quinta-feira, 19 de abril de 2012

Krugman elogia política monetária do BC brasileiro

Valor 19/04

O Banco Central brasileiro está certo em sua política de redução dos juros, disse ontem o economista Paul Krugman, Nobel de Economia de 2008. "A economia está claramente se desacelerando, e a inflação, provavelmente como em todos os lugares, é transitória", afirmou ao Valor. "O relaxamento monetário é apropriado."

Professor da Universidade de Princeton, nos EUA, Krugman vê problemas na valorização do real, por criar pressões que minam a competitividade da indústria. Ao mesmo tempo, lembrou que o Brasil mantém a própria moeda, que pode ser desvalorizada em algum momento, diferentemente do que se passa com os países da zona do euro. Segundo ele, a situação cambial do Brasil se parece mais com a dos EUA em meados dos anos 80. Naquela época, o dólar estava forte demais, mas não foi difícil desvalorizá-lo. " Krugman deu breve entrevista antes de participar do Seminário Internacional sobre Pequenos Negócios, promovido pelo Serviço de Apoio à Micro e Pequena Empresa (Sebrae), que teve apoio do Valor.

Valor: A presidente Dilma Rousseff reclama do "tsunami monetário', que seria causado pela política monetária dos países desenvolvidos. Diz que isso mina a competitividade dos emergentes e provoca uma guerra cambial. O sr. concorda com ela?

Paul Krugman: Não, embora entenda o problema. Há muito capital buscando os países emergentes e grande valorização da taxa de câmbio. Isso é um problema, mas não por causa de política monetária não apropriada nos países avançados. Esses países têm uma crise econômica grave. Ainda há grande crise de desalavancagem, o que mantém as economias deprimidas. É claro que os juros estão muito baixos. Há excesso de poupança nos países avançados. Se você olha para relação histórica entre desemprego, inflação e juros, as taxas dos Fed Funds deveriam estar em menos 4,5%. É razoável que esteja em zero. Eu entendo, a presidente tem suas preocupações. Há, de algum modo, um tsunami de dinheiro, mas não por causa de Ben Bernanke [presidente do Fed] ou Mario Draghi [do BC Europeu].

Valor: Quão preocupante é a valorização do real?

Krugman: Não é algo positivo, porque cria pressões. O setor manufatureiro perde competitividade e vai ser difícil recuperá-la. De outro lado, o Brasil ainda tem sua própria moeda. O real pode se desvalorizar de novo. O Brasil não tem muita dívida em moeda estrangeira. Quando olho para o Brasil, penso que pelo menos não é a Espanha. A Espanha teve uma valorização em termos reais nos bons anos do euro [devido aos diferenciais de inflação] parecida com a brasileira, mas está numa crise terrível, porque não pode desvalorizar. O Brasil pode. A situação do Brasil parece mais com a dos EUA em meados dos anos 80, quando o dólar ficou muito forte, mas não foi um processo especialmente difícil desvalorizar a moeda de novo.

Valor: Há um grande debate no Brasil sobre desindustrialização. Em 2011, a participação da indústria de transformação no PIB ficou abaixo de 15%. O governo deve tentar proteger a indústria?

Krugman: Não fiz muita lição de casa sobre a situação brasileira, mas acho que há de fato uma questão aí. O Brasil tem os fluxos de capital e as exportações de commodities, e faz algum sentido pelo menos tentar lidar contra os efeitos desses fatores.

Valor: O BC adotou postura mais agressiva desde agosto, quando começou a cortar os juros, apesar de algumas pressões inflacionárias, especialmente nos preços de serviços. Como o sr. vê a política monetária brasileira?

Krugman: Não tenho uma visão forte a respeito, mas acho que é razoável. A economia está claramente em desaceleração, e a inflação, provavelmente como em todos os lugares, é transitória. O relaxamento monetário é apropriado.


'Amor' pelo Brasil contribui para real valorizado, diz economista

O economista Paul Krugman traçou ontem um quadro razoavelmente positivo para a economia brasileira, elogiando as taxas razoáveis de crescimento, a resistência à crise global e a redução da desigualdade nos últimos anos, mas fez alguns alertas ao país - o Brasil é "amado demais" pelos mercados, algo que também ocorreu por vários anos com Espanha, Portugal, Irlanda e Grécia, os países hoje mais encrencados da zona do euro. Esse "amor" contribui para a valorização exagerada do câmbio, ao lado dos preços elevados das commodities, dos quais o Brasil é grande exportador, destacou o americano, professor da Universidade de Princeton, nos EUA.

