terça-feira, 27 de dezembro de 2011

Choque externo e munição do Brasil



Por Assis Moreira - Valor 27/12

De seu posto privilegiado de diretor-executivo do Brasil e mais oito países no Fundo Monetário Internacional (FMI), Paulo Nogueira Batista Júnior não esconde o pessimismo com as perspectivas econômicas para 2012. Ele nota que o choque externo é recessivo e deflacionário (os preços dos produtos estão arrefecendo). Os riscos vêm da zona do euro, dos Estados Unidos e da China.

O cenário internacional piorou, mas "por enquanto" para o Brasil ele acha que não chega a ser tão grave como foi na crise de 2009. Ele nota que a desaceleração econômica muito forte que o país está vivendo foi induzida por políticas domésticas. As medidas para desaquecer a economia surtiram o efeito esperado desde o começo do ano. O que não estava previsto era que isso fosse coincidir com o agravamento tão forte da crise da zona do euro.

Agora, o país tem oportunidade de reativar a economia, conter a trajetória de alta da inflação e melhorar o mix da política econômica, avalia o economista, frisando que fala em nome pessoal. Para ele, o governo não usou ainda nem a metade da munição de que dispõe para conter o choque externo recessivo e deflacionário. Cita como munição os depósitos compulsórios altos, reservas internacionais elevadas, juros reais entre os maiores do mundo e medidas de controle de crédito que podem ser atenuadas ao longo de 2012.

O problema mais grave da economia mundial continua a ser a zona do euro. E, ao contrário da esperança de certas autoridades em Brasília, o representante do país no FMI está entre os que não excluem o cenário de quebra total e desorganizada da união monetária europeia nos próximos meses. "Infelizmente não podemos excluir o pior na zona do euro, basta ver a sucessão de cúpulas de líderes sem solução convincente para os problemas e suas repercussões internacionais", diz ele.

O risco é enorme, não só porque a crise na Europa é complicada, como também pelo seu tamanho, como segundo bloco econômico do mundo, e implicações econômicas, financeiras e comerciais para o resto do planeta. Paulo Nogueira observa que as decisões que vêm sendo tomadas pelos líderes europeus não são as mais urgentes. A casa está pegando fogo e propaga a destruição, mas os líderes continuam discutindo sobre a solidez da casa que virá depois do incêndio.

A crise da zona do euro termina o ano muito mais profunda e preocupante do que começou e parece difícil que nos próximos 12 meses as autoridades europeias continuem o jogo de empurra. O consenso entre analistas é de que 2012 será um ano decisivo. Ou os líderes europeus finalmente produzem a chamada "bazuca" para solucionar a crise, ou a zona do euro vai cessar de existir na sua forma atual. Outros analistas creem mais na primeira possibilidade. O Banco Central Europeu (BCE) termina o ano com ações mais decisivas, como os quase € 500 bilhões para os bancos, a fim de evitar o estrangulamento de crédito. E um diretor do banco, que está saindo, o italiano Lorenzo Bini, chegou agora a defender uma política monetária quantitativa, ou seja, imprimir dinheiro para comprar dívida pública diretamente dos governos.

A atenção global deverá permanecer focada nos eventos da zona do euro no primeiro semestre. E o Instituto Internacional de Finanças (IIF), que representa os maiores bancos do mundo, sugere que no ano do "vai ou racha" deve-se seguir atentamente quatro "R's" na zona do euro:

1) Recessão: a região tem que enfrentar as implicações econômicas e financeiras da recessão que está a caminho e que causa mais pressões sobre os orçamentos e qualidade dos ativos dos bancos;

2) Refinanciamento: o tamanho do refinanciamento em 2012 para bancos e países é gigantesco, bem acima de US$ 1 trilhão. Todos os grandes países europeus continuarão tendo acesso ao mercado nos próximos meses, pagando a taxa que for necessária para vender seus títulos de dívida. O apoio financeiro oficial deve ocorrer também;

3) Reformas: a rápida passagem da reforma fiscal, acertada em dezembro, para um tratado emendado é um projeto ambicioso para o primeiro trimestre, que deixa a região vulnerável a turbulências políticas imprevisíveis;

4) Reestruturação: a redução da dívida da Grécia em quase 50% precisa ser completada durante o primeiro trimestre, já que o país enfrenta enorme volume de pagamentos em março. Alguns bancos, como o Barclays, veem aumento considerável do risco de "evento de crédito" no primeiro trimestre, ou seja, calote grego.

Para Paulo Nogueira Batista Júnior, o segundo grande risco para a economia mundial são os Estados Unidos. Além da recuperação econômica frágil, o conflito político acirrado entre republicanos e democratas é muito grave e paralisa as decisões políticas, inclusive sobre manutenção de estímulos para a retomada da atividade. Para ele, as dificuldades de coordenação entre os partidos políticos nos EUA são quase tão grandes quanto os problemas de cooperação na zona do euro para sair da crise atual.

O terceiro risco, mas difícil de melhor avaliação, é a China, com implicações especialmente fortes para o Brasil. Fala-se muito no risco de pouso forçado. Mas a China deve crescer pelo menos 8%, na avaliação de boa parte de analistas.

Para completar, haverá eleições presidenciais na França e nos EUA e a gradual passagem de poder na China, com importante impacto na economia, pois estreita ainda mais a margem para decisões que deveriam ser prioritárias tanto a nível nacional como global.

Raramente um ano começa com nuvens tão carregadas.



Assis Moreira é correspondente do Valor em Genebra.

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