quinta-feira, 1 de dezembro de 2011
O ano do dragão
Por Roberto Luis Troster - Valor 01/12
O ano de 2012 corresponde ao 4710 no calendário chinês e está associado à sua única criatura mítica, o dragão, considerado o rei dos animais e símbolo da sabedoria, força, saúde e da harmonia - é colocado em cima de portas para espantar demônios e atrair sorte. Algo oportuno para os períodos de transformações. Na China Antiga, dragões eram também usados como guardiões dos tesouros.
O ano que vem será de mudanças, menos pelos protestos em centenas de cidades no mundo, como o "ocupe Wall Street", a "Primavera Árabe" e as passeatas aqui, e mais pelo quadro econômico e político que exige adaptações. Quem não se adequar à nova realidade afundará. 2012 começará desalentador, com volatilidade, estresses e ritmo lento, mas ao longo do ano observar-se-á uma melhoria com uma retomada mais consistente da economia mundial.
Coincidência ou não, o setor que mais exige ajustes e será o centro das atenções é o de guardiões do tesouro moderno: o financeiro. Antes da crise, os bancos eram considerados os propulsores da economia mundial; atualmente, são seu maior entrave. Há cinco desafios a serem superados: equacionar as dívidas soberanas, rolar os financiamentos do setor privado, começar a receber as dívidas contraídas, manterem-se solventes e, o mais importante, voltar a emprestar. Exigirá um esforço especial dos banqueiros e seus reguladores.
Na última década, na maioria dos países, com exceção da China, a política econômica esteve orientada pela demanda - com crédito bancário abundante e déficits fiscais generosos. Em 2012 tem que haver uma mudança de protótipo e a economia passará a ser conduzida pela oferta, com foco em mais eficiência e inovação. Keynes sai de cena e entra Schumpeter como ator principal. A capacidade de reinventar-se é que vai determinar o sucesso, ou fracasso, de cada país. Os casos mais dramáticos são os europeus e a Argentina.
No velho continente, o impasse entre os alemães que querem das nações mais endividadas um compromisso maior com o euro é complexo e tem dimensões econômicas, políticas, soberanas e culturais. Mas os problemas se resolvem, de uma forma - adequando-se que é o mais provável, ou de outra. É fato, a demora em superar a crise impõe um custo elevado, mas a união monetária sairá mais fortalecida e mais bem estruturada, com ou sem os gregos. Fazer com que políticos, economistas, banqueiros e eleitores cheguem a um único consenso é um trabalho hercúleo e demanda tempo, suor e imaginação.
A Argentina necessita reinventar-se urgentemente; seu "modelo" está esgotado. Lá se observa uma inflação crescente, investimento baixo, fuga de capitais e a capacidade fiscal do governo reduzida. Com bastante racionalidade econômica, alguma sorte e um pouco de financiamento externo ainda é possível fazer ajustes e evitar maiores problemas. Alguns passos foram dados. Um novo paradigma pode fazer o país hermano acontecer, caso contrário, a culpa cairá sobre a crise externa.
Os Estados Unidos já apresentam sinais indicando que o pior já passou. Os remédios aplicados estão começando a fazer efeito; números recentes de emprego, crédito, vendas e produção estão fracos mas positivos e apontando para uma recuperação. Observar-se-ão alguns estresses, mas é um quadro que dificulta a vida dos republicanos e melhora as chances de reeleição de Barack Obama.
A China continua como locomotiva do planeta e prepara-se para ser a maior economia do mundo em dois anos, mais precisamente em 2014, o ano do cavalo. Há décadas cresce com políticas de oferta, o aumento da demanda em outros países com crédito e gastos fiscais ajudou-a a expandir sua indústria e a acumular reservas. Atualmente, aparenta ter controlado as pressões inflacionárias e deve manter o ritmo de expansão no ano vindouro. Sua influência global deve aumentar e o yuan já começa ter um papel nas finanças internacionais, mais por conta da má gestão do euro e do dólar do que por méritos próprios.
O ritmo de atividade mundial começa mais devagar por conta da ressaca da crise e aos poucos aumenta, com um segundo semestre melhor que o primeiro. O cenário internacional anêmico não é totalmente desfavorável ao Brasil. No canal comercial, a demanda de commodities deve sustentar-se e o preço das suas importações deve arrefecer, as projeções mostram saldos comerciais melhores com a crise externa. No lado financeiro, as perspectivas de investimento externo são altas, e uma parte dos fluxos que entram estão canalizados para investimentos produtivos, contribuindo de forma favorável para o crescimento nacional.
A economia brasileira deve andar de lado no começo do ano, mais em razão do ciclo dos estoques do que por conta da crise. Com ou sem estímulos da demanda agregada, a retomada do crescimento acontece a partir do segundo trimestre. A oportunidade para o Brasil crescer a taxas mais altas estará presente com a janela demográfica, a demanda externa, o fluxo de investimentos estrangeiros e o pré-sal, que pode tornar o país o quinto maior produtor de petróleo do mundo em alguns anos.
Este é um exemplo emblemático, que mostra as duas opções de desenvolvimento para o Brasil com a descoberta de jazidas: o venezuelano e o norueguês. No vizinho, são privilegiadas as políticas para usufruir ao máximo as receitas do petróleo; no país do norte, a tônica são ações que sustentem o crescimento, investindo os recursos. Aqui há um amplo debate sobre a distribuição dos royalties, já seu uso é tratado como uma questão menor. Obviamente, a qualidade da condução política brasileira é melhor do que a do país ao lado, mas há espaço para aprimoramentos. O Brasil tem as condições para fazer acontecer. A questão é ajustar o modelo e evitar os erros que outros cometeram e não repetir a história nacional (leia-se ciclos da borracha, do ouro etc.).
No ano do dragão haverá mais crises políticas no Oriente Médio, em Cuba e na Venezuela, mas também uma consolidação do euro e Londres 2012. Haverá mais aquecimento global e Rio +20 para evitar que piore; observar-se-ão mais inovações e o começo de um novo ciclo de expansão. A economia mundial terá quatro pelotões com velocidades diferentes: os países na fase mais crítica de ajuste, como a Grécia, com números negativos; os desenvolvidos, como EUA e Japão, a taxas baixas; a América Latina num patamar mais elevado e a China e a Índia no pelotão de elite. A questão é fazer o Brasil subir ao pódio, sobram desejos. Feliz 2012 a todos!
Roberto Luis Troster, consultor e doutor em economia pela USP, foi economista chefe da Febraban e da ABBC e professor da USP, Mackenzie e PUC-SP. E-mail: robertotroster@uol.com.br
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