segunda-feira, 12 de setembro de 2011

Ex-campeã de juros, Turquia é espelho para o Brasil


Valor 12/09

Antiga campeã mundial dos juros altos, a Turquia reduziu as suas taxas a níveis mais civilizados nos últimos três anos, aplicando um misto de políticas ortodoxas e heterodoxas. Agora, o país é visto como um exemplo a ser seguido pelo Brasil, que iniciou um ciclo de afrouxamento monetário no começo do mês. A dúvida é se a própria Turquia conseguirá manter os juros baixos por muito tempo.

"Como o Brasil, a Turquia cortou os juros contra as expectativas da maioria das pessoas", afirma ao Valor Timothy Ash, analista baseado em Londres do Royal Bank of Scotland (RBS). "Mas estamos vivendo tempos excepcionais, e os juros de longo prazo na Turquia serão significativamente mais altos do que os níveis atuais."

A Turquia surpreendeu os economistas quando promoveu, entre 2008 e 2009, um ciclo de corte de juros de 10,25 pontos percentuais, baixando a sua taxa básica de 16,75% para 6,5% ao ano. Na época, muitos analistas achavam que, para evitar fuga de capitais e combater a inflação, os turcos seriam obrigados a apertar a política monetária.

Em fins do ano passado, outra surpresa: apesar dos sinais de forte aquecimento da economia, a Turquia resolveu cortar levemente os juros, em vez de subi-los. O objetivo maior foi conter a enxurrada de capitais estrangeiros que invadia o país.

Hoje, os juros estão em 5,75% ao ano, depois de um novo corte em agosto, desta vez justificado pelos riscos de desaceleração mundial global. E vão cair mais. O consenso entre os analistas econômicos é que, daqui para o fim do ano, serão feitos mais um ou dois cortes de 0,25 ponto percentual cada.

"O Brasil é a próxima Turquia?", perguntou o Bank of America Merrill Lynch em relatório distribuído a clientes há duas semanas, pouco antes de o BC brasileiro cortar de surpresa o juro básico da economia, de 12,5% para 12% anuais. "Alguns anos atrás, Brasil e Turquia estavam competindo pelas maiores taxas reais de juros do planeta", notou o relatório.

Alguns desconfiam que o BC baixou juros atendendo à pressão do primeiro-ministro turco, Recep Erdogan, que disputou eleições gerais há três meses. "As decisões de política monetária na Turquia são um tanto políticas", afirma Tatha Ghose, analista baseado em Londres do Commerzbank. "Não consideramos o Banco Central da Turquia muito independente."

Ghose estima que a taxa de juros de equilíbrio (taxa que não acelera a inflação) da Turquia esteja em torno de 10% ao ano. Em tempos de demanda mais fraca, os juros podem ficar temporariamente mais baixos do que isso, na casa dos 8% ao ano. Quando a economia estiver mais aquecida, subiriam um pouco acima disso, na casa dos 12%. Ou seja, passados esses tempos excepcionais, os juros vão subir.

De qualquer forma, os juros caíram de forma definitiva em relação ao patamar próximo de 17% ao ano observado antes da crise de 2008. Há alguns meses, economistas do Fundo Monetário Internacional (FMI) divulgaram um estudo que investiga como a Turquia foi capaz de relaxar a política monetária em tempos de crise, em vez de restringi-la, como costumava fazer.

A conclusão é que a eficácia da política monetária aumentou depois de uma série de reformas bastante ortodoxas implementadas a partir de 2001, quando a economia turca passou a ser comandada por Kermal Dervis, um respeitado economista que chegou a ser cotado para ser diretor-gerente do FMI em substituição a Dominique Strass-Kahn. O receituário incluiu a adoção de um regime de câmbio flutuante, do sistema de metas de inflação e de regras fiscais mais sólidas.

Com uma equipe econômica diferente, hoje os juros reais são negativos na Turquia, e só chegaram a esses patamares porque recentemente o BC turco deu uma guinada mais heterodoxa. O discurso do BC é que, além da estabilidade de preços, a política monetária deve zelar pela estabilidade financeira.

Os juros muitos altos, segundo explicações oferecidas no relatório de inflação do BC turco, estavam tornando o país muito atrativo para os capitais estrangeiros, levando à apreciação cambial e deixando a economia vulnerável a choques externos. Foi necessário baixar os juros para romper esse ciclo, diz o BC, contrariando a cartilha ortodoxa que diz que os juros só mexem para controlar a inflação.

De fato, a lira turca sofreu uma desvalorização relativamente forte, perdendo perto de 20% de seu valor ante o dólar em um ano. Mas analista ponderam que a moeda turca não caiu exatamente pelos juros mais baixos, mas sobretudo porque foram divulgados dados que revelavam um déficit em conta corrente de 10% do Produto Interno Bruto (PIB).

"Uma parte desse déficit é causado pelo aumento do preço do petróleo", afirma Ash, do RBS. "Mas também é resultado do forte aquecimento da economia." O núcleo de inflação também subiu bastante e hoje está em 6,5%, acima da meta, fixada em 5,5%.

No fim, porém, os cortes de juros se mostraram um tanto premonitórios, já que agora a economia turca corre o risco de se desacelerar em virtude do agravamento da crise na Europa e nos Estados Unidos. "No ano passado, a Turquia estava crescendo até mais rápido que a China", afirma Ghose. "A não ser que você soubesse que a economia mundial teria uma segunda desaceleração, o que ninguém sabia naquele período, você deveria estar normalizando suas taxas de juros."

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