quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

Um negócio da China



Por Adriana Erthal Abdenur - Valor 28/12

Desde o início das reformas econômicas lançadas por Deng Xiaoping, que abriram a economia ao capital estrangeiro, a China estende o tapete vermelho a empresas estrangeiras para que se estabeleçam em solo chinês. Ainda nos anos 80, o governo passou a oferecer incentivos fiscais, administrativos e regulamentares para que tais empresas disfrutassem de baixos custos de operação e pudessem contornar a burocracia rígida da China. Os reformistas esperavam que as joint ventures, as fábricas e escritórios de empresas estrangeiras alavancassem o crescimento econômico do país, alimentando a transferência de know-how e tecnologia. A aposta foi arriscada, mas deu certo: graças em parte à entrada desse capital, o PIB chinês rapidamente alcançou os dois dígitos.

Dentre esses incentivos constava uma carga tributária empresarial diferenciada e bastante vantajosa para as empresas estrangeiras. Até poucos anos atrás, empresas chinesas pagavam 33% do imposto sobre renda, ao passo que as estrangeiras pagavam apenas 15%. Nas Zonas Econômicas Especiais, empresas de fora do país também disfrutavam de dois anos de isenção total de impostos e três anos de isenções parciais. Essas medidas permitiram a entrada de investimentos que fomentaram uma economia híbrida, levando a grandes transformações nos centros industriais.

Nos últimos meses, diante da competição cada vez mais acirrada entre empresas domésticas e estrangeiras, o governo chinês parece estar revendo a relação custo-benefício dessas políticas preferenciais. Em alguns setores, a consolidação de empresas estrangeiras em território chinês começa a ameaçar a expansão das concorrentes nacionais, que também têm que arcar com os custos de uma mão de obra cada vez mais cara. Com isso, a China trata de nivelar o campo de jogo, reduzindo as vantagens outrora conferidas as empresas estrangeiras. Essas medidas sinalizam uma reorientação da economia chinesa, assim como previsto no último Plano Quinquenal, divulgado em março deste ano. Ao aumentar os impostos empresariais, a China começa a alterar o papel das empresas estrangeiras no seu modelo de desenvolvimento.

Já há indícios de que a estratégia de favorecimento, pelo menos nos setores de menor valor agregado, passa por uma redução gradual, porém significativa. Algumas mudanças já atingem a estrutura tributária. Mês passado, a China aumentou os impostos pagos por empresas que contratam estrangeiros, assim como aqueles pagos pelos próprios funcionários estrangeiros. De acordo com as novas regras, essas empresas - sejam elas chinesas, estrangeiras ou joint ventures - ficam sujeitas a cinco novas categorias de imposto - entre as quais, previdência social e licença maternidade. Estima-se que, sob as novas regras, a carga tributária dessas empresas irá alcançar os 37%, sendo que funcionários estrangeiros deverão contribuir cerca de 11% do salário.

Quais as consequências dessas mudanças? Em primeiro lugar, as novas regras irão afetar empresas estrangeiras desproporcionalmente, já que estas tendem a contratar mais estrangeiros do que as chinesas. Em geral, a medida irá aumentar o custo de fazer negócios na China, especialmente para aquelas que atuam no setor de manufaturados e produtos de baixo valor agregado, onde o custo da mão de obra pesa mais.

Além de aumentar a receita dos impostos, a medida visa fomentar a competitividade das empresas chinesas, já que nivela a tributação. Por enquanto, a lei não deve surtir grande efeito sobre as empresas brasileiras que já estão lá - é que boa parte atua em setores de produtos de maior valor agregado, como aviação e automóveis. No entanto, esses novos custos adicionais terão que ser levados em conta pelas empresas de menor porte, assim como por todas que pensam em ingressar no mercado chinês.)

Além desse aumento de impostos, outras medidas tendem a diminuir a diferença de tratamento entre as empresas. O governo vem ampliando a disponibilidade de empréstimos e linhas de financiamento para firmas chinesas de pequeno e médio porte, que até recentemente vinham sendo negligenciadas em comparação com as grandes estatais. A China também reduziu os impostos e subsídios voltados para pequenas empresas atuando nos setores prioritários - dentre eles, áreas de exportação, serviços e construção de moradia pública. Com essas medidas, o governo demonstra que aposta cada vez mais no dinamismo e na capacidade de inovação de uma nova classe de empresários nacionais.

Por outro lado, o governo trata de facilitar a entrada de empresas estrangeiras nos setores de serviços e de alta tecnologia, de acordo com a estratégia nacional de upgrading da economia. Ou seja: ao mesmo tempo que alguns tapetes são retirados, outros são esticados - a estrutura de oportunidades vai mudando. Para quem pensa em fazer negócios na China, é essencial acompanhar as regras do jogo.



Adriana Erthal Abdenur é coordenadora geral do Brics Policy Center e professora de Relações Internacionais da PUC-Rio.



abdenur@bricspolicycenter.org



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