Krugman mostrou ainda uma visão pessimista sobre as perspectivas para os países desenvolvidos, especialmente a Europa. A insistência europeia em promover políticas de austeridade fiscal só aprofunda uma situação que já é recessiva. Já os EUA passam por uma situação "terrível", ainda que não desesperadora. Para ele, a recuperação será lenta, com desemprego alto por alguns anos.

O economista disse que o Brasil não tem apresentado taxas de crescimento "ao estilo asiático", mas exibe um ritmo de expansão da economia sólido e razoável. Vulnerabilidades importantes que no passado faziam o país sofrer em cenários de crise global não estão mais presentes, afirmou, destacando que o Brasil não tem dívida expressiva em moeda estrangeira. Para Krugman, o Brasil resistiu bem ao cenário global adverso dos últimos anos porque foi menos complacente com o risco e as dívidas, uma atitude diferente da registrada nos países desenvolvidos, como os EUA. "O setor público e o setor privado foram mais cautelosos por aqui", disse ele, que participou ontem do Seminário Internacional sobre Pequenos Negócios, promovido pelo Serviço de Apoio Brasileiro de Apoio as Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), com apoio do Valor.

Mesmo que não cresça a um ritmo exuberante, o Brasil se tornou uma opção das mais atraentes para os investidores em comparação com os países desenvolvidos. "Isso ocorreu não porque as coisas melhoraram dramaticamente no Brasil, mas porque se tornaram dramaticamente piores nos países desenvolvidos." Esse movimento é decisivo para a valorização do real, assim como os altos preços de commodities. Para ele, essa "é uma situação desconfortável" para um país que já mostrou grande capacidade para produzir bens manufaturados sofisticados.

Ainda que acredite numa correção do valor do real em algum momento, hoje muito apreciado, Krugman disse que o Brasil deverá continuar a receber fluxos de capitais expressivos dos países desenvolvidos por um bom tempo. Ao mesmo tempo, os preços de commodities deverão se manter em níveis historicamente altos, dado o ritmo de crescimento mais forte de outros emergentes, como a China.

Para o economista, contudo, a valorização do real é um problema que pode ser em parte enfrentado pela imposição de impostos e limites que desencorajem a vinda desses capitais para o país, como tem feito o governo brasileiro. "E, se não há ameaças à inflação, é possível ainda cortar os juros."

Ele disse ainda que reclamar da política monetária dos EUA e da Europa, como vem fazendo a presidente Dilma Rousseff, não é eficaz. "O Brasil vem gastando um esforço considerável em criticar a política monetária do Fed [o BC americano], e esse esforço é em vão. O Fed está fazendo o que deve fazer, e devia até fazer mais", disse ele, para quem também seria importante o BC Europeu ser mais incisivo. "Gritar com os banqueiros centrais dos países desenvolvidos não vai resolver. Eles têm mais coisas com o que se preocupar do que em tornar as coisas menos difíceis para o Brasil."

Krugman tem defendido medidas agressivas de política monetária nos países desenvolvidos para tentar estimular a anêmica atividade econômica, mesmo que isso se traduza em inflação na casa de 4% - o que, na atual situação, seria uma boa notícia.

O economista mostra preocupação em especial com a situação europeia. Ele cita o caso da Espanha, onde a taxa de desemprego beira os 24%, superando os 50% entre os jovens, e insiste em políticas de austeridade fiscal, que contribuem apenas para acentuar a recessão, sem restaurar a confiança dos investidores. Ele acha possível que algum país abandone a zona do euro, como a Grécia, ainda que muitos analistas vejam a opção como catastrófica.

Quanto aos EUA, Krugman foi um pouco menos pessimista. "O mercado de trabalho está dando sinais de melhora, o mercado imobiliário também, em parte porque não construímos praticamente nenhuma casa nos últimos seis anos." Mesmo assim, descreve a situação dos EUA como terrível.

Também presente ao evento, o ex-ministro Antonio Delfim Netto disse que o câmbio é valorizado em boa parte devido aos juros elevados. O dólar barato prejudica a indústria de transformação, que cresceu apenas 0,1% em 2011, uma das principais explicações para a expansão de 2,7% do PIB no ano passado. Para ele, é para conter essa dinâmica que o governo está promovendo medidas para reanimar o setor manufatureiro.

Em relação às críticas de que as medidas são protecionistas, Delfim avaliou que as reclamações contra o Brasil na Organização Mundial do Comércio são semelhantes às de outros países. "O Brasil não é nem mais nem menos protecionista que os EUA." Ele enfatizou a necessidade de corrigir distorções do sistema tributário e de um controle rígido dos gastos de custeio, para o governo investir mais.


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