quinta-feira, 19 de abril de 2012

O problema do paternalismo libertário



Por Raghuram Rajan - Valor 19/04

Há muitos argumentos contra governos paternalistas: além de limitar escolhas individuais (por exemplo, a opção de ficar sem seguro no atual debate sobre a assistência médica nos Estados Unidos) e evitar que as pessoas aprendam, a história mostra repetidamente que a noção predominante na sociedade está errada. E, como os governos normalmente tentam colocar em vigor a noção predominante, as consequências podem ser desastrosas, porque são amplificadas pelo poder de coordenação - e coerção - do Estado.

Um exemplo claro é a regulamentação financeira, que em vários aspectos é uma forma de paternalismo. Nos EUA, o baixo risco atribuído a "títulos lastreados por hipotecas" (MBS, na sigla em inglês) sênior tornou-os instrumentos atraentes para bancos, tendo em vista o retorno relativamente alto que ofereciam. Os papéis, no entanto, mostraram ser investimentos nem um pouco seguros, apesar da noção predominante prévia. Como os reguladores haviam declarado que eram seguros, muitos bancos se sobrecarregaram com os papéis, que ficaram ainda mais arriscados quando todos tentaram vendê-los ao mesmo tempo.

Há exemplos de sobra do perigo do poder de coordenação dos governos paternalistas. Enquanto dirijo para o centro de Chicago, passo por uma série de projetos residenciais que em sua época almejaram ser a cura miraculosa para a falta de moradia, pobreza, desemprego e crime. Hoje, são vistos como a melhor forma para concentrar e perpetuar muitos desses males.

Esses projetos residenciais não apenas ficaram a uma boa distância das áreas onde estavam os bons empregos, como se caracterizaram por ter poucos residentes com famílias e meios de vida estáveis.

A moda hoje é integrar as famílias mais pobres em comunidades prósperas. Sem dúvida, no futuro descobriremos consequências que não se imaginavam e o poder de coordenação do governo vai fazer com que essas consequências sejam amplas e generalizadas.

Certa dose de paternalismo, contudo, é necessária em sociedades civilizadas. A previdência social é uma forma paternalista de obrigar a poupar para a velhice, impedindo que as pessoas consumam e poupem ao bel-prazer. Existe, em parte, porque as pessoas sabem que as sociedades civilizadas nunca vão ficar paradas e ver os idosos passarem fome. As pessoas, então, são forçadas a economizar para impedir que abusem do sistema - ao não poupar quando jovens, por saber que está garantido um nível mínimo de apoio da sociedade quando ficarem velhos. Da mesma forma, a compra obrigatória de seguro no projeto de assistência médica do governo Obama é uma tentativa de evitar que os jovens e os que estão em boas condições não estejam segurados e acabem recorrendo ao governo em busca de ajuda apenas quando descobrem que precisam.

Se o paternalismo, então, possui tanto benefícios como custos, como conseguir apenas as vantagens? Meu colega Richard Thaler, em conjunto com Cass Sunstein, que atualmente trabalha no governo Obama, escreveram "Nudge", livro sucesso de vendas no qual sugerem uma forma de reduzir nossa inquietação com o paternalismo. Essencialmente, por meio da exploração de peculiaridades comportamentais, eles incentivam (nudge, em inglês) as pessoas a tomar decisões que são boas para eles, mesmo enquanto possuem total liberdade para seguir outros rumos. O "paternalismo libertário", na visão deles, portanto, elimina uma das principais objeções ao paternalismo - a de que limita as escolhas individuais.

Por exemplo, ao decidir como o dinheiro para sua aposentadoria será alocado, a maioria das pessoas escolhe o plano padrão oferecido pelo empregador. Muitas vezes, esse padrão é inadequado para a maioria - por exemplo, normalmente se aloca todo o dinheiro em fundos de baixo retorno no mercado monetário. Sunstein e Thaler fariam com que o empregador oferecesse uma alternativa-padrão que fosse boa para a maioria das pessoas, como 60% em renda variável, 30% em bônus e 10% em fundos do mercado monetário.

Essa é a parte paternalista. A parte libertária é que o funcionário teria o direito de optar por não seguir o plano-padrão. Como as pessoas raramente saem do padrão, a escolha paternalista do empregador prevaleceria e teríamos um paternalismo libertário. Como não gostar disso?

O problema é que a aparência de direito à escolha no paternalismo libertário é uma ilusão. A escolha continua não sendo exercida porque as pessoas não escolhem conscientemente. Se suas escolhas podem ser direcionadas e então isso não se trata de paternalismo, mas de algo ainda mais sinistro, já que as pessoas não têm consciência de estarem sendo incentivadas e, portanto, não podem levantar sua guarda?

Uma resposta é indicar que a maioria dos planos já possui uma alternativa-padrão de alocação do dinheiro economizado. Sunstein e Thaler dizem que o padrão deveria ser estruturado de uma maneira que seja boa para as pessoas, sendo que, claramente, eles sabem o que é "boa".

Aqui está, então, o cerne do problema. Ao escolher um padrão, o governo ou o empregador estimula todos os funcionários a aceitar a moda prevalecente, como "compre renda variável pensando no longo prazo". Isso, acreditam, é melhor do que a atual alternativa típica, de colocar o dinheiro da aposentadoria das pessoas em fundos de mercado monetário. Isso, no entanto, pode ser pior: orientar todos a seguir investimentos em ativos de risco pode ser mais perigoso do que orientá-los a investimentos tediosos, como os fundos de mercado monetário.

Poderia haver alguma alternativa melhor? E se não houvesse alternativa-padrão e as pessoas recebessem lembretes repetidamente, e cada vez mais prementes, para que escolham como seu dinheiro ser alocado, caso ainda não o tenham feito? A noção predominante poderia ser oferecida como recomendação, juntamente com explicações dos motivos pelos quais ela faz sentido, mas sem que esteja configurada como padrão. Isso obrigaria as pessoas a exercer o direito de escolha. Algumas pessoas vão pensar diferente da noção predominante, beneficiando o sistema com certa variedade e resiliência.

Em termos mais gerais, a falha em certas formas de paternalismo libertário é que a liberdade de escolha que parece oferecer, na verdade, mantém o paternalismo, em grande parte, sem restrições. Não seria muito melhor forçar a escolha consciente, para limitar as consequências dos erros do paternalismo? (Tradução de Sabino Ahumada)


Raghuram Rajan, ex-economista-chefe do Fundo Monetário Internacional (FMI), é professor de finanças na Booth School of Business, da University of Chicago, e autor de "Fault Lines: How Hidden Fractures Still Threaten the World Economy" (Linhas de falhas: como fraturas ocultas ainda ameaçam a economia mundial, em inglês). Copyright: Project Syndicate, 2012.



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