terça-feira, 13 de setembro de 2011

A crise da imaginação fiscal


Por Dani Rodrik - Valor 13/09

Bancos gananciosos, ideias econômicas inadequadas, políticos incompetentes: não faltam culpados para a crise econômica em que os países ricos estão enredados. Mas há também algo mais fundamental em jogo, uma falha mais grave do que a responsabilidade de cada um desses tomadores de decisões. As democracias são notoriamente insatisfatórias na produção de consensos críveis que exijam comprometimento político em médio prazo. Tanto nos EUA como na Europa, os custos dessa restrição sobre políticas econômico-financeiras ampliaram a crise - e obscureceram a solução.

Consideremos os EUA, onde os políticos estão debatendo sobre como impedir um duplo mergulho recessivo, reativar a economia e reduzir uma taxa de desemprego que parece empacada acima de 9%. Todos concordam que a dívida pública do país é muito alta e precisa ser reduzida no longo prazo.

Embora não haja solução fácil e rápida para esses problemas, o imperativo de política fiscal é claro. A economia americana precisa de uma segunda rodada de estímulo fiscal em curto prazo para compensar a baixa demanda privada, juntamente com um programa de consolidação fiscal crível de longo prazo.

Por mais sensata que possa ser essa abordagem em duas vertentes - gastar agora, cortar mais tarde -, ela resulta praticamente impossível devido à ausência de algum mecanismo pelo qual o presidente Barack Obama possa, com credibilidade, comprometer a si próprio ou futuros governos a um aperto fiscal. Assim, qualquer referência a um novo pacote de estímulo torna-se um convite aberto para que a direita ataque o governo democrata por sua aparente irresponsabilidade fiscal. O resultado é uma política fiscal que, em vez de melhorar a situação, agrava a enfermidade econômica americana.

O problema é ainda mais extremado na Europa. Numa tentativa fútil de conquistar a confiança dos mercados financeiros, país após país foi forçado a seguir as políticas contraproducentes de austeridade como preço do apoio do Fundo Monetário Internacional e do Banco Central Europeu. No entanto, exigir profundos cortes fiscais, privatização e outras reformas estruturais do tipo que a Grécia teve de empreender cria riscos de maior desemprego e recessão mais profunda. Uma das razões pelas quais os spreads nos mercados financeiros permanecem elevados é que as perspectivas de crescimento para os países da zona euro em dificuldades parecem tão débeis.

Aqui, também, não é difícil discernir as linhas gerais de uma solução. Os países mais fortes na zona do euro precisam permitir que esses spreads se estreitem, ao garantir novas dívidas de diversos países - da Grécia à Itália -, por meio da emissão de eurobonds, por exemplo. Em troca, os países altamente endividados devem se comprometer a implementar programas plurianuais para reestruturar as instituições fiscais e melhorar sua competitividade - reformas que podem ser implementadas e dar frutos apenas em médio prazo.

Mais uma vez, porém, isso exige um compromisso crível para com um pacto que estabeleça promessas de ação futura em troca de algo agora. Os políticos alemães e seus eleitores podem ser desculpados por duvidar de que futuros governos gregos, irlandeses, ou portugueses cumpram compromissos assumidos pelos líderes atuais. Daí o impasse, e o aprisionamento da zona do euro em um círculo vicioso de elevado endividamento e austeridade econômica.

As democracias costumam lidar com o problema de obrigar políticos futuros a pactos assumidos anteriormente delegando a tomada de decisões a organismos quase independentes administrados por autoridades isoladas do dia-a-dia da política. Bancos centrais independentes são o exemplo arquetípico. Ao colocar a política monetária sob a responsabilidade de banqueiros centrais aos quais não é possível dizer o que devam fazer, os políticos amarram, efetivamente, suas próprias mãos (e, como resultado, obtêm inflação mais baixa).

Infelizmente, os políticos americanos e europeus não conseguiram mostrar imaginação semelhante no que diz respeito a políticas fiscais. Com a implementação de novos mecanismos para tornar mais previsível a trajetória futura dos balanços fiscais e da dívida pública, eles poderiam ter evitado o pior da crise.

Em comparação com a política monetária, a fiscal é infinitamente mais complexa, envolvendo muito mais concessões mútuas entre interesses conflitantes. Por isso, uma autoridade fiscal independente baseada em modelo semelhante ao de um banco central independente não é viável nem desejável. Mas algumas decisões fiscais e o nível do déficit fiscal, podem ser delegadas a um conselho independente.

Tal Conselho fixaria a diferença máxima entre receitas e despesas públicas à luz do ciclo económico e dos níveis de endividamento, deixando o tamanho geral do setor público, sua composição e as alíquotas tributárias a serem resolvidas mediante debate político. Nos Estados Unidos, o estabelecimento um Conselho baseado em tal modelo em muito contribuiria para restaurar a sanidade da política econômico-financeira do país.

A Europa, por sua vez, para que a zona do euro sobreviva, exige uma iniciativa determinada rumo à unificação fiscal. Eliminar a capacidade dos governos nacionais de incorrerem em grandes déficits e captar empréstimos à vontade é a contrapartida necessária para uma garantia mútua conjunta de dívidas soberanas e termos razoáveis para a tomada de empréstimos hoje.

Mas isso não pode significar que as políticas fiscais da Grécia ou da Itália, por exemplo, venham a ser comandadas de Berlim. Uma política fiscal comum implica que os líderes eleitos na Grécia e na Itália teriam, também, o direito a manifestarem-se sobre as políticas fiscais alemãs. Embora a necessidade de unificação fiscal seja cada vez mais reconhecida, não está claro se os líderes europeus estão dispostos a encarar de frente a exigência última de lógica política. Se os alemães não forem capazes de aceitar a ideia de compartilhar uma comunidade política com os gregos, terão de concluir que a união econômica está praticamente morta.

A política, costuma-se dizer, é a arte do possível. Mas as possibilidades são moldadas tanto por nossas decisões como por nossas circunstâncias. Dado o atual estado de coisas, quando as futuras gerações considerarem nossos líderes sob perspectiva histórica, provavelmente os censurarão, sobretudo, por sua falta de imaginação institucional. (Tradução Sergio Blum)

Dani Rodrik, professor de Economia Política Internacional na Universidade de Harvard, é autor de "The Globalization Paradox: Democracy and the Future of the World Economy (O paradoxo da globalização: a democracia e o futuro da economia mundial). Copyright: Project Syndicate, 2011.

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