quinta-feira, 29 de dezembro de 2011
Os franceses não entenderam ainda
Por Martin Feldstein - Valor 29/12
O governo francês parece não entender o verdadeiro significado do euro, a moeda única que a França compartilha com 16 outros países da União Europeia (UE).
As autoridades francesas agora reagiram à possibilidade de um rebaixamento de crédito atacando o Reino Unido. O presidente do banco central, Christian Noyer, disse que as agências de avaliação de risco deveriam começar rebaixando o Reino Unido. O ministro das Finanças, François Baroin, declarou recentemente que "é preferível ser francês que britânico em termos econômicos". E até mesmo o primeiro-ministro francês François Fillar observou que o Reino Unido possui dívida e déficits maiores que a França.
As autoridades francesas aparentemente não reconhecem a importância do fato de que o Reino Unido está fora da zona do euro e desse modo possui sua própria moeda, o que significa que não há perigo do país dar calote em sua dívida. Quando os juros e o principal da dívida do governo britânico vencem, o governo sempre pode imprimir mais libras para cumprir com essas obrigações. Por sua vez, o governo francês e o banco central francês não podem criar euros.
Se os investidores não quiserem financiar o déficit fiscal francês - ou seja, se a França não conseguir captar dinheiro para financiar esse déficit -, a França será forçada a dar calote. É por isso que o mercado está tratando os bônus franceses como mais arriscados e exige taxas de juros mais altas, muito embora o déficit fiscal da França esteja em 5,8% do PIB, enquanto que o déficit do Reino Unido está em 8,8% do PIB.
Há um segundo motivo que leva a situação britânica a ser menos arriscada que a da França. O Reino Unido pode reduzir seu déficit em conta corrente provocando um enfraquecimento da libra em comparação ao dólar e o euro, o que mais uma vez os franceses não podem fazer por não ter sua própria moeda. Na verdade, é exatamente isso que o Reino Unido vem fazendo com sua política monetária: reduzindo para níveis mais competitivos a paridade das taxas entre a libra e o euro e a libra e o dólar.
Os déficits fiscais e os déficits em conta corrente da zona do euro são agora os sintomas mais óbvios do fracasso do euro. Mas a crise de crédito na Europa e a fraqueza dos bancos da zona do euro podem ser ainda mais importantes. O persistente diferencial nas taxas de desemprego na zona do euro é mais um reflexo do efeito adverso da imposição de uma moeda única e de uma política monetária única a um grupo heterogêneo de países.
Sem dúvida, o presidente Nicolas Sarkozy e outros políticos franceses não estão satisfeitos com a incapacidade da recente reunião de cúpula europeia em avançar na causa de uma maior integração política da União Europeia. Foram os membros do governo francês Jean Monnet e Robert Schuman que lançaram a iniciativa da união política europeia após a Segunda Guerra Mundial, com a conclamação para a criação dos Estados Unidos da Europa.
Os franceses tinham a criação do euro como um símbolo importante do progresso em direção a essa meta. Na década de 1960, Jacques Delors, então ministro das Finanças da França, defendeu a criação de uma moeda única com um relatório, "Um Mercado, Uma Moeda", que afirmava que o acordo de livre comércio europeu somente funcionaria se seus membros usassem uma única moeda.
Para os franceses, alcançar a união política europeia é uma maneira de reforçar o papel da Europa no mundo e o papel da França dentro da Europa. Mas esse objetivo parece mais difícil de ser alcançado agora, do que no começo da crise europeia. Ao criticar o Reino Unido e tentar aumentar os custos dos empréstimos para os britânicos, a França está apenas criando mais conflito entre ela e o Reino Unido, ao mesmo tempo em que cria mais tensões dentro da Europa como um todo.
Olhando adiante, conter a crise financeira da zona do euro não exige união política ou um compromisso de apoio financeiro da Alemanha. Depende dos países individuais da zona do euro - especialmente Itália, Espanha e França - fazerem mudanças nos gastos domésticos e tributação que venham a convencer os investidores financeiros globais de que eles estão caminhando para superávits fiscais e colocando suas relações de endividamento em relação ao PIB num caminho de queda.
A França deveria concentrar suas atenções nos problemas fiscais domésticos e na situação terrível de seus bancos comerciais, em vez de atacar o Reino Unido ou conclamar por mudanças políticas que não vão acontecer. (Tradução de Mario Zamarian)
Martin Feldstein é professor de economia da Universidade Harvard, foi presidente do Conselho de Consultores Econômicos do presidente americano Ronald Reagan e também do National Bureau for Economic Research. Copyright: Project Syndicate, 2011.
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