sexta-feira, 13 de abril de 2012

Mudanças na economia brasileira?



Por Armando Castelar Pinheiro - Valor 13/04

Francisco Lopes comentou certa feita que a estabilização iniciada com o Plano Real só se completaria quando a inflação caísse para taxas próximas às de expansão do Produto Interno Bruto (PIB). Nos últimos 15 anos, porém, o PIB cresceu em média 2,8% ao ano, contra alta média anual de 6,6% dos preços. Esses números se comparam, respectivamente, às taxas de 2,4% e 2,5% nos EUA e de 1,7% e 1,9% na área do euro. Nossa estabilização está, portanto, incompleta.

Desde o Plano Real, 2006-08 foi o único triênio em que o PIB subiu mais que os preços. Já em 2009, porém, as duas taxas começaram outra vez a divergir, com altas médias de preços e do PIB de 5,6% e 3,3%, respectivamente, em 2009-11. Em 2011, os preços ao consumidor aumentaram mais do que o dobro do PIB.

Essa dinâmica reflete fatos conhecidos sobre nossa economia. Primeiro, o PIB passou a crescer acima do seu potencial, como revelam a queda do desemprego, o aumento do déficit em conta corrente - a despeito da evolução favorável dos termos de troca - e, mais recentemente, a inflação sistematicamente acima da meta, o que, por si só, já é alta para padrões internacionais. Segundo, que o crescimento foi amplamente liderado pela demanda doméstica, com expansão de 5,2% ao ano em 2005-11.

Terceiro, que o desempenho setorial foi muito heterogêneo. Assim, a expansão foi puxada pelo comércio e pela intermediação financeira, responsáveis por 34% do crescimento do PIB nos últimos sete anos, apesar de só responderem por 17% do PIB em 2004. A construção teve uma influência semelhante, ainda que menor. Se esses três setores tivessem crescido à mesma taxa que os demais, o PIB (a preços básicos) teria se expandido 3% ao ano, em vez dos 3,7% observados.
Uma contrapartida da forte expansão desses três setores foi o fraco desempenho da indústria de transformação: apesar de responder por 19% do PIB em 2004, ela contribuiu com apenas 8% da expansão do nível de atividade em 2005-11.

Uma consequência (e causa) desse padrão de crescimento foi a alta do emprego. Em 2004, foram necessários 34 trabalhadores para gerar um milhão de reais de PIB na indústria de transformação; na média dos três setores mais dinâmicos, essa relação foi de 57 trabalhadores por milhão de reais de PIB. A expansão em 2005-11 foi, portanto, intensiva em trabalho. Isso ajuda a explicar, junto com o aumento do salário mínimo, a alta real de 3,4% ao ano no rendimento médio, assim como por que o mercado de trabalho continua pujante.

Assim, uma interpretação dos anos 2005-11 é a seguinte: por diversos fatores, com destaque para reformas institucionais e a forte entrada de capitais externos, houve acentuada expansão no crédito às pessoas físicas (14% ao ano acima da inflação), que puxou os setores de instituições financeiras, comércio e construção. Isso gerou forte alta no emprego, pois são setores trabalho-intensivos, e nos rendimentos, o que, junto com a apreciação cambial, diminuiu a competitividade da indústria de transformação.

Com a demanda crescendo mais que a oferta, o hiato foi fechado por importações em setores em que o Brasil é pouco competitivo - leia-se, indústria de transformação. Com isso, esta cresceu pouco e perdeu participação no PIB.

Um efeito colateral foi que a inflação passou a ser mais influenciada pelo que acontece no mercado de trabalho do que no de bens, em que a importação, o real apreciado e a lenta expansão da indústria de transformação limitam a alta dos preços. Assim, nos últimos 48 meses, a inflação de itens não comercializáveis internacionalmente (por exemplo, serviços) foi em média de 7,1% ao ano, contra 5% para os bens comercializáveis, como produtos manufaturados.

O governo vem tentando estimular a demanda doméstica reduzindo a Selic e os spreads bancários nos bancos públicos, assim como ampliando o crédito público e isentando de impostos artigos de consumo. Além disso, elevou barreiras às importações e promoveu a desvalorização do real, na expectativa de que a demanda se dirija ao produto nacional. Por outro lado, espera uma queda da inflação para 4,5%, dois pontos percentuais a menos que em 2011.

Será possível obter simultaneamente mais crescimento, com diferente perfil setorial e menos inflação? Sim, mas há riscos. Em especial, o estímulo à demanda pode gerar mais inflação e pouca alta do PIB, se este não mudar de composição. Isso pode ocorrer, por exemplo, se as famílias estiverem pouco dispostas a adquirir bens de consumo duráveis, devido ao elevado endividamento e alguma saturação de compra, enquanto o desemprego reduzido pode fazer com que a alta da demanda por não comercializáveis vire inflação, em vez de mais oferta. Por outro lado, é possível que os estímulos à demanda gerem pouco resultado, caso a redução dos spreads leve a uma contração na oferta de crédito, já premida pela alta na inadimplência.

De um jeito ou de outro, o modelo brasileiro está mudando. Se na direção de completar a estabilização ou não, só saberemos mais à frente.



Armando Castelar Pinheiro é coordenador de Economia Aplicada do IBRE/FGV e professor do IE/UFRJ.

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