sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

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ESPECIALISTAS FAZEM BALANÇO DOS ACONTECIMENTOS DO GOVERNO NESTE ANO - PARTE 1 TEMPO: 00:12:45   29/12/2011

21:46:00


Em entrevista ao Espaço Aberto, da Globo News, o ex-diretor do Banco Central José Júlio Sena e o ex-ministro da Fazenda Marcílio Marques Moreira analisaram o futuro da economia brasileira.


ESPECIALISTAS FAZEM BALANÇO DOS ACONTECIMENTOS DO GOVERNO NESTE ANO - PARTE 2  TEMPO: 00:11:17


TV: GLOBO NEWS
PROGRAMA: ESPAÇO ABERTO
APRESENTADOR: SIDNEY REZENDE

ECONOMISTA FALA SOBRE O CENÁRIO ECONÔMICO NACIONAL PARTE 1 TEMPO: 00:05:44 29/12/2011 19:53:00


No programa Conta Corrente, o economista do Banco ABC Brasil Luiz Otávio de Souza Leal analisou o cenário econômico nacional para 2012.

ECONOMISTA FALA SOBRE O CENÁRIO ECONÔMICO NACIONAL E INTERNACIONAL PARTE 2  TEMPO: 00:06:40


TV: GLOBO NEWS
PROGRAMA: CONTA CORRENTE
APRESENTADOR: SIDNEY REZENDE

 BOLSA TEM PIOR QUEDA DESDE 1994 TEMPO: 00:01:4 29/12/2011 20:16:02

Em comentário ao SBT Brasil, Denise Campos de Toledo conta que hoje (29), a bolsa de valores brasileira teve seu último pregão. O índice Bovespa fechou com alta de 0,39%. Mas o ano foi ruim para a bolsa, a queda foi de 18,48%, a pior desde o plano real em 1994.

TV: SBT DF
PROGRAMA: SBT BRASIL
APRESENTADOR: DENISE C. DE TOLEDO

quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

BC projeta déficit nominal de 1,2% do PIB no próximo ano



Por Murilo Rodrigues Alves - Valor 29/12
De Brasília

Ao informar, ontem, que a meta de superávit primário deste ano foi cumprida quase totalmente nos 11 primeiros meses, o Banco Central (BC) divulgou as projeções das contas públicas para 2012. Segundo o chefe do Departamento Econômico do BC, Túlio Maciel, no próximo ano será possível reduzir o déficit nominal dos 2,5% do Produto Interno Bruto (PIB) previstos em 2011, para 1,2% do PIB no próximo ano. De janeiro a novembro, as contas públicas tiveram saldo nominal negativo de R$ 89,32 bilhões, ou 2,36% do PIB.

O BC trabalha com a hipótese de cumprir, também em 2012, a meta "cheia" de superávit primário (descontadas as despesas financeiras, com juros, por exemplo), em torno de 3,10% do PIB. Analistas ainda desconfiam da capacidade do governo de conseguir esse resultado, diante da deterioração dos mercados globais e do custo adicional nas contas federais, com os incentivos para evitar que a atividade doméstica desacelere.
Em 2012, União e governos estaduais e municipais terão despesas extras, como o aumento real de 7,5% no salário mínimo e gastos eleitorais. O Bradesco projeta, para 2012, superávit primário menor, de 2,5% do PIB, segundo o economista do banco, Robson Andrade.

No cenário traçado pelo BC, a dívida líquida deve recuar, de 36,6%, neste ano, para 35,7% do PIB em 2012. Em novembro, a dívida líquida fechou em R$ 1,508 trilhão, R$ 26 bilhões a menos do que o registrado em outubro. A proporção da dívida em relação ao PIB caiu de 37,4% para 36,6%. A relação dívida líquida/PIB foi de 39,1% no ano passado, de 42,1% em 2009, e de 38,5% em 2008.

A redução da dívida líquida este ano se deve muito ao comportamento do câmbio. O setor público brasileiro tem mais ativos (reservas do BC, por exemplo) do que passivos (dívidas) em moeda estrangeira. De acordo com Maciel, a valorização de um ponto percentual no dólar tem efeito imediato de redução de 0,24 ponto percentual na relação dívida líquida/PIB, algo em torno de R$ 5,6 bilhões. Ao longo do mês de novembro a desvalorização do real foi de 7,25%.

Ao fazer os cálculos para 2012, a autoridade ainda usa como parâmetros as estimativas do mercado para Selic (9,7%) e câmbio (US$ 1,75), ambos para o fim de dezembro. A inflação estimada é calculada pela variação de 5,03% no Índice Geral de Preços - Disponibilidade Interna (IGPDI) e 5,39% no Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA).

O BC ainda estima redução no percentual dos juros em relação ao PIB de 5,6% deste ano para 4,3% em 2012. A queda da inflação e os cortes na taxa básica de juros serão os principais fatores favoráveis. De janeiro a novembro deste ano, porém, os gastos com juros foram os maiores já pagos, R$ 216,1 bilhões, cifra equivalente a 5,72% do PIB.

O superávit primário de R$ 126,77 bilhões no acumulado do ano foi insuficiente para cobrir os gastos com juros e outros encargos da dívida pública, mas é considerado satisfatório pelo BC pois mostra que o governo vai conseguir cumprir com tranquilidade a meta para todo o ano, fixada em R$ 127,9 bilhões. "Em 2011 voltou-se à normalidade fiscal depois de dois anos difíceis, 2009 e 2010", disse Maciel. "Esses foram anos atípicos em termos de desempenho, principalmente porque o nível da atividade econômica foi afetado pela crise internacional, impactando a arrecadação."

Commodities agrícolas seguem sob pressão



Por Fernando Lopes - Valor 29/12
De São Paulo

Apesar de encerrarem dezembro nos mais baixos patamares de 2011, as cotações internacionais das principais commodities agrícolas alcançaram médias anuais nominais sem precedentes, garantidas sobretudo pelo comportamento dos mercados até julho.

As previsões para os primeiros meses de 2012 convergem para a continuidade das curvas descendentes que se acentuaram a partir de agosto, tendo em vista a recessão que se avizinha no mundo desenvolvido e os surtos de aversão ao risco de grandes fundos de investimentos, que reduziram consideravelmente as posições nesses mercados nos últimos meses.

Ainda que o cenário seja baixista, a difícil convalescença do dólar e os estoques mundiais em geral baixos tendem a limitar as prováveis quedas. Ao mesmo tempo, adversidades climáticas que ameaçam safras importantes na América do Sul podem tornar o quadro até positivo para alguns produtos - especialmente os grãos, as commodities agrícolas de maior liquidez.

Mas, mesmo do lado da oferta, onde reservas restritas e quebras de safras somaram-se ao crescente consumo em países emergentes e ajudaram a manter as commodities nas alturas após a debacle do banco americano Lehman Brothers, em setembro de 2008, o horizonte não permite euforias altistas.

Em primeiro lugar porque o La Niña pode poupar as lavouras sul-americanas de grandes perdas; em segundo, porque a elevada rentabilidade da atual safra (2011/12) de cereais e oleaginosas no Hemisfério Norte sugere que seus agricultores terão condições de manter, na próxima temporada (2012/13), o ritmo de recuperação após a forte quebra da produção em 2010/11, principalmente na Rússia e arredores.

Conforme cálculos do Valor Data baseados nos contratos futuros de segunda posição de entrega de commodities negociadas nas bolsas de Chicago (milho, soja e trigo) e Nova York (açúcar, algodão, cacau, café e suco de laranja), apenas cacau e trigo não fecharão 2011 com médias anuais recordes (o balanço foi fechado em 28 de dezembro). No caso do cacau, a maior média foi registrada em 2010; no do trigo, em 2008.

Em contrapartida, só o açúcar não terá neste último quarto do ano a média trimestral mais baixa de 2011. O viés foi acentuado em dezembro, quando os oito produtos que fazem parte do levantamento tiveram médias mensais menores que as de novembro.

Esse comportamento geral se refletiu no Índice de Preços de Alimentos da FAO, o braço de agricultura e alimentação da ONU. Formado por cereais, óleos e gorduras vegetais, açúcar, carnes e lácteos, o indicador atingiu seu pico histórico em fevereiro (238 pontos), e em novembro bateu no menor nível de 2011 (215 pontos). A parcial de dezembro ainda não foi fechada.

Como as turbulências financeiras aprofundaram-se na Europa neste segundo semestre, produzindo movimentos que amenizaram a palidez do dólar e fortaleceram a aversão ao risco, os fundos que investem em commodities reduziram suas apostas e colaboraram para as quedas.

No fim de novembro, investidores institucionais liquidaram posições de compra nos mercados de milho, soja, trigo, açúcar e café. Ao mesmo tempo, aumentaram suas posições de venda, em uma estratégia de proteção a novas quedas das cotações que colaborou para tonificar a tendência.

Por enquanto, a maioria dos quadros de oferta e demanda globais não sinaliza mudanças drásticas na situação atual de estoques apertados, o que colabora, junto com as projeções de aumento do consumo mundial de alimentos no longo prazo, para a contenção de uma fuga muito mais aguda.

O Conselho Internacional de Grãos (IGC), por exemplo, prevê que a produção mundial de trigo e grãos forrageiros como o milho somará 1,816 bilhão de toneladas nesta safra 2011/12, 3,7% mais que em 2010/11. Mas estima que o consumo total aumentará 2,2%, para 1,826 bilhão de toneladas, puxado pelos emergentes.

Analistas lembram que, em países desenvolvidos, o consumo de alimentos não costuma ser afetado por crises econômicas, já que sua participação nos orçamentos domésticos é pequena. Ao mesmo tempo, economias emergentes como a chinesa e a brasileira crescerão em 2012, e mesmo a perspectiva de desaceleração do gigante asiático não evitará o incremento da demanda.

"A crise envolve 20% do mercado consumidor global, localizado em países onde o consumo de alimentos é relativamente inelástico. Os demais 80% estão em países que continuam crescendo", disse Antonio Sartori, da corretora gaúcha Brasoja, recentemente ao Valor.

