quarta-feira, 18 de abril de 2012

Acerca da "terciarização" das ocupações no Brasil



Por Fábio José Ferreira da Silva - Valor 18/04

Nos últimos anos, o mercado de trabalho vem apresentando uma evolução favorável, como se evidencia pela acentuada redução da taxa de desemprego aliada a maiores rendimentos e maior formalização do emprego. Contudo, é nítida uma mudança na composição setorial dos postos de trabalho gerados. De acordo com os dados da Relação Anual de Informações Sociais (RAIS) do Ministério do Trabalho e Emprego, no triênio 2002-2004, para cada emprego gerado fora do setor de serviços no Brasil - na indústria ou agropecuária - foram gerados 2,4 empregos no setor de serviços. Baseando-se nas informações do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), estima-se que essa relação atingiu 6,3 no triênio 2009-2011. O que representa o avanço do setor terciário ("terciarização") no mercado de trabalho?

Antes de analisar algumas consequências, deve-se considerar que, para alguns, não faz diferença em quais setores os empregos são gerados. Em um modelo de pleno emprego, sem rigidez (ou seja, permitindo que trabalhadores tenham mobilidade, acesso a informações e condições de migrar), o funcionamento do mercado alocaria os empregos nos setores de bens comercializáveis e serviços de forma eficiente, maximizando o bem-estar social.

Outros poderiam identificar essa tendência como algo natural, alegando que, seguindo o curso do desenvolvimento econômico, após a industrialização, as economias tendem a presenciar um aumento do peso dos serviços (seja no PIB ou no emprego) em detrimento da indústria. O presente artigo contra-argumenta, contextualizando o aumento de participação de serviços no país e buscando analisar possíveis desdobramentos e limitações para o mercado de trabalho.

Pode-se relacionar a "terciarização" ao menos a dois componentes. Em primeiro lugar, a perda de competitividade da indústria de transformação nacional, em um ambiente de apreciação do real, acentuada com o aumento de liquidez promovido pelas maiores autoridades monetárias mundiais no pós-crise do subprime. O gráfico mostra que o nível de ocupação formal da indústria de transformação encontra-se cerca de 7% acima do patamar pré-crise, enquanto que o de serviços avançou 18%.

O segundo fator é o aumento da demanda por serviços, associado às necessidades da classe média em ascensão. Conforme as famílias vão melhorando a condição econômica, o peso dos serviços na cesta de consumo aumenta em detrimento da participação dos bens. As que utilizavam a rede pública de saúde e educação passam a pagar pelos serviços para ter melhor qualidade; empregados domésticos e serviços de estética são mais demandados; o varejo cria vagas.

Para que a trajetória de melhora do mercado de trabalho se sustente é necessária a geração de postos de trabalho em quantidade e qualidade compatíveis com as potencialidades do país e com a capacitação dos trabalhadores. Além de reempregar os demitidos da indústria de transformação - o que não é simples, tampouco imediato, já que a experiência profissional pode ser pouco útil na nova atividade - deve-se considerar que o Brasil ainda é um país jovem, que precisa gerar oportunidades aos que chegam ao mercado de trabalho. Aos que dizem que o país está em pleno emprego, é bom lembrar que o desemprego oculto - que considera o trabalhador em atividade precária (o popular "bico") e o desalentado como desempregados - ainda corresponde a 9,5% da população economicamente ativa (PEA), de acordo com o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese).

Acerca da qualidade, as ocupações dos serviços não são necessariamente piores que as da indústria. O setor de serviços é heterogêneo, cobrindo desde segmentos de alta tecnologia até aqueles mais tradicionais, como os de comércio e serviços domésticos. No entanto, até o momento, tem sido mais frequente a criação de vagas de salários mais baixos. Enquanto a remuneração paga aos admitidos do setor de serviços, em 2011, foi de R$ 899, a dos demitidos da indústria de transformação foi de R$ 1.038 em média. Melhores oportunidades também vão ao encontro dos jovens que, cada vez mais, postergam a entrada no mercado de trabalho para estudar mais, porém encontram dificuldade de encontrar empregos na área em que se especializaram.

Sabe-se que a indústria é o setor de mais alta produtividade e onde a existência de cadeias produtivas torna seus segmentos dependentes entre si. O setor de serviços é menos dinâmico, mas seu comportamento está em parte relacionado com o setor industrial. Empresas rentáveis têm maiores condições de investir em tecnologia (pesquisa e desenvolvimento de novos produtos, por exemplo) e de contratar melhores serviços de apoio. Essa complementaridade acontece no sentido indústria-serviços, mas a recíproca não é necessariamente verdadeira porque os bens industriais podem ser importados, o que não ocorre com os serviços.

Outro aspecto a se considerar diz respeito à composição da indústria nacional. A ascensão da China como um dos maiores parques industriais do mundo tem afetado de forma mais intensa os segmentos intensivos em trabalho no Brasil (como têxtil e calçados, por exemplo) ao mesmo tempo em que incentiva atividades intensivas em recursos naturais. Essa mudança de composição reduz a elasticidade da geração de empregos em relação ao crescimento industrial. Essa tendência implica em um número cada vez menor de postos de trabalho criados para um dado crescimento industrial.

Dessa forma, no médio e longo prazo, é mais razoável supor que a geração de postos de trabalho no setor de serviços se beneficiaria de um desempenho mais dinâmico da indústria, de modo que um crescimento econômico mais equilibrado oferece perspectivas mais favoráveis à evolução do mercado de trabalho.



Fábio José Ferreira da Silva é mestre em Economia pela FGV/SP e analista do Banco Central do Brasil.

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