terça-feira, 13 de dezembro de 2011

Déficits e inflação na gênese da crise


Por Alexandre Bassoli - Valor 13/12

Os problemas fiscais são a face mais visível da crise que acomete um número crescente de países da zona do euro. O caso mais aberrante é o da Grécia, com níveis de déficit público superiores a 10% do Produto Interno Bruto (PIB), agravado pelo fato de a dívida pública já antes da crise ser elevada. Ainda que em diferentes intensidades, níveis altos de dívida e/ou déficits públicos são comuns a Portugal, Irlanda, Espanha e Itália. Disso decorre a percepção de que ajustes fiscais, em geral ambiciosos, tornaram-se imperiosos para se evitar eventos que caracterizassem uma ruptura, como defaults soberanos ou mesmo a saída de países da zona do euro.

Embora concordemos com a ideia de ajustes severos mandatórios, não é óbvio que a indisciplina fiscal seja a origem única da crise. De fato, países como Irlanda e Espanha até 2007 exibiam níveis de dívida pública baixos e declinantes. Nesse caso, a piora da situação parece ser, antes, fruto do excesso de endividamento do setor privado no período que se estendeu da introdução do euro até o início da deterioração das condições financeiras globais em 2007.

Déficits expressivos em conta corrente foram observados em diversos países da região e foram especialmente relevantes nos países com as maiores reduções de taxa de juros como consequência da introdução do euro. Para alguns países, essas reduções foram expressivas, à medida que se apropriavam da credibilidade insuspeita do Bundesbank.

A súbita redução de juros significou, do ponto de vista das famílias, uma diminuição da taxa à qual se trocava consumo presente por consumo futuro. Como consequência, era natural que o endividamento desejado pelas famílias se elevasse. Para chegar a esse novo nível, as famílias reduziram durante algum tempo sua taxa de poupança. Ao mesmo tempo, para as firmas a redução da taxa de juros viabilizou novos projetos, estimulando a elevação do investimento.

Em suma, a redução de juros deveria levar, temporariamente, à elevação do investimento e à redução da poupança privada. A menos que esses movimentos fossem compensados pelo aumento da poupança pública, eles deveriam se traduzir, como em geral foi o caso, em uma piora da conta corrente. No caso dos bens transacionáveis internacionalmente, a ampliação da demanda poderia ser suprida apenas com a ampliação da importação líquida.

No caso de bens não transacionáveis, a ampliação de demanda se traduziu em elevação de preços. Não por acaso, os países periféricos da região experimentaram, após sua adesão ao euro, taxas de inflação consideravelmente mais elevadas que a Alemanha. Isso era equivalente, sob a moeda comum, a uma valorização da taxa real de câmbio desses países.

Uma vez tendo os níveis de endividamento se ajustado à redução de taxa de juros, a contrapartida da ampliação de passivos com o exterior nos anos anteriores deve ser a geração de superávits nas contas correntes primárias. Para que esses superávits sejam atingidos, a valorização do câmbio real deve ser revertida. Contudo, sob a moeda comum esse ajuste somente pode se dar pela manutenção de taxas de inflação inferiores às de seus parceiros comerciais. A experiência europeia recente apenas corrobora algo já há muito estabelecido na literatura: preços são rígidos, de forma que ajustes dessa natureza somente podem ser obtidos por meio de recessão.

A combinação de recessão e deflação é especialmente perversa para a arrecadação de impostos e também para a dinâmica da dívida pública. Não é de se estranhar, portanto que, mesmo nos países que inicialmente pareciam ter posição fiscal sólida, tenha havido forte deterioração desde 2008, quando houve reversão dos elevados déficits em conta corrente até então exibidos.

Olhando em retrospecto, uma parcela crescente dos analistas parece concordar que os custos associados à criação do euro excedam em muito seus benefícios. Isto não significa, necessariamente, que a melhor solução seja simplesmente dissolver a união monetária. Haveria formidáveis dificuldades envolvidas nessa opção. A mais óbvia talvez seja a forte possibilidade de corrida bancária nos países que cogitem sair do euro, dado o temor dos depositantes de ver seus depósitos em euros se converterem em dracmas, escudos ou liras.

A alternativa de preservar o euro, por outro lado, requer reformas ambiciosas. Nos países da periferia, como dissemos, ajustes fiscais dramáticos são imperiosos, mas devem ser acompanhados de reformas que tornem o mercado de trabalho mais flexível e fomentem a competitividade. Para a região, a viabilidade da união monetária provavelmente exigiria a criação de uma autoridade fiscal central, com todas as dificuldades políticas inerentes a algum grau de renúncia dos países à sua soberania.

Como se vê, as alternativas que se colocam têm em comum uma elevada dramaticidade. Certamente ainda é possível se evitar saídas desordenadas, mas os desafios são imensos e a restauração do crescimento, em qualquer cenário, ainda demorará.



Alexandre Bassoli é economista-chefe do Opportunity Asset Management.




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