Para o economista Fabio Silveira, da RC Consultores, isso não evitará um "sensível declínio" dos preços médios anuais das commodities agrícolas em 2012, com destaque para a soja, atualmente muito dependente de seu principal importador, a China - e o grão passará por maior pressão baixista caso o La Niña não prejudique as plantações no Brasil e na Argentina, que, somados, lideram as exportações globais.

Já a Tendências Consultoria Integrada acredita que as cotações internacionais da soja, o carro-chefe do agronegócio brasileiro, vão subir em relação ao nível atual e encerrarão 2012 com média estável em relação à prevista para este ano. Ainda no front externo e na mesma comparação, a empresa prevê alta de 2,8% para o milho e queda de 3,7% para o açúcar.

Entre as chamadas "soft commodities" - as agrícolas negociadas em Nova York -, a maior pressão segue sobre o algodão, que em março atingiu máximas em 140 anos e encerra dezembro com preço médio quase 35% mais baio que no mesmo mês de 2010, segundo o Valor Data.

Nesse mercado, a oferta mundial cresceu embalada pelos bons preços, o que esfriou a espiral altista, e a concorrência de têxteis sintéticos aumentou.

Cacau e suco de laranja são duas outras "soft" que estão com ofertas firmes, e a tendência para açúcar e café é de crescimento, em linha com a velha lógica que mostra que a produção cresce após períodos de preços elevados e cai depois que eles arrefecem.

Cacau, suco e café, particularmente, também podem registrar quedas maiores da demanda com a crise em países desenvolvidos, que ainda sustentam seu consumo apesar da tendência de crescimento em emergentes.

Os franceses não entenderam ainda



Por Martin Feldstein - Valor 29/12

O governo francês parece não entender o verdadeiro significado do euro, a moeda única que a França compartilha com 16 outros países da União Europeia (UE).

As autoridades francesas agora reagiram à possibilidade de um rebaixamento de crédito atacando o Reino Unido. O presidente do banco central, Christian Noyer, disse que as agências de avaliação de risco deveriam começar rebaixando o Reino Unido. O ministro das Finanças, François Baroin, declarou recentemente que "é preferível ser francês que britânico em termos econômicos". E até mesmo o primeiro-ministro francês François Fillar observou que o Reino Unido possui dívida e déficits maiores que a França.

As autoridades francesas aparentemente não reconhecem a importância do fato de que o Reino Unido está fora da zona do euro e desse modo possui sua própria moeda, o que significa que não há perigo do país dar calote em sua dívida. Quando os juros e o principal da dívida do governo britânico vencem, o governo sempre pode imprimir mais libras para cumprir com essas obrigações. Por sua vez, o governo francês e o banco central francês não podem criar euros.

Se os investidores não quiserem financiar o déficit fiscal francês - ou seja, se a França não conseguir captar dinheiro para financiar esse déficit -, a França será forçada a dar calote. É por isso que o mercado está tratando os bônus franceses como mais arriscados e exige taxas de juros mais altas, muito embora o déficit fiscal da França esteja em 5,8% do PIB, enquanto que o déficit do Reino Unido está em 8,8% do PIB.

Há um segundo motivo que leva a situação britânica a ser menos arriscada que a da França. O Reino Unido pode reduzir seu déficit em conta corrente provocando um enfraquecimento da libra em comparação ao dólar e o euro, o que mais uma vez os franceses não podem fazer por não ter sua própria moeda. Na verdade, é exatamente isso que o Reino Unido vem fazendo com sua política monetária: reduzindo para níveis mais competitivos a paridade das taxas entre a libra e o euro e a libra e o dólar.

Os déficits fiscais e os déficits em conta corrente da zona do euro são agora os sintomas mais óbvios do fracasso do euro. Mas a crise de crédito na Europa e a fraqueza dos bancos da zona do euro podem ser ainda mais importantes. O persistente diferencial nas taxas de desemprego na zona do euro é mais um reflexo do efeito adverso da imposição de uma moeda única e de uma política monetária única a um grupo heterogêneo de países.

Sem dúvida, o presidente Nicolas Sarkozy e outros políticos franceses não estão satisfeitos com a incapacidade da recente reunião de cúpula europeia em avançar na causa de uma maior integração política da União Europeia. Foram os membros do governo francês Jean Monnet e Robert Schuman que lançaram a iniciativa da união política europeia após a Segunda Guerra Mundial, com a conclamação para a criação dos Estados Unidos da Europa.

Os franceses tinham a criação do euro como um símbolo importante do progresso em direção a essa meta. Na década de 1960, Jacques Delors, então ministro das Finanças da França, defendeu a criação de uma moeda única com um relatório, "Um Mercado, Uma Moeda", que afirmava que o acordo de livre comércio europeu somente funcionaria se seus membros usassem uma única moeda.

Para os franceses, alcançar a união política europeia é uma maneira de reforçar o papel da Europa no mundo e o papel da França dentro da Europa. Mas esse objetivo parece mais difícil de ser alcançado agora, do que no começo da crise europeia. Ao criticar o Reino Unido e tentar aumentar os custos dos empréstimos para os britânicos, a França está apenas criando mais conflito entre ela e o Reino Unido, ao mesmo tempo em que cria mais tensões dentro da Europa como um todo.

Olhando adiante, conter a crise financeira da zona do euro não exige união política ou um compromisso de apoio financeiro da Alemanha. Depende dos países individuais da zona do euro - especialmente Itália, Espanha e França - fazerem mudanças nos gastos domésticos e tributação que venham a convencer os investidores financeiros globais de que eles estão caminhando para superávits fiscais e colocando suas relações de endividamento em relação ao PIB num caminho de queda.

A França deveria concentrar suas atenções nos problemas fiscais domésticos e na situação terrível de seus bancos comerciais, em vez de atacar o Reino Unido ou conclamar por mudanças políticas que não vão acontecer. (Tradução de Mario Zamarian)



Martin Feldstein é professor de economia da Universidade Harvard, foi presidente do Conselho de Consultores Econômicos do presidente americano Ronald Reagan e também do National Bureau for Economic Research. Copyright: Project Syndicate, 2011.



BBC News - What really caused the eurozone crisis?



 World leaders probably spent more time worrying about the eurozone crisis than anything else in 2011.




And that was in the year that featured the Arab Spring, the Japanese tsunami and the death of Osama Bin Laden. What's more, 2012 looks set to be not much different. But as eurozone governments hammer out new rules to limit their borrowing, are they missing the point of the crisis?



 
BBC News - What really caused the eurozone crisis?

BBC News - Eurozone debt web: Who owes what to whom?

BBC News - Eurozone debt web: Who owes what to whom?

quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

Mais um ano de oferta de etanol apertada no país


Valor 28/12
Após um ano de forte quebra na safra de cana-de-açúcar, oferta de etanol apertada e interferências relevantes do governo no mercado, o segmento sucroalcooleiro tem poucas perspectivas de mudança em 2012 por conta da estagnação de seu ritmo de crescimento. Apenas uma ou duas usinas novas deverão entrar em operação - na temporada 2008/09, auge da febre do etanol no país, foram 30 -, e a esperança é que as margens aumentem para que a expansão dos canaviais volte a ganhar impulso nos anos seguintes.

O etanol segue no epicentro dessa inércia, que começou com a crise mundial emergida em 2008. Intensivas em capital e com custos de produção elevados, as usinas ostentaram, nesta safra 2011/12, preços de etanol hidratado 33% mais elevados do que entre maio e dezembro de 2010, segundo o Cepea/Esalq, mas insuficientes para estimular novos investimentos.

"Esses preços remuneram quem já está no setor, mas não novos projetos", afirma Pedro Mizutani, vice-presidente da Raízen (Cosan / Shell), maior empresa produtora de açúcar e etanol do Brasil.

Apesar da oferta menor que a demanda potencial, os preços do hidratado esbarram, na alta, na relação de competitividade com a gasolina. Economicamente, o biocombustível é competitivo até seu valor chegar a cerca de 70% do que custa a gasolina - cujos preços têm sido mantidos estáveis pelo governo. Não há perspectiva de que esse cenário mude em 2012.

No caso do anidro, o governo arbitra oferta e demanda por meio da mudança na mistura do produto na gasolina, reduzida em outubro de 25% para 20% para evitar desabastecimento. "Ainda não temos nenhuma sinalização do governo sobre quando a mistura retornará para 25%", afirma Marcos Jank, presidente da União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Unica).



Assim, tanto os bancos que financiam o segmento como as indústrias que fabricam equipamentos para novas usinas continuam a registrar baixa demanda por novos projetos, situação que já perdura há cerca de dois anos.

A própria Raízen revisou seus planos de crescimento. A companhia previa atingir em 2020 capacidade para moer 100 milhões de toneladas de cana, ante as 65 milhões de toneladas atuais. Agora, reduziu a meta para 80 milhões, e a maior parte do volume adicional virá de reformas de usinas existentes.

O fato é que, neste momento, sobra usina e falta cana. A escassez de investimentos nos últimos anos fez aprofundar a diferença entre a capacidade industrial e o volume de matéria-prima disponível. Na atual safra, foram processadas 490 milhões de toneladas de cana no Centro-Sul, quando a capacidade instalada é para moer de 630 milhões a 650 milhões de toneladas.

As previsões mais otimistas para a moagem do ano que vem (safra 2012/13) indicam aumento de 8% a 10%, para cerca de 540 milhões de toneladas de cana.

A quebra de safra deste ano não foi compensada pelos preços altos do etanol e nem pelas cotações recordes de açúcar, que superaram os 30 centavos de dólar por libra-peso na bolsa de Nova York. Por isso, o faturamento e as margens foram menores do que as esperadas pelas usinas, que entrarão em 2012 sem redução de endividamento.

Segundo levantamento do Itaú BBA, a margem Ebitda (lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização) média do setor deve recuar de 30% para 29% nesta safra 2011/12. Na visão do banco, as empresas geraram caixa, mas o foco está no pagamento de juros das dívidas e investimentos para recuperar os canaviais.

O cenário de preços para este ano, sobretudo para açúcar, mostra-se claramente mais baixista, diz Mizutani, com a perspectiva de maior produção da commodity na Índia, Tailândia, Rússia e União Europeia. A consultoria europeia Czarnikow previu neste mês que o superávit global em 2012 será de 6,1 milhões de toneladas de açúcar. "Por isso, acredito que os preços ficarão entre 20 centavos e 24 centavos de dólar a libra-peso em Nova York", aposta o executivo da Raízen.

