sexta-feira, 2 de setembro de 2011

Polêmica e discórdia no rastro da decisão do Copom


Valor 02/09 - Editorial

A redução de meio ponto na taxa básica de juros, imprimida de uma só vez, nesta semana, pelo Comitê de Política Monetária (Copom) foi certamente uma das decisões mais polêmicas em seus 15 anos de história. De um lado, ficaram analistas que não acreditam que a inflação perdeu o fôlego e consideraram precipitado o corte da Selic para 12%; e, do outro, industriais e sindicalistas que apoiaram a decisão e até a consideraram tímida.

Em um ponto, porém, todos têm que concordar: tem fundamento a preocupação com o incerto cenário internacional, um dos principais argumentos usados pelo Copom para justificar a decisão. Segundo a extraordinariamente prolixa nota divulgada após a reunião, na noite da quarta-feira, o Copom, ao avaliar o cenário internacional, "considera que houve substancial deterioração, consubstanciada, por exemplo, em reduções generalizadas e de grande magnitude nas projeções de crescimento para os principais blocos econômicos". Ao contrário do que ocorre no Brasil, "nessas economias, parece limitado o espaço para utilização de política monetária e prevalece um cenário de restrição fiscal", segundo a nota. Diante disso, o Comitê "avalia que o cenário internacional manifesta viés desinflacionário no horizonte relevante".

O principal alerta foi dado nesta semana quando agências de notícias vazaram as revisões feitas pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), que serão divulgadas oficialmente na reunião anual, que será realizada entre os dias 23 e 25, em Washington.

De acordo com os números não desmentidos, o FMI agora prevê que a economia global vai crescer 4,2% neste ano, o que representa uma redução ainda que pequena frente aos 4,3% esperados em junho que, por sua vez, já era um número inferior aos 4,4% anteriormente projetados. Para o próximo ano, a previsão foi ainda mais reduzida, de um crescimento de 4,5% para 4,3%.

A principal razão do pessimismo do FMI é o desempenho das economias avançadas, uma vez que a previsão de crescimento para os mercados emergentes foi mantida em 6,6% para este ano e de 6,4% em 2012. Já nas economias avançadas, o crescimento deste ano pode ficar limitado a 1,8%, bem inferior aos 2,2% esperados em junho, que já era 0,2 ponto menor do que a projeção anterior. Para 2012 a situação não está melhor: em vez de 2,6%, a economia deve crescer apenas 2,2%.

A economia global começou o ano abalada pelo tsunami e terremoto no Japão e não conseguiu superar a onda de desconfiança e crise de liquidez na zona do euro e a letargia nos Estados Unidos.

O maior baque será exatamente nos Estados Unidos. De acordo com os novos números do FMI, a economia americana deve crescer apenas 1,6% neste ano, cerca de 1 ponto a menos do que os 2,5% esperados em junho e que os 2,8% estimados anteriormente. No próximo ano, a situação vai melhorar pouco, com crescimento de 2%, também com quase 1 ponto de queda em comparação com os 2,9% inicialmente projetados.

A situação dramática nos Estados Unidos ficou evidente no discurso do presidente do Federal Reserve (Fed, banco central americano), Ben Bernanke, na reunião dos bancos centrais realizada em Jackson Hole, interior do Estado de Wyoming, na semana passada. Bernanke pressionou pela ajuda dos responsáveis pela política fiscal, do Executivo e do Legislativo, e não quis tomar nova medida antes da próxima reunião do Copom americano, que será realizada na semana do encontro anual do FMI. Sem muitos instrumentos à mão, o Fed já havia feito o anúncio incomum de que vai manter os juros em patamar baixo até 2013 - sem muitos resultados.

Como disse a nova presidente do FMI, Christine Lagarde, também em Jackson Hole, "os acontecimentos deste verão [no hemisfério Norte] indicaram que estamos em uma perigosa nova fase: estamos arriscados a ver a frágil recuperação descarrilar".

Se é praticamente unânime a avaliação do cenário internacional, nem todos concordam, porém, com os desdobramentos esperados pelo Copom. Para o Comitê, esse cenário internacional hostil pode afetar a economia brasileira de vários modos, como a redução do comércio internacional, a moderação dos fluxos de investimento, restrições de crédito e deterioração no sentimento dos empresários e consumidores. Em consequência, o Copom considera provável uma maior desaceleração da economia brasileira, com menor pressão inflacionária, o que, depreende-se pela nota da reunião, abriu espaço para a redução dos juros, sem prejudicar a convergência da inflação para a meta em 2012.

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