terça-feira, 3 de abril de 2012

Política do Fed e risco inflacionário



Por Martin Feldstein - Valor 03/04

Durante os últimos quatro anos, o Federal Reserve (Fed, banco central dos EUA) injetou enorme liquidez no sistema bancário comercial americano - e, portanto, na economia americana. Muitos observadores temem que, no futuro, essa liquidez produza o aumento no volume de crédito, causando um rápido incremento da oferta monetária e da subsequente taxa de inflação.

Esse risco é real, porém não inevitável, porque a relação entre as reservas mantidas no Fed e o subsequente estoque de dinheiro e de crédito não é mais o que costumava ser. A explosão de reservas ainda não alimentou a inflação e o grande volume de reservas poderia, em princípio, ser revertido mais tarde. Mas reverter essa liquidez poderá ser politicamente difícil, bem como tecnicamente problemática.

Qualquer pessoa preocupada com a inflação tem de se concentrar no volume de reservas que está sendo criado pelo Fed. Tradicionalmente, o volume de depósitos bancários, que constitui a oferta monetária ampla, aumenta o volume de reservas que os bancos comerciais têm à sua disposição. De modo geral, no passado, aumentos no estoque de dinheiro levaram a aumentos do nível de preços. Por isso, um crescimento mais rápido das reservas resultou em um crescimento mais rápido da oferta monetária - e em taxa de inflação mais elevada. Na prática, o Fed controlava - ou, por vezes, não conseguia controlar - a inflação mediante a limitação da taxa de crescimento das reservas.

O Fed iniciou uma política agressiva de flexibilização quantitativa no verão de 2008, no auge da crise econômica e financeira. O volume total de reservas havia permanecido praticamente inalterado durante a década anterior, variando entre US$ 40 bilhões e US$ 50 bilhões. Essas reservas, então, dobraram, entre agosto e setembro de 2008, e explodiram para mais de US$ 800 bilhões, um ano mais tarde. Em junho passado, era de US$ 1,6 trilhão e, a partir de então, permaneceu nesse nível.

Mas o crescimento das reservas não se traduziu em expansão rápida dos depósitos nos bancos comerciais, porque o Fed começou a pagar juros sobre essas reservas em outubro. Os bancos comerciais podiam colocar os seus recursos excedentes em depósitos sem risco no Fed, em vez de emprestá-los a tomadores privados. Como resultado, a oferta monetária cresceu apenas 25% desde 2008, apesar de as reservas terem crescido 40 vezes desde aquele momento.

No ano passado, o Fed incrementou ainda mais a liquidez do sistema bancário - e da economia americana - por meio da Operação Twist, ou seja, comprando US$ 400 bilhões em títulos de longo prazo em troca de títulos de curto prazo do Tesouro. Os bancos que detêm esses títulos do Tesouro podem vendê-los a qualquer momento, usando os recursos assim auferidos para financiar empréstimos comerciais.

A enorme substituição de reservas por títulos de prazo mais alongado durante o período de "afrouxamento quantitativo" e de títulos do Tesouro por títulos de longo prazo na Operação Twist conseguiu reduzir as taxas de juro de longo prazo. A combinação de juros baixos em cada horizonte de maturação e a substituição de títulos de curto prazo por ativos de longo prazo também teve êxito em elevar os preços das ações.

Mas não está claro que as taxas de juros mais baixas e os preços mais altos das ações produziram algum efeito significativo sobre a atividade econômica real. As empresas têm uma grande quantidade de liquidez e não dependem de tomar empréstimos para investir mais em instalações e equipamentos. A construção de moradias não foi reaquecida, porque os preços dos imóveis estão em queda. Os consumidores aumentaram temporariamente seus gastos em resposta à alta no mercado de ações no fim de 2010, mas esses gastos ficaram, recentemente, bem mais lentos.

O risco é de que os bancos comerciais possam decidir-se a começar a usar o excedente de reservas, abrindo mão da baixa taxa de juros pagos sobre depósitos pelo Fed (apenas 0,25%), e passando a emprestar esses recursos a empresas e famílias. Esses empréstimos se somariam aos depósitos e fariam com que a oferta monetária crescesse. Eles também incrementariam os gastos dos tomadores de empréstimos, contribuindo diretamente para pressões inflacionárias.

Quando a economia começar a se recuperar e as empresas tiverem condições de elevar os preços, os bancos comerciais desejarão aumentar o volume de seus empréstimos. Isso será bem-vindo, desde que ocorra em escala excessivamente grande ou rapidamente demais. O Fed, corretamente, desejará limitar a expansão dos empréstimos bancários. É sobre isso que o Fed costumava falar como sendo sua "estratégia de saída". Essencialmente, isso implicaria aumentar os juros sobre os depósitos do Fed e permitir que os juros, de modo mais geral, subissem. Se isso for feito oportunamente e na escala adequada, o Fed terá sucesso em impedir que a grande liquidez atual gere inflação mais elevada.

O que me preocupa é que a estrutura do desemprego nos EUA é muito diferente, na atual crise, do que no passado. Quase metade dos desempregados estão sem trabalho há seis meses ou mais. No passado, a duração correspondente do desemprego foi de apenas 10 semanas. Portanto, existe um risco de que as pessoas desempregadas há mais tempo sejam reabsorvidas pelo mercado de trabalho muito mais lentamente do que em retomadas econômicas anteriores.

Se a taxa de desemprego ainda estiver muito alta quando os mercados de produtos começarem a ficar apertados, o Congresso americano desejará que o Fed permita um crescimento mais rápido para baixar o desemprego, apesar do risco inflacionário resultante. O Fed é tecnicamente responsável perante o Congresso, que poderia se aplicar pressão sobre o Fed, ameaçando reduzir sua independência.

Assim, a inflação é um risco, mesmo que isso não seja inevitável. O grande volume de reservas, juntamente com a liquidez criada pela flexibilização quantitativa e pela Operação Twist, torna o risco maior. Serão necessárias habilidade e coragem política para o Fed evitar um aumento da inflação criada pela liquidez existente.



Martin Feldstein, professor de Economia em Harvard, foi presidente do Conselho de Assessores Econômicos do presidente Ronald Reagan e foi presidente do Birô Nacional de Investigação Econômica dos EUA.

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