Já para os preços do etanol hidratado, Mizutani prevê cotações firmes, puxadas pela demanda crescente alimentada pelo aumento da frota-flex. Ele acredita que o consumo interno de hidratado vai crescer entre 2 bilhões e 3 bilhões de litros no ano que vem.
Apesar da estagnação do segmento sucroalcooleiro, que em 2011 teve a primeira retração em uma década - e que neste ciclo poderá avançar, mas sem se recuperar plenamente -, a condição de abastecimento de etanol, se bem monitorada, não deve trazer mazelas a partir de 2013, conforme o presidente da Unica.

Ainda que para 2012 esteja tarde, Marcos Jank acredita nos efeitos positivos de algumas medidas recentes anunciadas pelo governo para dirimir o problema no futuro: o financiamento da estocagem de etanol e a obrigatoriedade de as distribuidoras contratarem antecipadamente o anidro que vai ser misturado à gasolina. "Esses instrumentos darão mais segurança ao abastecimento", acredita Jank.

Ele criticou, no entanto, a medida anunciada ontem pelo governo, que torna possível o aumento da incidência da Cide no etanol. "Foi criada para evitar oscilação de preço ao consumidor final no pico de safra, mas vai é aumentar a carga tributária do biocombustível", afirma o presidente da Unica.

Essa medida vem justamente em um momento em que o que o segmento mais demanda, segundo Jank, é desoneração tributária do etanol. Segundo levantamento da Unica, os tributos representam atualmente 35% do valor da gasolina e 31% do preço do etanol hidratado. "Essa participação é quase igual, pois o etanol tem rendimento energético 30% menor do que o da gasolina", diz Jank.

Ele diz que um dos desafios de 2012 será criar uma interlocução mais direta com a cúpula do governo para discutir a desoneração tributária do etanol. "Tem que haver desoneração do PIS/Cofins para o etanol e não somente da cana, como ouvimos dizer que haverá".


Novos desafios do mundo exigem novas respostas




Por José Graziano da Silva - Valor 28/12

Vivemos uma transição. Velhas respostas não aderem mais às novas perguntas. Há urgências que dependem crucialmente de uma travessia. A fome é a mais premente entre elas.

A segurança alimentar pode ser uma das velas da baldeação que o mundo reclama, rumo a um desenvolvimento mais justo e sustentável, a salvo da desordem financeira atual.

Para 1/7 da humanidade o lugar da crise é o prato vazio; seu nome é insegurança alimentar.

Erguer pontes entre os extremos da incerteza requer, de um lado, dotar a iniciativa local da contrapartida de cooperação internacional que a revigore e amplifique. De outro, prover a capilaridade indispensável à governança global, hoje desprovida de canais de transmissão que lhe dêem legitimidade na vida das nações.

A primeira providência é acelerar a reforma dos mecanismos de cooperação, incluindo-se aí a estrutura da própria Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura, a FAO, cuja direção eu assumo em janeiro de 2012.

Fazer dessas instituições uma fronteira avançada da democracia e da nova governança global pressupõe, antes de mais nada, adotar a descentralização como seu idioma operacional obrigatório.

É o que buscaremos. A descentralização representa a alavanca mais realista para dar velocidade aos principais compromissos de nosso mandato: erradicar a fome; acelerar a transição rumo a modelos sustentáveis de consumo e produção de alimentos; promover regras mais justas no comércio de alimentos e, finalmente, reforçar a cooperação Sul-Sul, que se soma à indispensável parceria Norte-Sul.

Cada um desses pilares requer uma contrapartida democrática de coordenação entre a esfera local e a global. Esse lócus precisa ser construído. Sua inexistência explica em grade parte um dos maiores déficits evidenciados pela crise: o déficit de democracia diante da nova morfologia do mercado e da sociedade em nosso tempo.

Não se trata de escolher uma bala de prata, mas de um método que incentive as iniciativas nacionais de fomento agrícola e combate à fome, ao mesmo tempo em que contempla o vazio global de planejamento e participação, realçado pela desordem financeira mundial. A boa notícia é que não partimos do zero. Existe um ordenamento de prioridades sendo construído pela FAO em parceria com os governos, a sociedade civil e os movimentos sociais.

Nossa gestão será construída sobre o saldo desse acervo e os imperativos do futuro. Milhões de vidas em risco e nações em transe dependem do passo seguinte da história. Um número expressivo de países pobres enfrenta redobradas dificuldades para avançar na luta contra a fome e a miséria em meio a uma crise que promete ser longa, corrosiva e abrangente. A Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agriculturanão pode dispensar a esses países outro tratamento que não seja a prioridade máxima. É o que faremos.

As três principais turbinas do mundo rico - Europa, EUA e Japão - foram comprometidas. Juntas, elas representam mais de 70% do PIB mundial.

Sem desobstruir a dupla pista da cooperação, feita de capilaridade local e articulação global, as nações mais pobres serão as mais afetadas. Os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM), que tem na segurança alimentar seu eixo seminal, patinam nesse ambiente inóspito.

Nosso desafio é desobstruir rotas e arregimentar energias para revigorá-las. Com sua experiência reconhecida na área de segurança alimentar, o Brasil deve equipar-se institucionalmente para fazer desse trunfo o principal eixo de uma política revigorada de cooperação internacional.

A Agência Brasileira de Cooperação (ABC) reclama maior estrutura: seu orçamento de US$ 60 milhões/ano é 100 vezes inferior ao de similares, como o espanhol e o holandês e 500 vezes menor que o americano. Não se trata de uma gincana, mas de prover meios para intensificar a transferência de conhecimento em áreas onde temos reconhecida liderança.

A Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) deve acelerar sua internacionalização como o maior centro de agricultura tropical do planeta. Para isso precisa se dispor a fazer não apenas cooperação científica com escritórios no Japão, França e Estados Unidos, mas também cooperação técnica com presença compatível com as prioridades da política internacional brasileira para a África, Caribe e America Latina.

O Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), não deve subestimar sua experiência ímpar na construção do principal alicerce da luta contra a fome: a participação da cidadania. A Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) e outros organismos afins não podem mais relevar estruturas condizentes com a responsabilidade internacional do país.

A representatividade ampliada do Comitê de Segurança Alimentar Mundial, composto de governos, cientistas, organizações da sociedade civil e lideranças sociais cuidará de levar a "escuta forte", sobretudo das nações mais pobres, para o interior da FAO. Mais que isso, trata-se de reforçar uma cultura de responsabilidade histórica para assegurar a destinação maciça de recursos humanos e orçamentários às tarefas prioritárias. Hoje, mais que nunca, a estrutura não pode sobrepor-se à atividade fim.

Não são palavras lançadas ao vento. A concepção do nosso mandato obedece à evidência incontornável de que a superação da crise cobra um amplo engajamento na construção de um novo regulador capaz de reconciliar o crescimento e a sociedade em nosso tempo: a justiça social. Somos realistas na escolha: utopia é acreditar que haverá solução para a economia à margem da sociedade. Confiamos no apoio do bom senso engajado para que os nossos compromissos se enlacem ao mundo por meio da ação.



José Graziano da Silva é diretor-geral eleito da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO na sigla em inglês)

Um negócio da China



Por Adriana Erthal Abdenur - Valor 28/12

Desde o início das reformas econômicas lançadas por Deng Xiaoping, que abriram a economia ao capital estrangeiro, a China estende o tapete vermelho a empresas estrangeiras para que se estabeleçam em solo chinês. Ainda nos anos 80, o governo passou a oferecer incentivos fiscais, administrativos e regulamentares para que tais empresas disfrutassem de baixos custos de operação e pudessem contornar a burocracia rígida da China. Os reformistas esperavam que as joint ventures, as fábricas e escritórios de empresas estrangeiras alavancassem o crescimento econômico do país, alimentando a transferência de know-how e tecnologia. A aposta foi arriscada, mas deu certo: graças em parte à entrada desse capital, o PIB chinês rapidamente alcançou os dois dígitos.

Dentre esses incentivos constava uma carga tributária empresarial diferenciada e bastante vantajosa para as empresas estrangeiras. Até poucos anos atrás, empresas chinesas pagavam 33% do imposto sobre renda, ao passo que as estrangeiras pagavam apenas 15%. Nas Zonas Econômicas Especiais, empresas de fora do país também disfrutavam de dois anos de isenção total de impostos e três anos de isenções parciais. Essas medidas permitiram a entrada de investimentos que fomentaram uma economia híbrida, levando a grandes transformações nos centros industriais.

Nos últimos meses, diante da competição cada vez mais acirrada entre empresas domésticas e estrangeiras, o governo chinês parece estar revendo a relação custo-benefício dessas políticas preferenciais. Em alguns setores, a consolidação de empresas estrangeiras em território chinês começa a ameaçar a expansão das concorrentes nacionais, que também têm que arcar com os custos de uma mão de obra cada vez mais cara. Com isso, a China trata de nivelar o campo de jogo, reduzindo as vantagens outrora conferidas as empresas estrangeiras. Essas medidas sinalizam uma reorientação da economia chinesa, assim como previsto no último Plano Quinquenal, divulgado em março deste ano. Ao aumentar os impostos empresariais, a China começa a alterar o papel das empresas estrangeiras no seu modelo de desenvolvimento.

Já há indícios de que a estratégia de favorecimento, pelo menos nos setores de menor valor agregado, passa por uma redução gradual, porém significativa. Algumas mudanças já atingem a estrutura tributária. Mês passado, a China aumentou os impostos pagos por empresas que contratam estrangeiros, assim como aqueles pagos pelos próprios funcionários estrangeiros. De acordo com as novas regras, essas empresas - sejam elas chinesas, estrangeiras ou joint ventures - ficam sujeitas a cinco novas categorias de imposto - entre as quais, previdência social e licença maternidade. Estima-se que, sob as novas regras, a carga tributária dessas empresas irá alcançar os 37%, sendo que funcionários estrangeiros deverão contribuir cerca de 11% do salário.

