quarta-feira, 11 de abril de 2012

Por que o Bundesbank está errado



Por Martin Wolf - Valor 11/04


Quanto a região do euro avançou para resolver sua crise? A resposta otimista seria a de que conseguiu salvar-se após um ataque cardíaco, mas ainda precisará administrar um difícil período de convalescença, com boas chances de novos ataques. Também precisará adotar um regime capaz de protegê-la de crises futuras. Essa tarefa, também, está incompleta. A região do euro, contudo, ganhou tempo. A grande questão é se agora conseguirá aproveitá-lo bem.

Possivelmente, o passo crucial é chegar a um consenso sobre a natureza da doença. Nesse aspecto, há progressos sendo alcançados agora, pelo menos entre economistas. É amplamente aceito que o balanço de pagamentos é fundamental para qualquer chance de compreensão da crise atual. De fato, o balanço de pagamentos pode ser mais importante para a região do euro do que para países sem uniões monetárias. Hans-Werner Sinn, do centro de estudos CESifo, em Munique, ajudou muito a explicar ao afirmar que "a União Monetária Europeia passa por uma grave crise no balanço de pagamentos interno, que é similar à crise do Sistema Bretton Woods, nos anos prévios a seu fim". Um número especial do CESIfo Forum, publicado em janeiro de 2012, é dedicado a esse tema. Em março, o centro de estudos Bruegel, com sede em Bruxelas, publicou o estudo "Sudden stops in the euro area" (Interrupções repentinas na região do euro, em inglês). Depois, no fim de março, Jens Weidmann, presidente do Bundesbank (banco central alemão), explorou a questão em discurso em Londres sobre como "reequilibrar a Europa".

Nos anos de euforia anteriores à crise, o capital privado fluiu livremente, especialmente a países da Europa Meridional. Grécia, Portugal e Espanha tinham déficits em conta corrente de 10% ou mais do Produto Interno Bruto (PIB). Essas ondas de expansão econômica também geraram grandes perdas na competitividade externa.
Então, vieram as "interrupções repentinas" nos fluxos privados de entrada. Como destaca o estudo da Bruegel, tais paradas ocorreram durante a crise mundial de 2008 (afetando Grécia e Irlanda), no segundo trimestre de 2010 (afetando Grécia, Irlanda e Portugal) e, por fim, na segunda metade de 2011 (afetando Itália, Portugal e Espanha). Em alguns casos, o que aconteceu foi além de meras interrupções nos fluxos. A Irlanda viveu uma grande fuga de capitais. Naturalmente, quando o capital deixou de fluir para o setor privado, o nível de atividade desmoronou e a posição fiscal piorou drasticamente.

A região do euro estava despreparada para tais interrupções no financiamento entre fronteiras: pensava-se que a hipótese era impossível. Uma vez que o dinheiro parou de fluir, a região do euro deparou-se com duas alternativas: forçar o ajuste externo dos países sem acesso aos mercados ou financiá-los via fontes oficiais. Optou-se pela segunda, com o Banco Central Europeu (BCE) como fonte predominante de financiamento, em seu papel de instituição de crédito de última instância para os bancos. O BCE tornou-se o "Fundo Monetário Europeu".

Então, o que deve ser feito? Weidmann descreve o que chama de "típica posição alemã" da seguinte forma: "Os países com déficits precisam se ajustar. Eles precisam resolver seus problemas estruturais. Eles precisam reduzir a demanda doméstica. Eles precisam tornar-se mais competitivos e eles precisam aumentar suas exportações."

Qual é o papel, nesse contexto, dos países superavitários? Quanto a isso, Weidmann é claro: "Às vezes, sugere-se que o reequilíbrio deveria ser promovido 'encontrando-se na metade', ou seja, tornando países superavitários como a Alemanha menos competitivos. Essa sugestão implica que tal ajuste deveria ser dividido entre os países superavitários e deficitários. A questão, contudo, que temos de nos perguntar é: 'Aonde isso nos levaria?' [...] Como a Europa pode ter sucesso [...] se nós [...] abrirmos mão de nossa competitividade conquistada tão duramente? Para ser bem-sucedida, a Europa como um todo precisa tornar-se mais dinâmica, mais inventiva, mais produtiva".

Infelizmente, esses comentários confundem produtividade com competitividade. São conceitos diferentes: os Estados Unidos, por exemplo, são mais produtivos, mas menos competitivos que a China. A competitividade externa é relativa. Além disso, na esfera mundial, o ajuste também precisa ser dividido. Weidmann sabe disso. Como diz ele: "É claro, os países superavitários acabarão sendo afetados à medida que os países deficitários se ajustem". A questão é: por meio de qual mecanismo?

A competitividade externa da região do euro depende da taxa de câmbio. Isso, contudo, não é uma variável. Os países-membros apenas podem tentar aumentar sua competitividade entre si. É exatamente isso que a Alemanha fez na década de 2000. Agora, isso precisa ser revertido. O Goldman Sachs apresentou duas análises excelentes sobre o que isso poderia implicar no texto "Achieving fiscal and external balance" (Como obter equilíbrio fiscal e externo, em inglês, de 15 e 22 de março). Conclui que, para obter-se uma posição externa sustentável, Portugal precisa de uma desvalorização real de 35% em sua taxa de câmbio; a Grécia, de 30%; a Espanha, de 20%, e a Itália, de 10% a 15%, enquanto a Irlanda atualmente já é competitiva.

Tais ajustes pressupõem uma valorização como contrabalanço nos países centrais. Além disso, com uma inflação média anual de 2% na região do euro e, digamos, de 0% nos países atualmente não competitivos, o ajuste demoraria 15 anos na Portugal e Grécia, dez anos na Espanha e cinco a dez anos na Itália. Isso também implicaria inflação anual de 4% no resto da região do euro.

Será que tal ajuste interno poderia ocorrer naturalmente? Sim, poderia. No momento, o BCE segue uma política expansionista. Ao mesmo tempo, os bancos alemães certamente querem conceder mais empréstimos em casa. Uma grande onda de aumento na concessão de empréstimos na Alemanha seria de grande ajuda.

Suponha, contudo, que isso não ocorra. Então, a região do euro hoje assolada pela austeridade acabaria passando por um período prolongado de baixa demanda. Isso poderia, como resultado, gerar uma grande mudança nas exportações líquidas. Para o resto do mundo, isso seria uma política de "empobrecimento do vizinho", impossível de tolerar em tempos difíceis.

Que a região do euro siga tal política, enquanto pede aos países de fora que aumentem o financiamento a seus membros em dificuldade, via recursos adicionais ao Fundo Monetário Internacional (FMI), seria agravar ainda mais a afronta. Os países de fora da região do euro deverão simplesmente dizer não. Em vez disso, deveriam insistir em que qualquer apoio financeiro adicional seja baseado em um ajuste interno de duas vias na região do euro.

A boa notícia é que há um consenso surgindo sobre o papel dos desequilíbrios no balanço de pagamentos na crise. A má notícia é que a região do euro ainda não concorda que a competitividade é necessariamente relativa. Assim que o fizer, o caminho a ser seguido para a recuperação pelo menos estará claro, não importa o quão complicado.



Martin Wolf é editor e principal comentarista econômico do FT.

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