quarta-feira, 21 de dezembro de 2011
Afundando na "grande estagnação"
Por Martin Wolf - Valor 21/12
O futuro não é o que costumava ser. Nem o presente. Esse é o tema de "The Great Stagnation" (A grande estagnação), de Tyler Cowen, da George Mason University.* O tema está em seu subtítulo: "How America ate all the low-hanging fruit of modern history, got sick and will (eventually) feel better". O livro é um modelo de texto popular: lúcido, conciso e provocador. Mas será o argumento verdadeiro? Se o for, o que poderia isso implicar?
"Os EUA estão em tumulto", afirma Cowen, "e nossa economia está nos deixando na mão". Ele cita o lento crescimento da mediana salarial a partir dos anos 1970, as ilusões da década de 2000 e a ausência de "criação líquida de novos empregos nesta última década". Além disso, "estamos diante de uma crise fiscal de longo prazo, impulsionada pelo custo cada vez maior de direitos sociais, nossa... dependência de endividamento e nossa vontade de ir empurrando as coisas, em vez de encarar a necessidade de pagar as contas".
Até aqui, o argumento é familiar. Mais nova é a explicação de Cowen para a situação dos EUA: "A economia americana beneficiou-se... de insumos ao alcance da mão pelo menos desde o século XVII, seja terra ociosa... trabalho de imigrantes ou novas e poderosas tecnologias. No entanto, durante os últimos 40 anos, quando os frutos maduros começaram a desaparecer, começamos a fingir que ainda estavam disponíveis. Foi isso o que deu errado".
O papel de insumos baratos e da importação de mão de obra no crescimento americano passado é claro. Mas Cowen acrescenta um ponto importante. Em 1900, apenas 6,4% dos americanos diplomavam-se em universidades; no fim dos anos 1960, 80%. Analogamente, até 2009, 40% dos jovens entre 18 e 24 anos já estavam matriculados em faculdades. Tornou-se muito mais difícil melhorar a qualidade da força de trabalho.
Boa parte da causa mais importante do crescimento econômico sustentado são as novas ideias. Infelizmente, as taxas de invenção e inovação também têm diminuído. O ponto alto foi o fim do século XIX e início do século XX, que produziu produtos químicos modernos e, portanto, fertilizantes artificiais; eletricidade e, portanto, o motor elétrico, luz, geladeiras, aspiradores de pó, aparelhos de ar-condicionado, rádios, vitrolas e a televisores; o motor de combustão interna e portanto o automóvel; aviões, produtos farmacêuticos e, não menos importante, a produção em massa. Tudo isso transformou vidas.
"Hoje, em contraste", argumenta Cowen, "além da aparentemente mágica internet, a vida material, em termos gerais, não é tão distinta do que era em 1953". Eu acrescentaria o computador e o telefone celular. Mas é difícil não concordar com que o fluxo de inovações fundamentais desacelerou. Hoje é mais difícil e mais caro inovar.
Para justificar seu pessimismo, Cowen cita a estagnação da renda familiar média a partir de meados dos anos 1970. Mas mudanças na distribuição de renda - um fenômeno nítido - moldam esse cenário. No entanto, dados sobre a renda per capita e sobre a "produtividade multifatorial", a parte do crescimento econômico não explicada por crescentes insumos de capital e de mão de obra - apoiam a tese de Cowen. No primeiro trimestre de 2007, o Produto Interno Bruto (PIB) real per capita foi 13% inferior do que teria sido se a tendência de 1947 a 1973 tivesse persistido. No terceiro trimestre de 2011, o PIB foi 22% menor. Num estudo aprofundado, Robert Gordon, da Northwestern University, conclui, analogamente, que o crescimento multifatorial de produtividade no setor empresarial não agrícola atingiu um pico na primeira metade do século XX e caiu entre 1972 e 1996**. O PIB, então, viveu um surto em maio à onda da "Nova Economia". Mas esse impulso se dissipou. É possível imaginar outro surto inovador com impacto na economia como um todo com origem em biotecnologia ou nanotecnologia. Mas, neste momento, isso não está ocorrendo.
É possível divergir da tese de Cowen em seus detalhes. Ele exagera o papel negativo de governo grande e subestima sua influência positiva. Mas o quadro mais amplo que ele desenha parece correto. Assim, o que a estagnação americana implica para o restante do mundo?
Cowen tira duas conclusões. A primeira é que "a política americana é muito difícil, num país sem muitos frutos maduros ao alcance das mãos". A segunda é que a explicação da crise financeira está em "pensarmos que éramos mais ricos do que efetivamente somos". Com efeito, ele acredita que os americanos demandaram, tanto coletiva como individualmente, o que não tinham condições de pagar. Pode muito bem ser verdade que o desejo de tomar tantos empréstimos e de resistir tanto a impostos mais altos e a contenção de gastos reflita o decepcionante aumento das rendas reais.
Agora consideremos o restante do mundo. Aqui podemos ver boas e más notícias. Uma boa notícia é que a grande maioria dos seres humanos vivem em economias distantes da fronteira econômica. O PIB real per capita chinês é cerca de um quinto dos níveis nos EUA e o da Índia é inferior a um décimo. Assim, melhorias em educação e adoção de conhecimentos já existentes proporcionam grandes oportunidades. A segunda boa notícia é que o potencial de incorporação de um número muito maior de pessoas em descoberta científica, invenção e inovação é também enorme. Pode ser cada vez mais difícil conquistar novos conhecimentos. Mas os recursos destinados a essa tarefa podem também ser muito maiores do que em qualquer momento anterior. A má notícia é que a era dos insumos baratos não está terminando não apenas para os EUA. O que antes era tratado como gratuito é caro.
Eu gosto desse livro: ele começa com teses provocativas e termina com um apelo a investimentos em ciência. Eu não concordo com tudo o que defende, longe disso. Mas é bom lembrar que existem histórias econômicas muito maiores do que o fracasso do mundo financeiro ou o apelo à austeridade. No longo prazo, nosso futuro depende de boas ideias. Pode não caber a nós determiná-las. Mas sempre estarão sujeitas à nossa influência.
* Dutton, Nova York, junho 2011.
** "Revisitando o crescimento da produtividade americana", março de 2010, www.nber.org.
(Tradução de Sergio Blum)
Martin Wolf é editor e principal comentarista econômico do FT.
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