Quais as consequências dessas mudanças? Em primeiro lugar, as novas regras irão afetar empresas estrangeiras desproporcionalmente, já que estas tendem a contratar mais estrangeiros do que as chinesas. Em geral, a medida irá aumentar o custo de fazer negócios na China, especialmente para aquelas que atuam no setor de manufaturados e produtos de baixo valor agregado, onde o custo da mão de obra pesa mais.

Além de aumentar a receita dos impostos, a medida visa fomentar a competitividade das empresas chinesas, já que nivela a tributação. Por enquanto, a lei não deve surtir grande efeito sobre as empresas brasileiras que já estão lá - é que boa parte atua em setores de produtos de maior valor agregado, como aviação e automóveis. No entanto, esses novos custos adicionais terão que ser levados em conta pelas empresas de menor porte, assim como por todas que pensam em ingressar no mercado chinês.)

Além desse aumento de impostos, outras medidas tendem a diminuir a diferença de tratamento entre as empresas. O governo vem ampliando a disponibilidade de empréstimos e linhas de financiamento para firmas chinesas de pequeno e médio porte, que até recentemente vinham sendo negligenciadas em comparação com as grandes estatais. A China também reduziu os impostos e subsídios voltados para pequenas empresas atuando nos setores prioritários - dentre eles, áreas de exportação, serviços e construção de moradia pública. Com essas medidas, o governo demonstra que aposta cada vez mais no dinamismo e na capacidade de inovação de uma nova classe de empresários nacionais.

Por outro lado, o governo trata de facilitar a entrada de empresas estrangeiras nos setores de serviços e de alta tecnologia, de acordo com a estratégia nacional de upgrading da economia. Ou seja: ao mesmo tempo que alguns tapetes são retirados, outros são esticados - a estrutura de oportunidades vai mudando. Para quem pensa em fazer negócios na China, é essencial acompanhar as regras do jogo.



Adriana Erthal Abdenur é coordenadora geral do Brics Policy Center e professora de Relações Internacionais da PUC-Rio.



abdenur@bricspolicycenter.org



terça-feira, 27 de dezembro de 2011

Captações externas caem 54% e somam US$ 16,5 bi no semestre

Valor 27/12

Com operações apenas pontuais, de grandes empresas e a custos mais elevados do que no passado, o mercado de captações externas não foi a melhor alternativa para as empresas e bancos brasileiros no segundo semestre do ano. A crise internacional elevou a aversão global ao risco e afastou os investidores dos papéis privados.

O volume de emissões de títulos e de empréstimos sindicalizados (com um pool de bancos) no segundo semestre deste ano somou US$ 16,5 bilhões, menos da metade dos primeiros seis meses do ano (US$ 35,7 bilhões), segundo levantamento do Valor Data, com dados até ontem.

A mudança de humor ocorreu durante o período de férias no Hemisfério Norte, entre julho e agosto, comprometendo a estratégia das companhias para a busca de recursos no exterior, cuja expectativa era bastante elevada no início do ano.

O ano, portanto, pode ser dividido em dois momentos distintos. Nos primeiros seis meses, as companhias correram para antecipar as operações e conseguiram trazer recursos em transações no exterior em ritmo até superior ao mesmo período de 2010 (alta de 20%). Mas a piora das condições na Europa e os problemas com o teto da dívida americana fecharam os mercados a partir de agosto deste ano.

Com isso, ao longo de todo ano de 2011, as captações externas foram responsáveis pela entrada de US$ 52,2 bilhões em títulos e empréstimos, uma queda de 16,9% sobre o volume do ano anterior (US$ 62,8 bilhões).

O aumento da aversão ao risco não foi direcionado ao Brasil. Ao contrário, as empresas brasileiras de primeira linha continuaram com acesso a funding externo, mas os custos mais elevados afastaram as companhias, que com o caixa cheio preferiram esperar um melhor momento - que ainda não veio. O resultado foi um volume de captações bem menor ao redor do globo, com prêmios de riscos mais elevados.

Dois segmentos foram particularmente afetados e comprometeram boa parte das empresas brasileiras. O primeiro deles foi o acesso das companhias de risco mais elevado ao mercado externo de bônus. Somente companhias com grau de investimento conseguiram captar recursos no segundo semestre, como a Petrobras ou a Eletrobras.

Segundo Robert Carlson, diretor de mercado de capitais do Barclays Capital, operações de empresas com risco mais elevados ainda dependem de uma menor volatilidade dos mercados, mas podem acontecer em 2012. "Se houver um período maior de estabilidade, pode acontecer uma volta rápida."

O segundo aspecto que prejudicou empresas brasileiras é que muitas esperavam por uma oportunidade para buscar recursos com a emissão de papéis em reais, algo que se mostrava como uma opção para setores que não têm receitas em dólares. Mas esse segmento de mercado também fechou nos últimos meses, devido à volatilidade das moedas em meio ao temor com o euro e a fuga para a qualidade do dólar.

Somente a Brasil Telecom conseguiu colocar títulos em reais em setembro, em meio ao processo de desvalorização da moeda brasileira - que saiu de um patamar ao redor de R$ 1,6, em agosto, para oscilar na casa de R$ 1,8 nos últimos três meses.

Outra dificuldade foi o custo. Segundo dados da Anbima, o custo nominal das emissões ficou em nível menor do que nos anos anteriores - com cupom médio na casa de 6,7% ao ano. Mas o prêmio de risco subiu. O chamado "spread" - diferença em relação ao título americano de mesmo vencimento - apresentou alta para praticamente todas as operações de empresas brasileiras.

Mas como pondera Alexei Remizov, diretor-gerente de mercado de capitais do HSBC, como os títulos americanos estão num dos patamares mais baixos da história, o custo nominal para a empresa se mantém atrativo.

Leandro Miranda, diretor de renda fixa do Bradesco BBI, pondera ainda que no caso da operação da Petrobras em euros e libras, o objetivo era mais estratégico, já que a companhia precisa ampliar mercados e diversificar suas fontes de captação de recursos para fazer frente ao seus planos de investimentos.

As operações de empréstimos sindicalizados, aquelas realizadas por um pool de bancos, também sofreram no ano. Antes da crise se agravar na Europa, esse tipo de transação era feita, em geral, com a participação de bancos europeus, hoje muito mais seletivos em razão de suas dificuldades de funding em dólar.

Até em função disso, José Olympio Pereira, corresponsável pelo banco de investimentos do Credit Suisse no Brasil, acredita que as multinacionais podem começar a olhar o país como uma alternativa de captação. O fluxo de recursos poderia ocorrer no caminho inverso, com as subsidiárias tomando empréstimos por aqui para enviar para a matrizes na Europa. Ele citou como exemplo empresas italianas, que poderiam iniciar esse processo em 2012.

Na verdade alguns bancos brasileiros já realizaram financiamentos no exterior. O Banco do Brasil, por exemplo, participou de um empréstimo sindicalizado para a Fiat na Itália, no fim do ano.

A silenciosa preparação para o fim do euro



Por Sara Schaefer Muñoz
The Wall Street Journal, de Londres
 
Com a intensificação da crise da dívida da zona do euro nos últimos meses, pelo menos dois bancos multinacionais tomaram medidas para instalar sistemas eletrônicos de reserva capazes de lidar com as antigas moedas europeias, como a dracma grega, o escudo português e a lira italiana.

Mas fazer isso, como os bancos logo descobriram, não é tão fácil em um mundo financeiro que está tentando, ao mesmo tempo, mostrar confiança no debilitado euro e - por precaução - fazer planos para o possível desaparecimento da moeda comum.

Executivos de tecnologia nesses bancos contataram a Swift, cooperativa sediada na Bélgica que administra a rede utilizada nas transações financeiras internacionais, disseram pessoas a par do assunto. Os bancos queriam o apoio tecnológico da Swift e os códigos das várias moedas que seriam necessários para criar sistemas de becape.

Mas a Swift se recusou a dar algumas informações para esses planos e não revelou se os antigos códigos poderiam ser usados no sistema, disseram as pessoas a par do assunto.

Isso ocorre, em parte, porque os diretores da cooperativa temiam que divulgar as informações poderia alimentar mais dúvidas e instabilidade na zona do euro, segundo essas pessoas.

É um revés relativamente pequeno para os bancos, que agora estudam as mais diversas possibilidades, que vão desde contratos de empréstimos até a segurança dos funcionários de suas filiais, caso algum país decida se retirar do euro.

Mas é um exemplo dos obstáculos que os políticos, bancos e empresas europeias têm que enfrentar à medida que tentam se preparar para uma quebra da zona euro e, ao mesmo tempo, aplacar os temores do mercado.

"Assim que você começa a planejar para essa eventualidade [...] isso pode gerar conclusões precipitadas", disse Alastair Newton, analista político sênior da Nomura PLC. "Mas se as coisas derem errado e você não tiver um plano de contingência pronto, você estará em apuros."

O planejamento ocorre em um momento em que a ideia de uma ruptura da zona do euro ainda é mal vista por muitos.

O presidente do Banco Central Europeu, Mario Draghi, disse recentemente que essas especulações sobre o fim do euro são "mórbidas". Mas tanto governos como empresas e firmas financeiras vêm intensificando discretamente seus planos, nas últimas semanas, para se preparar para a pior das hipóteses. A Autoridade dos Serviços Financeiros britânica, agência de fiscalização dos bancos do Reino Unido, enviou cartas aos principais bancos do país pedindo informações atualizadas sobre seu nível de preparação. Um diálogo semelhante já foi iniciado entre os bancos e as agências reguladoras nos Estados Unidos nas últimas semanas, disseram pessoas a par do assunto.

O Ministério das Relações Exteriores do Reino Unido já começou a fazer planos de contingência para evacuar cidadãos britânicos da Espanha e Portugal, caso haja um colapso bancário nesses países, disse uma pessoa a par do assunto. Mostrando preocupação em não causar pânico, um porta-voz não quis dar nenhum detalhe, dizendo apenas que o Ministério está sempre se preparando para todo tipo de eventualidade.

Em outro sinal dos temores crescentes, algumas multinacionais com atividades na Grécia e em outros países no sul da Europa começaram a tirar seu dinheiro da Grécia quase diariamente - em comparação com o intervalo normal de duas semanas -, como precaução contra uma súbita desvalorização caso alguma moeda seja ressuscitada, disse um banqueiro a par das atividades das empresas.

