quarta-feira, 25 de abril de 2012

Bancos estão no fio da navalha


Por Martin Wolf - Valor 25/04


Queremos nos salvar deles. Mas "os desenvolvimentos na região do euro continuam sendo o principal risco para a estabilidade financeira mundial. Recentes medidas importantes de política [econômica] trouxeram um pouco do alívio que os mercados financeiros tanto precisavam, já que os spreads soberanos diminuíram, os mercados de financiamento bancário reabriram e os preços das ações se recuperaram. No entanto, ainda podem ocorrer novos contratempos. Existem riscos significativos à frente e as políticas precisam ser ainda mais fortalecidas para assegurar e arraigar a estabilidade financeira". É assim que o Relatório de Estabilidade Financeira Mundial (GSFR, na sigla em inglês) do Fundo Monetário Internacional (FMI) avalia o progresso em direção ao que chama, de forma otimista, de "jornada pela estabilidade duradoura". Muitos se dariam por satisfeitos com algo bem menos ambicioso: só alguns anos de estabilidade já seriam um prazer inesperado.

O mais recente Panorama Econômico Mundial do FMI, também divulgado na semana passada, traz recomendações sensatas: "É [...] crucial romper a realimentação adversa que ocorre entre o crescimento abaixo da média, a deterioração das posições fiscais, o aumento das necessidades de recapitalização e a desalavancagem. O Banco Central Europeu (BCE) deveria adotar medidas adicionais de flexibilização quantitativa para assegurar que a inflação se desenvolva de acordo com sua meta no médio prazo e para proteger-se contra riscos deflacionários, também facilitando, portanto, os ajustes tão necessários na competitividade. Além disso, [...] as autoridades bancárias deveriam trabalhar juntas [...] para monitorar e limitar a desalavancagem de seus bancos em casa e no exterior."

Vamos resumir. Primeiro, ainda é fácil identificar tanto os riscos como, não menos importante, a situação dos bancos, particularmente tendo em vista sua íntima relação com papéis soberanos fragilizados. Segundo, o crescimento é demasiado lento e a política monetária do BCE, muito rigorosa. Por fim, a inflação precisa subir nos países mais competitivos, para facilitar o ajuste entre os países-membros. Se o FMI for convocado para oferecer auxílio financeiro aos países-membros usando os recursos adicionais que obteve, suas condições para a região do euro precisam ser compatíveis com esses argumentos. Não é suficiente castigar os países mais fracos. O próprio regime de políticas econômicas precisa mudar.

Outro ponto importante é que a crise está sujeita a riscos políticos cada vez maiores. A queda do governo holandês e a vitória de François Hollande no primeiro turno da eleição presidencial francesa demonstram isso. As ruas podem sobrepujar o "establishment". Esses receios já podem ser suficientes para provocar outra profecia autorrealizável da crise. Até a França poderia ser arrastada. O jogo, então, poderia acabar.
É encorajador que a região do euro de fato tenha agido, quando confrontada com o risco de desmoronamento financeiro no fim de 2011. As operações de refinanciamento de longo prazo do BCE reduziram as tensões de financiamento e contiveram o risco de falências bancárias. Novos governos em países sob pressão vêm adotando reformas substanciais. Irlanda e Portugal tiveram progressos em seus programas de ajuste. A Grécia negociou uma reestruturação das dívidas. Houve progressos quanto à supervisão dos desequilíbrios internos, sem limitações apenas aos desequilíbrios fiscais. O "muro de proteção" financeira da região do euro contra contágios foi fortalecido.

Em resumo, destaca o GSFR, os riscos econômicos foram de fato reduzidos. Infelizmente, os riscos de estabilidade financeira continuam, ressalta o relatório. Um aspecto particularmente importante desses riscos é o de maior desalavancagem nos bancos. Isso é necessário, já que seus balanços patrimoniais estão inchados. Mas é economicamente perigoso.

No que o GSFR chama de seu "cenário atual de políticas", 58 grandes bancos com sede em países da União Europeia (UE) poderiam encolher seus balanços patrimoniais em até €2 trilhões até o fim de 2013, o que representa quase 7% dos ativos totais. O impacto na oferta de crédito da região do euro seria de apenas 1,7% dos créditos por vencer, mas esse declínio estaria concentrado no que o relatório chama de países de "alto spread", o que torna ainda mais difícil sua volta a um crescimento liderado pelo setor privado. Outras prováveis vítimas são as economias emergentes da Europa Central e do Leste Europeu. Mesmo sob o que chama de "cenário integral de políticas ", que inclui uma gestão mais ativa da crise, reestruturação dinâmica dos bancos e um "guia para uma união monetária mais integrada fiscal e financeiramente", a queda nos ativos dos bancos seria de US$ 2,2 trilhões.
Para conter os perigos de uma desalavancagem desordenada, seria necessário injetar capital nos bancos, inclusive usando os novos fundos de auxílio financeiro. Mas mesmo isso não romperia o laço nocivo entre bancos e papéis governamentais enfraquecidos. Até 12,4 % dos ativos consolidados das "instituições de depósitos" italianas - um volume igual a 32% do Produto Interno Bruto (PIB) projetado para 2012 - consistem de títulos do governo italiano. Na Espanha, os números correspondentes são 7,7% dos ativos e 26,5% do PIB. A combinação de papéis soberanos vulneráveis e bancos expostos continua perigosa. De fato, o generoso financiamento do BCE fortaleceu essa ligação. Esse remédio tem efeitos colaterais perigosos. Mas precisa ser ministrado, tendo em vista o desejo de tantos estrangeiros em reduzir sua exposição. Quase metade dos títulos da dívida pública italiana está em mãos de investidores no exterior. Caso se livrem dos títulos, os papéis estão destinados a acabar em mãos italianas.

A crise financeira expôs a debilidade de qualquer união monetária entre países soberanos, particularmente a dificuldade de promover ajustes e a falta de um banco central apropriado. Também expôs a debilidade da atual estrutura da região do euro. Por último, mas não menos importante, expôs as debilidades das políticas e instituições de seus países-membros - particularmente na regulamentação financeira -, de seus bancos, da gestão das finanças públicas e de seus mercados de trabalho. Infelizmente, o tamanho da crise tornou necessário remediar o que podia ser remediado, sob imensa pressão. A cada estágio, a região do euro fez mais do que seria de se esperar, no entanto, isso não foi suficiente.

As prioridades imediatas, contudo, são claras: dar aos países em dificuldade o tempo e a oportunidade para que ajustem suas economias e, portanto, voltem à estabilidade. Minha leitura das análises do FMI é que esses países vêm obtendo progressos dolorosos. Mas é preciso fazer muito mais. Acima de tudo, o crescimento precisa ser reiniciado, para que os encargos com dívidas governamentais e privadas e a ligação entre esses papéis e os bancos seja administrada. O desafio continua imenso. Esforcem-se ainda mais, para o bem de todos. (Tradução de Sabino Ahumada)



Martin Wolf é editor e principal comentarista econômico do FT.

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