quinta-feira, 26 de abril de 2012

Um mundo à deriva



Por Jeffrey D. Sachs - Valor 26/04

Os encontros anuais de primavera (no hemisfério Norte) do Fundo Monetário Internacional (FMI) e Banco Mundial proporcionaram uma oportunidade para observar duas tendências fundamentais que vêm guiando a economia e a política mundial. A geopolítica afasta-se de forma decisiva de um mundo dominado por Europa e EUA para um com várias potências regionais, sem líder mundial. E uma nova era de instabilidade econômica está próxima, decorrente tanto dos limites ao crescimento como da turbulência financeira.

A crise econômica europeia dominou os encontros deste ano do FMI e Banco Mundial. O FMI busca criar um mecanismo de resgate emergencial para o caso de as economias europeias, fragilizadas, precisarem de outro pacote de auxílio financeiro e voltou-se às grandes economias emergentes - Brasil, China, Índia, aos exportadores de petróleo do Golfo Pérsico e outros - para ajudar a fornecer os recursos necessários. A resposta deles foi clara: sim, mas apenas em troca de maior poder e mais direito a voto no FMI. A União Europeia (UE) quer um escudo financeiro internacional; terá de concordar.

A demanda das economias emergentes por mais poder, naturalmente, já é uma história bem conhecida. Em 2010, na ocasião anterior em que o FMI aumentou seus recursos financeiros, os países emergentes aceitaram o acordo apenas depois de ver seu direito a voto no FMI ser aumentado em 6%, com a Europa perdendo cerca de 4%. Agora, os mercados emergentes exigem poder ainda maior.

Não é difícil entender qual é o motivo básico. De acordo com os próprios dados do FMI, os atuais membros da UE representavam 31% da economia mundial em 1980 - calculado a partir do Produto Interno Bruto (PIB) de cada país, ajustado pela paridade de poder de compra. Em 2011, a proporção caiu para 20% e o FMI projeta que até 2017 diminuirá ainda mais, para 17%.

O declínio reflete o baixo crescimento da Europa tanto em termos de população como de produção por pessoa. Por outro lado, a participação dos países em desenvolvimento asiáticos, como China e Índia, no PIB mundial, aumentou de cerca de 8% em 1980 para 25% em 2011 e deverá chegar a 31% em 2017.

Os EUA, em atitude típica dos tempos atuais, garantem que não se juntarão a nenhum novo pacote de auxílio do FMI. O Congresso dos EUA vem adotando políticas econômicas cada vez mais isolacionistas, especialmente no que se refere a auxílio financeiro a outros países. Isso, também, reflete a diminuição do poder dos EUA no longo prazo. A participação dos EUA no PIB mundial, em torno a 25% em 1980 caiu para 19% em 2011 e deverá passar a 18% em 2017, ano em que o FMI prevê que a China terá superado a economia americana em tamanho absoluto (ajustado pela paridade do poder de compra).

A transferência de poder global, no entanto, é mais complexa do que apenas uma questão de declínio do Atlântico Norte (UE e EUA) e a ascensão das economias emergentes, especialmente o Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul). Também estamos passando de um mundo unipolar, liderado principalmente pelos EUA, para um mundo genuinamente multipolar, em que EUA, UE, Brics e potências menores (como Nigéria e Turquia) possuem peso regional, mas são reticentes em assumir liderança global, especialmente pelos encargos financeiros que isso acarretaria. A questão não é apenas o fato de haver cinco ou seis grandes potências atualmente; também é que todas querem avançar à custa das outros.

A passagem para um mundo multipolar tem a vantagem de que nenhum país ou bloco pequeno pode dominar os outros. Cada região pode acabar tendo espaço de manobra para encontrar seus próprios caminhos. Um mundo multipolar, no entanto, também traz riscos, especialmente o fato de que importantes desafios mundiais não serão abordados, porque nenhum país ou região é capaz de coordenar uma reação mundial ou mesmo de participar de uma.

Os EUA passaram rapidamente da liderança global para esse tipo de tentativa de avançar à custa dos outros, parecendo ter contornado o estágio de cooperação mundial. Os EUA, dessa forma, atualmente se eximem da cooperação mundial sobre mudanças climáticas, dos pacotes de auxílio financeiro do FMI, das metas de apoio ao desenvolvimento mundial e de outros pontos de colaboração mundial para proporcionar bens públicos mundialmente.

A fragilidade da cooperação em políticas globais é especialmente preocupante diante da gravidade dos desafios que precisam ser enfrentados. A atual crise financeira, é claro, vem logo à mente, mas há outros desafios ainda mais significativos.

Os encontros do FMI e Banco Mundial, na verdade, também abordaram um segundo desafio fundamental na economia mundial: a alta volatilidade e os altos preços das commodities primárias são atualmente uma grande ameaça para a estabilidade e crescimento econômico mundial.

Desde 2005, os preços das principais commodities dispararam. O petróleo, carvão, cobre, ouro, trigo, milho, minério de ferro e muitas outras commodities dobraram, triplicaram ou subiram ainda mais. A tendência de alta incluiu combustíveis, grãos e minerais. Alguns atribuíram a elevação a bolhas nos preços, amplificadas pelas baixas taxas de juros e facilidade de crédito para a especulação com commodities. A explicação mais convincente, no entanto, é quase certamente ligada a fundamentos.

O problema, no entanto, vai além de limitações na oferta. O crescimento econômico mundial também provoca uma crise ambiental cada vez maior. Os preços dos alimentos estão elevados atualmente, em parte porque regiões produtoras por todo o mundo sofrem com os impactos adversos de mudanças climáticas induzidas pelo homem (como mais secas e tempestades mais graves) e da escassez de água, decorrente do uso excessivo de água doce de rios e aquíferos.

Em resumo, a economia mundial passa por uma crise de sustentabilidade, na qual as limitações de recursos naturais e as pressões ambientais vêm provocando grandes choques nos preços e instabilidade ecológica. O desenvolvimento econômico precisa rapidamente tornar-se um desenvolvimento sustentável, adotando tecnologias e estilos de vida que reduzam as pressões nocivas sobre os ecossistemas da Terra. Isso, também, vai exigir um grau de cooperação mundial ainda não visto em nenhum lugar.

Os encontros do FMI e Banco Mundial nos lembram de uma verdade predominante: nosso mundo interconectado e superpovoado tornou-se uma embarcação muito complicada de navegar. Para que sigamos adiante, precisamos começar a remar na mesma direção, mesmo sem ter um capitão único na direção. (Tradução de Sabino Ahumada)



Jeffrey D. Sachs é professor de economia e diretor do Instituto Terra, da Columbia University. É também assessor especial do secretário-geral das Nações Unidas no tema das Metas de Desenvolvimento do Milênio. Copyright: Project Syndicate, 2012.



www.project-syndicate.org

Nenhum comentário:

Postar um comentário