Preparar seus sistemas para lidar com as antigas moedas europeias é uma das medidas que os bancos estão tomando para se proteger contra grandes interrupções em suas atividades, caso algum país saia de repente da zona do euro. As moedas têm códigos de três letras - tais como USD para o dólar americano - que os bancos usam em uma ampla gama de transações financeiras, de operações complexas feitas por bancos de investimentos até básicas transferências de recursos. Os códigos são determinados pela Organização Internacional para Padronização, com sede em Genebra, e usados pela Swift, cooperativa que formata e manda as ordens de pagamentos para cerca de 10.000 instituições em mais de 200 países.

Uma dúvida que os bancos têm, e que até agora não conseguiram esclarecer, é se os códigos que deixaram de ser usados, como GRD para a dracma grega, valerão no sistema atual da Swift. Um porta-voz da Swift disse que a empresa está preparada para tomar quaisquer medidas necessárias para manter as operações normais, mas que "não é apropriado neste momento que a Swift comente sobre questões especificamente associadas à zona do euro."

Se uma nova moeda surge, ela fica a cargo da agência de manutenção afiliada à Organização Internacional para Padronização. Um porta-voz dessa agência, a SIX Interbank Clearing Ltd., disse que o grupo tem vários projetos para "cenários calamitosos", mas que os planos de contingência para tais situações até o momento são sigilosos.

Uma vez que um banco saiba qual é o código, será relativamente simples criar um programa para aquela nova moeda, de acordo com especialistas em tecnologia. O banco precisará, então, ajustar sua infraestrutura para o volume esperado e garantir que os dados relativos aos bancos correspondentes estejam corretos. O sistemas precisarão, então, ser modificados e testados, disse um executivo do setor de tecnologia de um banco em Londres, um processo que leva de uma a duas semanas.

Choque externo e munição do Brasil



Por Assis Moreira - Valor 27/12

De seu posto privilegiado de diretor-executivo do Brasil e mais oito países no Fundo Monetário Internacional (FMI), Paulo Nogueira Batista Júnior não esconde o pessimismo com as perspectivas econômicas para 2012. Ele nota que o choque externo é recessivo e deflacionário (os preços dos produtos estão arrefecendo). Os riscos vêm da zona do euro, dos Estados Unidos e da China.

O cenário internacional piorou, mas "por enquanto" para o Brasil ele acha que não chega a ser tão grave como foi na crise de 2009. Ele nota que a desaceleração econômica muito forte que o país está vivendo foi induzida por políticas domésticas. As medidas para desaquecer a economia surtiram o efeito esperado desde o começo do ano. O que não estava previsto era que isso fosse coincidir com o agravamento tão forte da crise da zona do euro.

Agora, o país tem oportunidade de reativar a economia, conter a trajetória de alta da inflação e melhorar o mix da política econômica, avalia o economista, frisando que fala em nome pessoal. Para ele, o governo não usou ainda nem a metade da munição de que dispõe para conter o choque externo recessivo e deflacionário. Cita como munição os depósitos compulsórios altos, reservas internacionais elevadas, juros reais entre os maiores do mundo e medidas de controle de crédito que podem ser atenuadas ao longo de 2012.

O problema mais grave da economia mundial continua a ser a zona do euro. E, ao contrário da esperança de certas autoridades em Brasília, o representante do país no FMI está entre os que não excluem o cenário de quebra total e desorganizada da união monetária europeia nos próximos meses. "Infelizmente não podemos excluir o pior na zona do euro, basta ver a sucessão de cúpulas de líderes sem solução convincente para os problemas e suas repercussões internacionais", diz ele.

O risco é enorme, não só porque a crise na Europa é complicada, como também pelo seu tamanho, como segundo bloco econômico do mundo, e implicações econômicas, financeiras e comerciais para o resto do planeta. Paulo Nogueira observa que as decisões que vêm sendo tomadas pelos líderes europeus não são as mais urgentes. A casa está pegando fogo e propaga a destruição, mas os líderes continuam discutindo sobre a solidez da casa que virá depois do incêndio.

A crise da zona do euro termina o ano muito mais profunda e preocupante do que começou e parece difícil que nos próximos 12 meses as autoridades europeias continuem o jogo de empurra. O consenso entre analistas é de que 2012 será um ano decisivo. Ou os líderes europeus finalmente produzem a chamada "bazuca" para solucionar a crise, ou a zona do euro vai cessar de existir na sua forma atual. Outros analistas creem mais na primeira possibilidade. O Banco Central Europeu (BCE) termina o ano com ações mais decisivas, como os quase € 500 bilhões para os bancos, a fim de evitar o estrangulamento de crédito. E um diretor do banco, que está saindo, o italiano Lorenzo Bini, chegou agora a defender uma política monetária quantitativa, ou seja, imprimir dinheiro para comprar dívida pública diretamente dos governos.

A atenção global deverá permanecer focada nos eventos da zona do euro no primeiro semestre. E o Instituto Internacional de Finanças (IIF), que representa os maiores bancos do mundo, sugere que no ano do "vai ou racha" deve-se seguir atentamente quatro "R's" na zona do euro:

1) Recessão: a região tem que enfrentar as implicações econômicas e financeiras da recessão que está a caminho e que causa mais pressões sobre os orçamentos e qualidade dos ativos dos bancos;

2) Refinanciamento: o tamanho do refinanciamento em 2012 para bancos e países é gigantesco, bem acima de US$ 1 trilhão. Todos os grandes países europeus continuarão tendo acesso ao mercado nos próximos meses, pagando a taxa que for necessária para vender seus títulos de dívida. O apoio financeiro oficial deve ocorrer também;

3) Reformas: a rápida passagem da reforma fiscal, acertada em dezembro, para um tratado emendado é um projeto ambicioso para o primeiro trimestre, que deixa a região vulnerável a turbulências políticas imprevisíveis;

4) Reestruturação: a redução da dívida da Grécia em quase 50% precisa ser completada durante o primeiro trimestre, já que o país enfrenta enorme volume de pagamentos em março. Alguns bancos, como o Barclays, veem aumento considerável do risco de "evento de crédito" no primeiro trimestre, ou seja, calote grego.

Para Paulo Nogueira Batista Júnior, o segundo grande risco para a economia mundial são os Estados Unidos. Além da recuperação econômica frágil, o conflito político acirrado entre republicanos e democratas é muito grave e paralisa as decisões políticas, inclusive sobre manutenção de estímulos para a retomada da atividade. Para ele, as dificuldades de coordenação entre os partidos políticos nos EUA são quase tão grandes quanto os problemas de cooperação na zona do euro para sair da crise atual.

O terceiro risco, mas difícil de melhor avaliação, é a China, com implicações especialmente fortes para o Brasil. Fala-se muito no risco de pouso forçado. Mas a China deve crescer pelo menos 8%, na avaliação de boa parte de analistas.

Para completar, haverá eleições presidenciais na França e nos EUA e a gradual passagem de poder na China, com importante impacto na economia, pois estreita ainda mais a margem para decisões que deveriam ser prioritárias tanto a nível nacional como global.

Raramente um ano começa com nuvens tão carregadas.



Assis Moreira é correspondente do Valor em Genebra.

segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

Taxa interbancária chinesa dispara



Por Simon Rabinovitch
Financial Times, de Pequim

O salto nas taxas do mercado financeiro de curto prazo chinês na semana passada evidencia a liquidez apertada que em breve poderá estimular Pequim a baixar novamente as exigências de reservas bancárias das instituições financeira.

Com evidências também de saídas sustentadas de capital, o forte salto das taxas interbancárias, de baixos patamares no início deste mês, focou os holofotes de volta na tentativa do banco central de flexibilização da política monetária.

Alguns analistas acreditam que o BC precisa agir mais agressivamente para evitar uma aterrissagem brusca da economia chinesa. A taxa de recompra em sete dias, indicador mais importante de liquidez interbancária, subiu cerca de 65 pontos base, na semana passada, sendo esse o maior aumento em quase dois meses.

Numa indicação de que os bancos esperam que as condições fiquem ainda mais apertadas no ano que vem, a taxa de recompra em 14 dias, que matura em 2012, subiu cerca de 195 pontos base na semana passada.

As taxas no mercado financeiro de curto prazo estão, sob alguns aspectos, mais apertadas do que no fim de novembro, quando o Banco Popular da China reduziu pela primeira vez em três anos a parcela dos depósitos que os bancos precisam manter em reserva.

Essa foi a mais clara iniciativa de alívio monetário tomada pelo banco central desde quando o crescimento e a inflação desaceleraram fortemente no quarto trimestre.

A decisão inicial de baixar as reservas obrigatórias tomou muitos investidores e analistas de surpresa, mas é amplamente esperada uma segunda decisão no mesmo sentido nas próximas semanas ou mesmo dias.

Economistas preveem que a China terá de cortar as exigências de reservas em até seis vezes, até meados do próximo ano, para dar sustentação à economia.

Saídas de capital contribuíram para a urgência. As compras de moeda estrangeira por bancos comerciais chineses caíram pelo segundo mês consecutivo, em novembro, um sinal que, acreditam muitos analistas, é a melhor indicação de dinheiro deixando China.

Dois meses seguidos de saídas de capital "nunca aconteceram antes", disse Qu Hongbin, economista do HSBC. "Como resultado, acredita-se que o banco central tomará medidas decisivas nos próximos trimestres".
O banco central, temendo alimentar uma volta da inflação, tem sido extremamente cauteloso em sua flexibilização. A todo momento, o BC diz que a política monetária no próximo ano será "prudente", e não acomodatícia.

O BC recorreu, efetivamente, a operações no mercado aberto para absorver uma grande quantidade de reservas de moeda após ter rebaixado as exigências de capital dos bancos, três semanas atrás. Ao fazê-lo, o BC, na prática, esvaziou cerca de metade do impacto do corte de reservas exigidas dos bancos.

A alta das taxas de juros cobradas pelo mercado financeiro de curto prazo é em parte reflexo de fatores sazonais, porque os bancos cortaram os empréstimos de fim do ano e as empresas querem ter mais dinheiro para pagar salários e suas contas.

