Volpon, estrategista da Nomura Securities. Até o mês passado, diz ele, o real respondia mais fortemente às oscilações dos preços das commodities. "Se a China está indo bem, o real vai bem", costumava dizer. Mas dois novos elementos, segundo ele, mudaram recentemente a percepção dos investidores.

O primeiro foi a taxação das variações nas posições no mercado de derivativos, que sinalizou ao mercado que o governo estava mesmo disposto a intervir de maneira relevante no câmbio. O segundo, diz ele, foi a queda "brusca e inesperada da Selic", que reduziu a atratividade das operações de carry trade.

"Os investidores japoneses que temos no Nomura gostam dos fundamentos da economia brasileira, mas o importante para eles é a taxa de remuneração que eles têm quando estão aplicados na moeda", disse. "Esses investidores eventualmente saíram ou sairão dessas posições", completou.

O novo cenário para o câmbio está refletido na posição dos estrangeiros que operam no mercado de dólar futuro da BM&FBovespa, como mostrou a coluna "Por Dentro do Mercado", no Valor de ontem. Investidores internacionais, que estavam fortemente vendidos ao longo de todo o ano, apostando na apreciação do real, passaram para o outro lado da mesa no começo da semana, ficando agora levemente comprados em dólar futuro - posição equivalente a pouco menos de US$ 500 milhões, segundo dado da bolsa do dia 6 deste mês, último disponível.

A exposição global dos aplicadores estrangeiros, que leva em conta os contratos de cupom cambial (juro em dólar no Brasil) ainda é vendida em cerca de US$ 14 bilhões, mas a direção, que é o importante, diz Maurício Molan, economista do Santander, mudou.

Molan credita a recente desvalorização do real aos movimentos do dólar no mercado internacional. A moeda americana ganhou valor na comparação com quase todas as moedas, subindo quase 5% em relação ao euro, desde o dia 29. Nesse mesmo período, o dólar passou de R$ 1,589 para R$ 1,661 no mercado doméstico, uma alta de 4,53%.

Segundo ele, houve nas últimas semanas, uma deterioração do cenário para zona do euro que levou a um fortalecimento do dólar na comparação com a moeda europeia. Além disso, o fato de o presidente do Federal Reserve (Fed), o banco central dos EUA, Ben Bernanke, não ter sinalizado uma expansão monetária iminente contribui para fortalecer o dólar. "Os Estados Unidos apresentam melhores fundamentos e uma melhor capacidade de recuperação na crise do que a Europa", diz.

Dado esse cenário, no curto prazo, Molan acredita em continuidade do processo de fortalecimento do dólar. "Não parece que o movimento de desvalorização do real tenha se esgotado", diz, citando que a cotação poderia chegar a R$ 1,75 em um ou dois meses.

Segundo o Bank of America Merrill Lynch, a moeda brasileira deve perder força tanto em relação ao dólar quanto se comparada a outras moedas de países emergentes. "Dependendo de quanto as taxas de juros caiam, o real poderá mostrar alguma fraqueza nos próximos meses", diz relatório do banco, comparando a possível convergência dos juros brasileiros a padrões internacionais ao que foi feito pela Turquia após a quebra do Lehman Brothers, em 2008. "Esperamos que o real tenha um desempenho inferior contra uma cesta de moedas de países emergentes", completa o banco americano.

Se a tendência de curto prazo parece mais clara para os analistas, ainda há discordância quanto à tendência de longo prazo. Para o Santander, o real dará uma "barrigada" nos próximos meses, mas esse movimento deve se reverter no próximo ano, com a cotação voltando a cair em 2012.

Segundo Molan, a perspectiva é de crescimento mais forte nas economias emergentes na comparação com os países desenvolvidos. Ao mesmo tempo, o mundo caminha para um cenário de maior poupança e menor consumo. "O fluxo vai para onde o mundo cresce", diz.

Dados do movimento de câmbio divulgados ontem pelo Banco Central mostram que já entraram no país US$ 65 bilhões no ano, até a semana passada, com saldo de US$ 5,2 bilhões apenas nos dois primeiros dias de setembro.

Para Volpon, no entanto, o real poderia manter a tendência de desvalorização por um prazo mais longo, chegando a R$ 1,85 em 2013, dada as novas variáveis: juros em queda e maior intervenção do governo no câmbio.

Para o professor da PUC Rio, Márcio Garcia, os movimentos de maior controle cambial visto ao redor do mundo, como a recente intervenção do banco central suíço, que estabeleceu um piso para a cotação da moeda local, colocam em xeque a política de câmbio flutuante.

Ele explica que há apenas cinco moedas conversíveis no mundo: dólar, euro, iene, libra e o franco suíço. Quando um deles toma uma decisão dessa magnitude é "aterrorizante". "É um clube muito seleto. Se um desses membros diz que não vai mais flutuar para um lado, não há dúvida que isso não é mais câmbio flutuante".

Garcia pondera que a economia suíça é muito pequena e sofre mais os efeitos da apreciação da moeda do que países como o Brasil, cujo mercado interno é mais robusto. Mas ele alerta que, como mostra a história, a sequência de uma guerra cambial é a guerra comercial.

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