quinta-feira, 26 de abril de 2012

BC e governo mantêm real descolado do mundo



Por Eduardo Campos - Valor 26/04
De São Paulo

A valorização do dólar no pregão de ontem não foi nada impressionante, 0,11%, mas foi suficiente para levar a moeda para nova máxima do ano a R$ 1,884. De fato, o dólar não sai da linha de R$ 1,88 faz cinco pregões. E o comportamento da moeda independe do que se passa com o euro, outras moedas emergentes, preço das commodities, risco soberano ou volatilidade.

O que se nota é a permanente assimetria do mercado de câmbio local. O viés de alta permanece maior do que o de baixa, independentemente de qualquer fundamento. E a explicação para isso passa pelas atuações do Banco Central (BC) e pela postura do governo, que a cada oportunidade reforça a ideia de que pode tomar novas medidas no câmbio.

Agora em abril, o BC já fez 15 compras à vista, em comparação a 25 atuações à vista, a termo e via swap reverso (equivalente à compra de dólar futuro) realizadas em todo o primeiro trimestre.

Essa postura do BC e do governo foi um dos fatores que levou o Bank of America Merrill Lynch a mudar sua previsão para a taxa de câmbio brasileira.

A instituição vê o dólar a R$ 1,92 no fim de 2012, ante previsão anterior de R$ 1,85. Para o fim de 2013, a taxa deve ir R$ 1,95, ante o R$ 1,92 estimado previamente.
Em relatório, o chefe de economia e estratégia para o Brasil, David Beker, nota que há uma clara mudança na política de intervenção cambial agora em 2012, com as autoridades brasileiras atuando para fortalecer o dólar.

"Essa forte coordenação não existia no passado, conforme a Fazenda ameaçava e promovia mudanças no IOF, o BC utilizava as intervenções no câmbio como uma ferramenta para suavizar a volatilidade", diz o especialista.

Agora, diz Beker, a percepção do mercado é de que as atuações do BC estão puxando o dólar para cima, e que essa valorização da moeda americana não será um problema, pois a dinâmica inflacionária está melhor.

O Bank of America Merrill Lynch lembra que o real tem sido um veículo global de operações de "carry trade" (arbitragem de taxas de juros) na última década e parece que o governo não quer que isso se repita no futuro.

"Nos parece que o que o BC realmente quer é que os investidores de curto prazo deixem de perseguir o real", diz o relatório.

Segundo os especialistas do banco, há duas formas de se conseguir isso. Reduzir o apelo das operações de carry trade via uma redução dramática da taxa de juros ou introduzir volatilidade no mercado local de câmbio em momentos inesperados.

"Não acreditamos que a primeira opção seja apropriada, já que trazer a taxa de carry trade para níveis normais pediria uma queda do juro doméstico tão forte que colocaria a inflação e a credibilidade do BC em risco", diz a instituição. Com isso, a segunda opção parece explicar bem o momento atual.

Para Beker, um dos objetivos dessa nova forma de atuação do BC, que busca colocar o dólar para cima, seria balancear a pressão de queda na cotação da moeda americana que poderia aparecer no futuro, quando o ciclo de política monetária sair de baixa para alta da Selic.

Outro ponto levantado é que qualquer corte de juro adicional que o BC fizer no curto prazo torna o trabalho de enfraquecer o real ainda mais fácil.

Um terceiro ponto levantado pelo banco e que permanece uma questão em aberto, é em que taxa o BC pode voltar a vender dólares. Para Beker e seu colegas no banco, a velocidade da valorização do dólar seria mais importante do que o nível de preço por si só. "Evidentemente, não parece provável que o BC venda dólares a R$ 1,95, como aconteceu no ano passado."

Os especialistas do banco não se mostram preocupados com algum episódio de forte queda no preço do dólar, dada a baixa probabilidade de um cenário desses em função da análise feita. Mas a instituição recomenda algum tipo de proteção contra uma forte alta da moeda americana.

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