Mas a redução das alocações orçamentárias governamentais nesta época do ano deverá atuar no sentido oposto, ampliando a liquidez, de modo que o fato de as taxas interbancárias estarem tão altas sugere a necessidade de mais flexibilização.

O futuro e a composição do consumo



Por Carlos Lessa - Valor 26/12

Palavras que contêm significados positivos e simpáticos são frequentemente deslizadas de seu uso tradicional para, mediante a ampliação de sua "cobertura", melhor "vestir" atos e comportamentos. Tais deslizamentos servem de disfarce. Há um velho provérbio turco que diz: "Se quereis vender um corvo, pinte-o de rouxinol".

A palavra produto sugere algo material e útil; tem, associada, a ideia de produtividade. A palavra serviço é menos estimada. Assisti os bancos fazerem uma operação de metamorfose, deixando de prestar serviços e passando a oferecer "produtos". A palavra investimento foi utilizada por gerações de economistas para descrever a decisão de ampliar, modernizar ou criar nova capacidade de produção. Como a geração de emprego e renda está associada ao investimento, a ideia de adiar para o futuro decisões de gozar no presente a renda obtida sustentou o mérito da poupança. A construção do primado e da precedência da poupança sobre o investimento associa a geração de emprego e renda à decisão precedente de poupar. Na verdade, o investimento como decisão de ampliar a capacidade de produção deriva de uma afirmação soberana do Estado (por exemplo, criando fontes de energia, aperfeiçoando sistemas de transporte, defendendo a saúde e o acesso aos bens culturais aos cidadãos, etc.) ou da decisão privada de preservar ou ampliar a fatia de mercado.

Houve uma apropriação vulgar da palavra investimento. Ao comprar um imóvel, uma ação ou qualquer um dos múltiplos instrumentos financeiros, utiliza-se a palavra investimento. Normalmente, trata-se da compra e venda de algo preexistente, seja uma construção de anos passados, seja a fração da capacidade produtiva já instalada por uma empresa ou, a partir de metamorfose, ao que represente dívida de alguém (Estado, família ou empresa). É uma aplicação financeira, que pode ter sido realizada em busca de um rendimento no futuro ou de um ganho na compra e venda do ativo - neste último caso, trata-se de uma aplicação financeira especulativa. Encobrir tudo isso com a palavra investimento não garante novos empregos ou maior renda para a economia nacional; pode, inclusive, ser o detonador de uma crise com depressão e geração de desemprego e decrescimento da atividade produtiva.

Para um debate sobre perspectivas brasileiras, é útil deslocar o olhar para o consumo privado. Pensemos num alface, num automóvel, numa nova construção e numa aula de conhecimento geral. O pé de alface desaparece ao ser consumido; o automóvel se desgasta ao longo de anos de uso; a nova construção é bem mais duradoura e, provavelmente, o solo que ela ocupa será valorizado ao longo de sua vida útil; se a aula for assimilada, o cidadão terá melhorado seu nível de conhecimento. Tanto o alface quanto o automóvel, a nova construção e o serviço de educação, ao serem produzidos, geram renda e emprego. Tanto o alface quanto o automóvel podem ser importados, porém é melhor para o Brasil que sejam produzidos internamente (ver num supermercado uma salada de alface pré-preparada importada do exterior sugere um desperdício e um esnobismo de algum consumidor que goste de se exibir). No caso do carro importado, é patente a vontade de ser diferente e superior ao motorista do carro fabricado no Brasil.

Ambas as importações atendem a consumo supérfluo e de pouca prioridade para o desenvolvimento da sociedade brasileira. No caso da nova construção, a maioria dos materiais (areia, saibro, madeira, pedra, tijolo) é produzida em local próximo ao canteiro de obras; cimento, ferro e madeira, provavelmente, em território nacional; talvez alguma ferragem ou material cerâmico decorativo seja importado, porém, provavelmente, é produzido no país. A aula assimilada pelo cidadão, tenha sido disponibilizada no país ou fruída no exterior, será relevante se a atividade do cidadão for benéfica para o corpo social nacional. Tanto o alface como o automóvel e a nova construção exigem do consumidor um pagamento ao produtor. O serviço educacional pode ser gratuito (se a sociedade tiver ensino público universal gratuito), porém pode ser comprado de uma empresa que presta serviços de educação. O economista gosta de chamar serviços públicos de consumo público.

As implicações do consumo sobre a dinâmica familiar são variadas. O alface alimenta e melhora o processo digestivo; o automóvel dá o prazer do auto-deslocamento e o desprazer dos congestionamentos, porém exige de seu usuário compra de combustível, lubrificantes, peças de reposição, pagamentos de impostos, seguros, pedágios e gratificações aos flanelinhas, por vezes importantes despesas ligadas a consertos e reparações mas, ao envelhecer, o automóvel perde valor. A nova construção permite melhoria habitacional; impõe despesas, porém reduz o gasto de aluguel e tudo se passa como se, ao longo da vida, estivessem sendo acumulados os aluguéis, formando um patrimônio central para a vida familiar. A aula, se bem assimilada, permite uma melhoria da existência do cidadão, quer pela convivência, pela integração social ou pela vida cultural, quer pela atividade profissional.

"É um erro estimular o endividamento de famílias sem residência à compra com longas prestações, juros embutidos e novas despesas imprevistas de produções de empresas existentes no país, mas que importam componentes e remetem lucros para o exterior."



É extremamente importante perceber os empregos, as oportunidades e as consequências dos tipos de consumo. Obviamente, para a integração nacional, multiplicação de empregos e disseminação de atividades, a nova construção tem méritos indiscutíveis: fortalece o mercado interno e cria bases para futuras produções de móveis, eletrodomésticos etc; é, por seus efeitos dinâmicos, preferível à compra de automóveis.

A cadeia produtiva da construção é predominantemente nacional e não pressiona a capacidade para importar, a não ser que cresçam, virtuosamente, a siderurgia, a indústria de cimento, a cerâmica fina, a indústria química, etc. Neste caso, o país estará importando máquinas para ampliar sua capacidade interna de produção e não gastando divisas com importações esnobes.

Para a família, do ponto de vista patrimonial, o resultado da aquisição de um imóvel é radicalmente diferente. É um erro estimular o endividamento de famílias sem residência à compra com longas prestações, juros embutidos e novas despesas imprevistas de produções de empresas existentes no país, mas que importam componentes e remetem lucros para o exterior.

Em tempo: não compre mercadorias feitas na China neste fim de ano!


Carlos Francisco Theodoro Machado Ribeiro de Lessa é professor emérito de economia brasileira e ex-reitor da UFRJ. Foi presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social - BNDES. E-mail: carlos-lessa@oi.com.br.

O poder de viver na verdade



Por Jeffrey D. Sachs

A maior carência do mundo não é de petróleo, água limpa ou alimentos, mas de liderança moral. Ao assumir um compromisso com a verdade - científica, ética e pessoal - uma sociedade pode superar muitas crises de pobreza, doença, fome e instabilidade que nos confrontam. Mas o poder abomina a verdade e a combate implacavelmente. Assim, façamos uma pausa para expressar gratidão a Václav Havel, que morreu neste mês, por permitir que uma geração conquistasse a oportunidade de viver na verdade.

Havel foi um líder fundamental dos movimentos revolucionários que culminaram em liberdade na Europa Oriental e, 20 anos atrás, neste mês, no fim da União Soviética. As peças, ensaios e cartas de Havel descreveram o embate moral no empenho de viver honestamente sob ditaduras comunistas da Europa do Leste. Ele arriscou tudo para viver na verdade, como ele caracterizava sua vida - honesto consigo e heroicamente honesto em face do poder autoritário que reprimiu a sociedade e esmagou a liberdade de centenas de milhões.

Ele pagou caro por essa escolha, passando vários anos na prisão e outros mais sob vigilância, perseguição e censura a seus textos. Apesar de tudo, o fulgor da verdade se disseminou. Havel deu esperança, coragem e ousadia a uma geração de seus compatriotas. Quando a teia de mentiras entrou em colapso em novembro de 1989, centenas de milhares de tchecos e eslovacos saíram às ruas para proclamar sua liberdade - e conduzir o dramaturgo proibido e preso ao Castelo de Praga como recém-eleito presidente da Tchecoslováquia.

Eu, pessoalmente, testemunhei o poder de viver na verdade, naquele ano, quando a liderança do movimento Solidariedade, da Polônia, pediu-me que ajudasse na transição para a democracia e para a economia de mercado. Eu conheci e fui profundamente inspirado por muita gente na região que, como Havel, viveu na verdade: Adam Michnik, Jacek Kuron, Bronislaw Geremek, Gregorsz Lindeberg, Jan Smolar, Irena Grosfeld e, claro, Lech Walesa. Esses bravos homens e mulheres, e aqueles que, como Tadeusz Mazowiecki e Leszek Balcerowicz, que comandaram a Polônia tiveram êxito graças à combinação de coragem, inteligência e integridade.

O poder de dizer a verdade naquele ano criou uma sensação deslumbrante de possibilidades, pois provou a reversão de um das mais recalcitrantes hegemonias na história: a dominação soviética sobre a Europa Oriental. Michnik, como Havel, irradiava a alegria da verdade sem medo. Perguntei-lhe, em julho de 1989, quando o regime comunista polonês já estava se esgarçando, quando a liberdade chegaria a Praga. Ele respondeu: "Até o fim do ano". "Como você sabe?" indaguei. "Acabei de me encontrar com Havel nas montanhas", disse ele. "Não tenha medo. A liberdade está a caminho." Sua previsão estava certa, é claro, com um mês de antecedência.

Assim como mentiras e corrupção são contagiosas, também a verdade moral se dissemina de um paladino a outro. Havel e Michnik puderam ter sucesso em parte por causa do milagre de Mikhail Gorbachev, o líder soviético que surgiu de um sistema envenenado, mas valorizava a verdade acima da força. E Gorbachev pode triunfar em parte devido ao puro poder da honestidade do seu compatriota, Andrei Sakharov, o grande e destemido físico nuclear que também arriscou tudo para falar a verdade no império soviético - e que por isso pagou com anos de exílio interno.

A vida de Havel é um lembrete dos milagres que tal credo pode produzir, mas é também um lembrete do fato mais sombrio de que as vitórias da verdade nunca são definitivas. Cada geração precisa adaptar suas bases morais às condições constantemente cambiantes das mudança políticas, culturais, sociais e tecnológicas.

A morte de Havel acontece num momento de grandes manifestações na Rússia em protesto contra fraudes eleitorais, violência no Egito quando ativistas democráticos combatem militares profundamente enraizados no poder; revolta na China rural contra funcionários locais corruptos; e tropas de choque policiais desmantelando violentamente reuniões de protesto do movimento "Ocupar" nas cidades americanas.

Grande parte da luta, hoje - em toda parte - opõe a verdade à ganância. Mesmo que nossos desafios sejam diferentes dos enfrentados por Havel, a importância de viver na verdade não mudou.

A realidade contemporânea é de um mundo em que a riqueza se traduz em poder e em que o poder é usado para aumentar a riqueza pessoal às custas dos pobres e do ambiente natural. À medida que as pessoas que estão no poder destroem o ambiente, iniciam guerras sob falsos pretextos, fomentam a agitação social e ignoram o sofrimento dos pobres, parecem ignorar que elas próprias e seus filhos pagarão um preço pesado.

Muitas pessoas hoje desesperam-se quanto às possibilidades de mudança construtiva. No entanto, as batalhas com que nos defrontamos - contra poderosos interesses empresariais, implacáveis distorções de fatos por firmas de relações públicas e as mentiras incessantes de nossos governos - são uma sombra do que Havel, Michnik, Sakharov e outros enfrentaram ao se opor aos brutais regimes apoiados pelos soviéticos.

Em contraste com estes dissidentes titãs, temos à nossa disposição os instrumentos das mídias sociais para disseminar a mensagem, superar o isolamento e mobilizar milhões em apoio a reformas e renovação. Muitos de nós desfrutamos de proteções mínimas à liberdade de expressão e de reunião, ainda que duramente conquistadas, imperfeitas e frágeis. Porém, da mais profunda importância e consequência, também somos abençoados pela inspiração permanente da vida de Havel na verdade. (Tradução de Sergio Blum)



Jeffrey D, Sachs é professor de economia e diretor do Instituto Terra, na Columbia University. Ele também é Assessor Especial do Secretário-Geral da ONU para os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio.

quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

Afundando na "grande estagnação"



Por Martin Wolf  - Valor 21/12

O futuro não é o que costumava ser. Nem o presente. Esse é o tema de "The Great Stagnation" (A grande estagnação), de Tyler Cowen, da George Mason University.* O tema está em seu subtítulo: "How America ate all the low-hanging fruit of modern history, got sick and will (eventually) feel better". O livro é um modelo de texto popular: lúcido, conciso e provocador. Mas será o argumento verdadeiro? Se o for, o que poderia isso implicar?

"Os EUA estão em tumulto", afirma Cowen, "e nossa economia está nos deixando na mão". Ele cita o lento crescimento da mediana salarial a partir dos anos 1970, as ilusões da década de 2000 e a ausência de "criação líquida de novos empregos nesta última década". Além disso, "estamos diante de uma crise fiscal de longo prazo, impulsionada pelo custo cada vez maior de direitos sociais, nossa... dependência de endividamento e nossa vontade de ir empurrando as coisas, em vez de encarar a necessidade de pagar as contas".

Até aqui, o argumento é familiar. Mais nova é a explicação de Cowen para a situação dos EUA: "A economia americana beneficiou-se... de insumos ao alcance da mão pelo menos desde o século XVII, seja terra ociosa... trabalho de imigrantes ou novas e poderosas tecnologias. No entanto, durante os últimos 40 anos, quando os frutos maduros começaram a desaparecer, começamos a fingir que ainda estavam disponíveis. Foi isso o que deu errado".

O papel de insumos baratos e da importação de mão de obra no crescimento americano passado é claro. Mas Cowen acrescenta um ponto importante. Em 1900, apenas 6,4% dos americanos diplomavam-se em universidades; no fim dos anos 1960, 80%. Analogamente, até 2009, 40% dos jovens entre 18 e 24 anos já estavam matriculados em faculdades. Tornou-se muito mais difícil melhorar a qualidade da força de trabalho.

Boa parte da causa mais importante do crescimento econômico sustentado são as novas ideias. Infelizmente, as taxas de invenção e inovação também têm diminuído. O ponto alto foi o fim do século XIX e início do século XX, que produziu produtos químicos modernos e, portanto, fertilizantes artificiais; eletricidade e, portanto, o motor elétrico, luz, geladeiras, aspiradores de pó, aparelhos de ar-condicionado, rádios, vitrolas e a televisores; o motor de combustão interna e portanto o automóvel; aviões, produtos farmacêuticos e, não menos importante, a produção em massa. Tudo isso transformou vidas.

"Hoje, em contraste", argumenta Cowen, "além da aparentemente mágica internet, a vida material, em termos gerais, não é tão distinta do que era em 1953". Eu acrescentaria o computador e o telefone celular. Mas é difícil não concordar com que o fluxo de inovações fundamentais desacelerou. Hoje é mais difícil e mais caro inovar.

Para justificar seu pessimismo, Cowen cita a estagnação da renda familiar média a partir de meados dos anos 1970. Mas mudanças na distribuição de renda - um fenômeno nítido - moldam esse cenário. No entanto, dados sobre a renda per capita e sobre a "produtividade multifatorial", a parte do crescimento econômico não explicada por crescentes insumos de capital e de mão de obra - apoiam a tese de Cowen. No primeiro trimestre de 2007, o Produto Interno Bruto (PIB) real per capita foi 13% inferior do que teria sido se a tendência de 1947 a 1973 tivesse persistido. No terceiro trimestre de 2011, o PIB foi 22% menor. Num estudo aprofundado, Robert Gordon, da Northwestern University, conclui, analogamente, que o crescimento multifatorial de produtividade no setor empresarial não agrícola atingiu um pico na primeira metade do século XX e caiu entre 1972 e 1996**. O PIB, então, viveu um surto em maio à onda da "Nova Economia". Mas esse impulso se dissipou. É possível imaginar outro surto inovador com impacto na economia como um todo com origem em biotecnologia ou nanotecnologia. Mas, neste momento, isso não está ocorrendo.

É possível divergir da tese de Cowen em seus detalhes. Ele exagera o papel negativo de governo grande e subestima sua influência positiva. Mas o quadro mais amplo que ele desenha parece correto. Assim, o que a estagnação americana implica para o restante do mundo?

Cowen tira duas conclusões. A primeira é que "a política americana é muito difícil, num país sem muitos frutos maduros ao alcance das mãos". A segunda é que a explicação da crise financeira está em "pensarmos que éramos mais ricos do que efetivamente somos". Com efeito, ele acredita que os americanos demandaram, tanto coletiva como individualmente, o que não tinham condições de pagar. Pode muito bem ser verdade que o desejo de tomar tantos empréstimos e de resistir tanto a impostos mais altos e a contenção de gastos reflita o decepcionante aumento das rendas reais.

Agora consideremos o restante do mundo. Aqui podemos ver boas e más notícias. Uma boa notícia é que a grande maioria dos seres humanos vivem em economias distantes da fronteira econômica. O PIB real per capita chinês é cerca de um quinto dos níveis nos EUA e o da Índia é inferior a um décimo. Assim, melhorias em educação e adoção de conhecimentos já existentes proporcionam grandes oportunidades. A segunda boa notícia é que o potencial de incorporação de um número muito maior de pessoas em descoberta científica, invenção e inovação é também enorme. Pode ser cada vez mais difícil conquistar novos conhecimentos. Mas os recursos destinados a essa tarefa podem também ser muito maiores do que em qualquer momento anterior. A má notícia é que a era dos insumos baratos não está terminando não apenas para os EUA. O que antes era tratado como gratuito é caro.

Eu gosto desse livro: ele começa com teses provocativas e termina com um apelo a investimentos em ciência. Eu não concordo com tudo o que defende, longe disso. Mas é bom lembrar que existem histórias econômicas muito maiores do que o fracasso do mundo financeiro ou o apelo à austeridade. No longo prazo, nosso futuro depende de boas ideias. Pode não caber a nós determiná-las. Mas sempre estarão sujeitas à nossa influência.



* Dutton, Nova York, junho 2011.



** "Revisitando o crescimento da produtividade americana", março de 2010, www.nber.org.



(Tradução de Sergio Blum)



Martin Wolf é editor e principal comentarista econômico do FT.

É preciso reduzir importações "predatórias", afirma Dilma

Valor 21/12

A presidente Dilma Rousseff afirmou ontem em Montevidéu, na cerimônia de encerramento da cúpula do Mercosul, que os países do bloco precisam reduzir o que chamou de " avalanche de importações predatórias" proveniente dos países com maior índice de industrialização, na Europa, América do Norte e Asia. "Essas importações comprometem a geração de emprego e o crescimento econômico e devemos combatê-las com eficácia", disse Dilma em seu discurso.

Entre as medidas mencionadas pela presidente, está "a construção de mecanismos comuns que defendam a nossa economia de práticas ilegais e fraudulentas". Dilma anunciou ainda, como uma decisão do Mercosul como um todo, " a ampliação do alcance da lista dos produtos incluídos na Tarifa Externa Comum (TEC), permitindo uma gestão flexível, integrada e estratégica". Na prática, a proposta amplia temporariamente em cem itens a lista de exceções para cobrança de alíquota acima da TEC para importações de fora da zona.

Essa era a proposta inicial do Brasil desde o início da cúpula, mas,durante as reuniões realizadas anteontem pelos ministros das áreas econômicas do bloco, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, chegou a afirmar que o Brasil havia concordado em ampliar em 200 novos produtos a lista de exceção à TEC, conforme havia proposto a Argentina.

A lista de exceção permite que os países cobrem uma alíquota diferente dos demais membros do bloco para determinado produto, desde que não seja ultrapassado o teto de 35% que a tarifa determina. A ampliação das exceções durará até dezembro de 2014.

A sessão aberta do Mercosul começou com seis horas de atraso, devido à morte de um integrante da delegação argentina, o subsecretário de Comércio Exterior Ivan Heyn. O economista, que havia completado 34 anos na semana passada, foi encontrado em seu quarto de hotel, no centro da capital uruguaia, aparentemente enforcado. A polícia uruguaia investiga a hipótese de suicídio.

Quando a notícia chegou ao prédio que abriga a sede do Mercosul, no instante em que os presidentes iam abrir formalmente o encontro, a reunião foi paralisada a pedido da presidente argentina, Cristina Kirchner. A cúpula foi retomada, instantes depois, com o cancelamento de diversos atos públicos. Até mesmo a foto oficial deixou de ser feita. Durante o encontro, foi transferida do Uruguai para a Argentina a presidência pro-tempore da instituição.

O encontro dos presidentes chegou a um impasse quando se debateu o ingresso pleno da Venezuela. O Uruguai apresentou uma proposta para que as admissões de países passassem a ser tratadas por um grupo especial de trabalho, e não mais pelo Poder Legislativo de cada país. O presidente venezuelano Hugo Chávez não era esperado para a reunião, mas decidiu viajar para Montevidéu na noite de anteontem, quando se tornou claro que havia dificuldades para o Paraguai aceitar a proposta uruguaia.

O processo de ingresso da Venezuela está travado desde 2008, com a resistência do Senado paraguaio, controlado pela oposição ao presidente Fernando Lugo, em votar a admissão. Com a criação da comissão, a decisão sobre o ingresso ficaria concentrada nas presidências dos países-membros. Logo ao chegar ao Uruguai, em uma entrevista coletiva, Chávez foi contemporizador.

" Ninguém colocou como meta a aprovação dessa proposta hoje", disse o presidente venezuelano. Durante a sessão de encerramento do encontro, Dilma e Cristina anunciaram abertamente o apoio ao ingresso pleno da Venezuela. Lugo não comentou o tema.

Além da Venezuela, o presidente do Equador, Rafael Correa, também pediu formalmente o ingresso do país no bloco, embora no caso equatoriano a adesão seja ainda mais complexa que a do Venezuela, porque o Equador faz parte de outro bloco comercial, o Pacto Andino, e usa o dólar como moeda doméstica. " Espero que o Equador tenha melhor sorte que nós e que o seu processo não leve o mesmo tempo", disse Chávez em discurso.

segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

Comércio mundial enfrenta nova escassez de crédito



Por Assis Moreira  - Valor 19/12
De Genebra

O comércio mundial enfrenta uma nova escassez de crédito, com bancos europeus cortando financiamentos, o que pode intensificar a queda das trocas mundiais em 2012. A crise no financiamento das exportações é global, e não só europeia, disseram analistas à margem da conferência ministerial da Organização Mundial do Comércio (OMC), encerrada no sábado.

Para o diretor-geral da OMC, Pascal Lamy, a crise atual ameaça mais o comércio mundial que a de 2008, à medida que os governos dispões de menos munição financeira para atenuar seus efeitos e estimular a retomada das atividades.

Bancos europeus controlam 80% do mercado global de crédito ao comércio ("trade finance"), descrito como a "graxa" que facilita exportações e importações, normalmente com maturação de até 180 dias. Esse tipo de operação cobre até 90% dos mais de US$ 12 trilhões do comércio mundial.

Ocorre que os bancos europeus estão sob pressão para se recapitalizar e elevar seu capital próprio. Eles devem desalavancar entre US$ 2 trilhões e US$ 3 trilhões, pelas estimativas do Morgan Stanley. Em consequência, não há mais liquidez suficiente para financiar todas as transações. E "trade finance" é considerado um dos setores onde os bancos tem mais custos em termos de capital e liquidez, por causa de suposto risco, apesar da garantia real em mercadorias.

Na semana passada, o banco francês Credit Agricole, o segundo maior em "trade finance", anunciou que fechará várias atividades de financiamento ao comércio, como parte de seu esforço para elevar seu capital de base.

O BNP Paribas, o maior operador de "trade finance", já tinha também anunciado a decisão de reduzir significativamente sua exposição nesse setor, para cortar seus ativos em cerca de 25%.

No total, o "trade finance" de commodities poderá sofrer redução de 25% a 30% no ano que vem, nas projeções de Jacques-Olivier Thomann, presidente da Geneva Trading and Shipping Association e diretor do BNP Paribas no financiamento de matérias-primas.

Um assessor da OMC para essa área confirmou que tem havido uma retração de grandes bancos no financiamento do comércio, em particular bancos europeus.

BNP Paribas e Credit Agricole fornecem 20% do crédito para grandes traders de commodities, como Glencore e Cargill, de forma que a redução pode ser administrável. Já para clientes menores, a expectativa é que o crédito será improvável em 2012. Com isso, muitos deles terão de acelerar a venda de estoques, como ocorreu em 2008, quando a demanda de várias commodities degringolou.

Outro aspecto discutido paralelamente à reunião da OMC foi que o recuo de bancos europeus não está sendo automaticamente ocupado por bancos de países emergentes. Ou seja, instituições chinesas, por exemplo, não estão aumentando sua fatia de mercado.

O ministro de Comércio da França, Pierre Lelouche, chegou a apontar uma espécie de guerra no financiamento oficial à exportação. Analistas notam que os EUA são especialmente agressivos, para estimular suas vendas. Há um compromisso americano com o Brasil, na disputa do algodão, de reduzir o subsídio no financiamento a seus exportadores. Mas os americanos até agora fizeram apenas alterações cosméticas.

Na crise de 2008, os principais governos prepararam um pacote de US$ 250 bilhões para socorrer o comércio mundial, que ainda assim teve forte deterioração.

O que aprendi com a crise econômica



Por Luiz Carlos Mendonça de Barros - Valor 19/12

Esta é minha última coluna de um ano muito rico e desafiante para os que se aventuram pelos caminhos da análise econômica. Confesso que nesse período aprendi muito como economista, tanto pelos meus erros que foram muitos, como pelos acertos, estes bem menos frequentes. Creio que sou hoje um profissional com instrumentos analíticos mais sólidos, mas, certamente, mais humilde e sem algumas certezas que carregava no passado.

Vou dividir com o leitor algumas das lições mais importantes desses longos anos de vaivém constante dos preços - muitas vezes histéricos até - dos principais ativos financeiros nos mercados do mundo. A primeira delas é que a crise financeira iniciou-se de verdade em novembro de 2007, embora a mídia lembre sempre da quebra do banco Lehman Brothers em junho de 2008 como sua origem. Na verdade, nos momentos finais de 2007, as primeiras rachaduras no mercado de hipotecas ficaram claras e levaram a uma crise de pânico entre os investidores mais atentos. A economia americana sentiu esse primeiro golpe e os valores do Produto Interno Bruto (PIB) mensal mostram queda forte entre novembro e fevereiro de 2008.

Mas a economia real nos Estados Unidos recuperou-se ao longo do primeiro trimestre de 2008, de forma que o PIB atingiu seu ponto histórico máximo da década em maio daquele ano, quando chegou a US$ 13,5 trilhões. Logo a seguir, com a quebra do Lehman Brothers, ele iniciou um período longo de queda, até atingir US$ 12,7 trilhões em dezembro de 2009, uma queda de mais de 6%. Esse foi o pior momento para a maior economia do mundo.
Somente agora, em outubro passado, o PIB nos Estados Unidos voltou ao nível alcançado em maio de 2008. Se considerarmos outubro de 2007 como o ponto final do ciclo de crescimento americano que começou no início do século, a crise custou aos americanos o equivalente a US$ 1,3 trilhão, ou seja, 10% de toda riqueza gerada anualmente. Esse valor corresponde à perda de quatro anos de crescimento a uma taxa média de 2,5% ao ano, que prevaleceu entre 2001 e 2007.

Outra lição importante desse período é a que mostra a diferença entre as recessões criadas por rupturas financeiras e as que acontecem, de tempos em tempos, por ajustes cíclicos normais a uma economia de mercado. O período de quatro anos necessários para recuperar o mesmo nível de PIB de antes do início da recessão foi mais de duas vezes superior ao das recessões cíclicas. Também podemos visualizar hoje o grau de sucesso da atuação do Federal Reserve (Fed, o banco central americano) nesse período ao compararmos os quatro anos de agora aos quase dez anos necessários para a saída da Grande Depressão dos anos 30 do século passado. E ainda assim com a ajuda decisiva da Segunda Guerra Mundial.

Muitos analistas perderam sua áurea e credibilidade ao prever que algo semelhante também ocorreria agora e ao berrar aos quatro cantos a sua certeza de que o Fed falharia na sua missão. Também não têm razão os que simplesmente comparam a recessão de agora com as que tiveram origem nos ajustes cíclicos do passado e criticam a ação da autoridade monetária americana (Fed) pela demora da recuperação da atividade.

Mas é preciso lembrar que setores importantes da economia americana ainda não apresentam uma funcionalidade normal e que serão necessários talvez mais dois anos para que a economia - como um todo - possa ser considerada totalmente recuperada. Serão então longos seis anos perdidos para a sociedade americana em função dos excessos e loucuras do setor financeiro americano.

Outra forma de avaliarmos o sucesso da ação de Ben Bernanke e sua equipe na condução da política monetária americana dos últimos anos é a de olharmos para a forma como o Banco Central Europeu (BCE) vem lidando com os problemas da Europa atualmente. Focados apenas em uma inexistente ameaça inflacionária, paranoia que domina o corpo técnico do Bundesbank, e no fato de não terem nenhum compromisso institucional com o crescimento econômico da região, se recusam a usar os mesmos instrumentos de ação que levaram o Fed a ter o sucesso em estabilizar a economia. Por essa razão é correto esperarmos que a duração do período de recessão na Europa será muito maior do que os quatro anos que ocorreram nos Estados Unidos.
Mas se a economia americana realmente consolidar sua recuperação as dificuldades nas economias do Velho Continente poderão ser enfrentadas sem que o mundo sofra um novo período de instabilidades.

No quadro abaixo está listada a variação de alguns dos ativos mais importantes do mercado neste incrível período de quatro anos que vivemos. Três coisas chamam a atenção do analista: a incrível valorização das commodities exportadas pelo Brasil, a estabilidade do real e a posição dos juros Selic como o campeão de valorização nesse período.



Luiz Carlos Mendonça de Barros, engenheiro e economista, é diretor-estrategista da Quest Investimentos. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações.